quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Poucas coisas são mais ridículas...

...do que o suspense que esse Daniel Alves faz para bater suas faltas. Ele pára, respira fundo, observa lá e cá com olhares dignos de um Robocop, em fria, milimétrica busca das melhores opções para efetuar o levantamento; faz carranca de mau, calculada pose corporal e assume um ar de superioridade de quem realmente vai decidir a partida com tal lance (sempre em busca de uma câmera, lógico, este paradigma dos jogadores modernos, junto às famigeradas chuteiras coloridas) - para, na sequência, mandar a pelota em local quase sempre frustrante para quem fez tamanho alarde de suas capacidades com a bola parada. Mas, mesmo assim, com essa capacidade de sair do método mais arrojado de interpretação para a canastrice contumaz, ele sempre está por aí, nas convocações da seleção, assim como permanece no Barcelona, um dos gigantes do futebol planetário. Sinal dos tempos é isso aí: o que conta, hoje, não é a eficiência, é a imagem. Eis a prova, corporificada em um lateral-direito que sabe, como poucos, "representar" o ofício.

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Não só é triste uma seleção brasileira que ainda precise ($$$) de Ronaldinho Gaúcho (que nada fez, como já prevíamos) e Robinho (este, agora, promovido a "capitão") - triste (ou sintomático?) é também ver um Campeonato Brasileiro trazido de volta à vida graças a uma sequência de atuações desastrosas de juízes, estes promovidos a astros principais de uma competição tecnicamente moribunda (isso graças a um tema que eu gostaria de desenvolver mais para a frente, o da banalização dos pênaltis). E, favas contadas, os que tentaram levantar sua voz ante tal estado de coisas na grande imprensa já foram sumariamente calados, para que o status quo corrente de "certame bem disputado" não se alterasse. E tudo segue como dantes, no mundo das abobrinhas.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Estamos aqui pra isso

Veja aí, mais abaixo, nos posts recentes: Mano Menezes receberia logo a ordem para convocar Ronaldinho Gaúcho. Restaria ver se o alegre treineiro a acataria. O fez. Pode ser creditado como um dos mais covardes treinadores que já sentaram no banco para comandar o selecionado tupiniquim, e um dos que pode se servir com gosto da alcunha de "pau-mandado". Se o anterior conseguiu resistir à pressão, este não só a acatou, como o fez sorrindo. E planeja fazer mais, segundo declarou. Tanga-frouxa.

Dunga, como treinador, foi péssimo, não se pode negar. Com pouqíssimos recursos, daqueles que só sabem trocar seis por meia dúzia, entregue a uma assustadora hierarquia militar, e à panelinha que todo treinador faz uso (e, em seu caso, tendo colocado a seu serviço atletas de uma pobreza sem par), sua seleção, dentro de campo, não fará a menor falta. Agora, o que este homem fez fora de campo, ah, isso sim, será inesquecível, senhoras e senhores! Um sujeito, que deveria ser, na concepção dos donos do poder da CBF, um simples cumpridor de ordens, resolver peitar, sozinho e à revelia do sr. todo-poderoso Ricardo Teixeira, a Rede Globo de Televisão e a Nike, e por tabela a própria CBF, é coisa inacreditável até agora. Aliás, com o passar do tempo, e com o papelzinho ridículo e serviçal que gente como esse Menezes costuma fazer quando lá está, o que Dunga alcançou torna-se ainda mais surreal, coisa sem precedentes mesmo. Como uma pessoa com uma mentalidade à primeira vista tão reacionária pôde tocar um projeto revolucionário como esse, o de encarar de frente as duas corporações às quais a CBF mais abana o rabinho (petulância estratégica: na época de Copa, na qual era virtualmente intocável)? Tirem esse cara daí, antes que o estrago seja maior, e tragam alguém que faça subservientemente o nosso jogo, devem ter gritado os poderosos no ouvido de Teixeira - e aí veio Menezes, com a cartilha do bom menino embaixo do braço. Aliviados, todos deram as mãos - e agora comemoram esse ridículo retorno de Gaúcho, que nada vai acrescentar a não ser o brilho de seus avançadíssimos Nike Shox à transmissão global. Vai que é sua, Júlio César!

(PS: Toro já me adianta a letra: A Ronaldomania dá as caras novamente, e faz o Timão ressurgir das cinzas, para dar alento a esse morto "Brasileirão". O Cruzeiro recebeu seu recado: o assombroso pênalti dado ao São Paulo na quarta-feira mostra que tudo pode ser feito para que Andrés, o amigão da galera, comemore o tal "Centenário" numa boa, com ao menos um título. Veremos.)

sábado, 23 de outubro de 2010

Já repararam que...

...nossos comentaristas andam cabisbaixos, longe da empolgação do ano passado, com o "Brasileirão" corrente? O bizarro é que trata-se de um certame exatamente igual ao pregresso, aquele que foi vendido como "o maior de todos os tempos", "emocionante", e tal, por esses mesmos que agora quase choram ou bocejam no ar: times que caem de produção no segundo turno, equipe que surge e atropela rumo à liderança, disputa entre várias agremiações na zona do rebaixamento... Será por quê, um ano tão borocoxô por parte dos cronistas? Arrisco duas hipóteses:

1a.) Em 2009, eles precisavam levantar a Copa do Mundo vindoura, instaurar um clima de encanto crescente com o futebol até o ano seguinte - mas a "revolução tática" negativa promovida pela Espanha campeã (a do cozimento infernal dos toques laterais no meio-campo, e, de 1 a 0 em 1 a 0, o pragmatismo levado às últimas consequências possíveis e imagináveis) foi um tal banho de água fria que não conseguiram segurar a onda: sim, pessoas, o esporte está em franca decadência técnica nos gramados mundo afora, e é imperativa a admissão de tal fato. Ainda não puderam acordar em definitivo, pois possuem compromissos comerciais/corporativos que não os permitem chutar o balde com veemência (ao menos, aqueles dos quais esperamos atitude semelhante - da maioria, a passividade é eterna e sorridente companheira), mas estão em estado vegetativo, prestes a sair do coma.

2a.) Além da questão Copa, o campeonato ter sido hipervalorizado em função do Flamengo ser o clube com a maior torcida do Brasil (olhe que casamento perfeito, coincidência ou não: antes do certame mundial, para o congraçamento das massas na usual "corrente pra frente", nosso time mais querido é campeão!). A questão comercial tornou-se preponderante para as emissoras, que assim buscavam elevar suas audiências e lucros ao venderem essa ascensão rubro-negra como algo sem precedentes. Este ano, com a queda corinthiana, foi-se a única possibilidade das TVs em mascarar ao menos o mínimo do horror deste torneio nacional pós-ressaca do "fracasso" (em todos os sentidos) da Copa de 2010.

Fica aqui, então, a nossa dica: rapaziada dos microfones, enterrem logo o defunto, antes que ele enterre vocês.

domingo, 17 de outubro de 2010

Beijim beijim, tchau tchau

Parece que foi de um dia para o outro que as mudanças tomaram o futebol de assalto, mas não foi. Desde a época de João Havelange no poder de sua entidade máxima, a FIFA, na década de 70, já se ensaiavam diversas mudanças que tomariam corpo definitivo na gestão Blatter, no final dos anos 90, para fazer do esporte uma máquina global de render dinheiro, acima de tudo. As bases já vem lá de longe - mas, mesmo neste mundo onde tudo precisa ser moderno, padronizado e lucrativo, certas práticas não caem em desuso entre os "boleiros", por mais que sejam consideradas desatualizadas, ultrapassadas, fora de moda, etc. Porém, como o entorno que cerca os atletas é radicalmente diferente, a maneira como tais atitudes serão recebidas também. E isso pode representar muito mais do que aparenta em dois ou três segundos de um VT de melhores momentos.

Sábado passado, Robinho fez seu primeiro gol pelo Milan. O ex-santista, que tem oscilado entre o time titular e o banco de reservas (de onde saiu nesta última partida), depois de anotar o ponto, foi até um ponto no qual poderia encarar a torcida que o criticava no início da temporada, e também ser fartamente fotografado e filmado pela mídia ali presente, e beijou a camisa do time. Não só precisava dar uma satisfação aos que o criticavam, como também mostrar que ainda pode existir amor à uma camisa nesse mundo canalha, vaidoso e inclemente do futebol moderno, que já o queria vitimar antes mesmo de poder desenvolver seus primeiros seis meses de trabalho por lá. Vindo de qualquer um, já soaria cínico... De Robinho, então, é praticamente uma afronta, até mesmo para quem não é torcedor do Milan.

Não se pode precisar quando surgiu essa atitude de beijar a camisa (eu, pelo menos, não sei), mas ela servia para aproximar o jogador do torcedor. Pessoalmente, acho que nessa tão propalada história de amor à camisa tem muita balela (com dignas exceções, claro, e essas podemos contar nos dedos); mas o ato de mandar um singelo ósculo ao escudo da agremiação ajudava a dizer aos que pagaram ingresso que o jogador é consciente de ser apenas um intermediário entre o clube o torcedor, nada além ou acima disso. É necessário respeito e grande dose de discernimento, antes de tudo, pois é fácil desmascarar o farsante nessa brincadeira; já que todo jogador possui um passado, é acompanhado incessantemente pela mídia, diz coisas que podem ser mal interpretadas, etc. Se tal ato hoje é mal visto, se existe, por exemplo a expectativa do iminente vexame se um jogador beijar o símbolo no novo clube em sua apresentação, por exemplo, é porque isso é demonstração de frontal hipocrisia - não porque não existe mais o tal "amor à camisa", e sim porque o compromisso com o futebol fica em segundo plano para as novas gerações, mais interessadas em ascenção social, celebridade, etc. Assim, o que dizer se é um dos que mais valorizam o culto à personalidade a origem de tal prática?

Robinho está acuado neste início de temporada na equipe rossonera. Tanto a torcida quanto seus companheiros não lhe dão colher de chá. Sem o tão benfazejo refresco do paternalismo, aquele que tem feito os atletas retornarem ao Brasil reclamando de "perseguições" dos técnicos estrangeiros, tem cortado um dobrado. Na comemoração do gol, o atacante comportou-se feito um cordeirinho, quase chorando frente à organizada do Milan, rebaixou-se como poucas vezes pudemos ver, porque ainda quer de qualquer forma ser aceito em um dos "grandes" do Velho Mundo, mesmo com a carreira já em curva descendente. Fez média com a torcida, sequer preocupou-se em considerarem sua atitude populista (pelo contrário, quis que a registrassem, a fez ali, perto de quem a captasse para retransmiti-la depois), porque realmente não se incomoda, pois, sim, ainda acalenta o projeto de ser o "melhor do mundo". Por qualquer lado que observemos, não importa quantas voltas dermos, com Robinho sempre cairemos no individualismo, no personalismo exacerbado, na falsa humildade. Um beijo na camisa é para ele a continuidade desse processo de contínua adoração ao próprio umbigo - e que a trégua com os torcedores do Milan, que não iam com sua cara, venha seguida também de idolatria, é só o que a ele interessa. Durma-se com um barulho desses.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

"O tempo é o senhor da razão"

Chavão, lugar-comum, frase batida... Tal ditado que entitula esse post é uma frase ainda mais surrada que as hoje em dia doentias "futebol é uma caixinha de surpresas", "tal jogador veio para somar", "placar elástico", e desgraças quetais. Mas não me foi possível evocar outra sentença, me desculpem. Assistindo ao canal ESPN ontem, repercutiam uma entrevista de Ronaldinho Gaúcho a um veículo francês (esse tipo de "bomba" dada por jogadores nativos de renome encontra duas válvulas de escape: Rede Globo, ou algum grande jornal/TV da Europa - lembra-se que Ronaldo preferia que seu filho fosse "europeu"? Pois é, complexo de vira-lata não se supera do dia pra noite), na qual ele dizia: "Nenhum jogador brasileiro jogou tanto quanto eu, na temporada passada". Arnaldo Ribeiro, tão querido por nós aqui do Antimídia, comentava. Primeiro, me diz que tal frase não combinava com Ronaldo Assis, "sempre tão humilde". Depois, diz que poderia listar "uns 20 jogadores brasileiros" que atuaram melhor que o 80 milanês em 2009/2010, e que, se quiser ser convocado novamente, ele precisa fazer um sequência de jogos "menos irregular" do que a passada. Me senti estranho. A cabeça voltou à tal temporada como em um furacão, e nem precisei vasculhar os arquivos desse blog para refrescar a memória, ainda quase lá: não foi nela que os articulistas insistiam que Ronaldinho debulhava tudo, jogo após jogo? Que ele havia recuperado a forma, que estava voando baixo, que massacrava sem pena os adversários, e que seria a única alternativa de brilho para a seleção de Dunga? Ora, fuçe você mesmo o arquivo deste sítio, para ver o que Toro e eu postamos desde o início do massacre midiático que visava mastigar todas as mentes, favorecer Ronaldo Gaúcho e interceder a favor de sua convocação: que, NÃO, o sujeito não estava jogando a bola que esses especialistas direcionados e parciais insistiam que ele vinha praticando. Por quê só agora, depois da Copa, sem o compromisso comercial da transmissão, o tal Arnaldo percebeu isso, e admitiu hipocritamente frente às câmeras, com ar blasé, sem autocrítica? Ou melhor: será que não existia essa consciência já naquele momento, e que alguma coisa (mais uma vez, sugiro que vá aos posts antigos, lá esmiuçávamos o quê poderia freá-los) o obrigava a dizer o contrário? Em quê vamos acreditar: em ingerência corporativista ou em 'delay' do articulista? Se escolher os dois, também não estará errado.

Talvez estimulado pela presença de Mano Menezes, que demonstrou nos primeiros jogos total disposição para fazer tudo o que lhe mandarem, Gaúcho já avisou ao treinador (e aos dirigentes da CBF, para que lhe passem a ordem): quer voltar ao time do Brasil, e planeja ainda jogar as Copas de 2014 (quando estará com 34 anos) e 2018 (com 38). Nesta bolha na qual vive um jogador multimilionário, tudo é possível: até mesmo crer que não será ultrapassado pelo tempo. Parece que a lição de 2010 não foi compreendida por Ronaldinho, que ainda se crê maior do que o seu futebol realmente o credencia (ou, vá lá, se você é daqueles que o compram como o "maior da década", não firamos sua aflorada sensibilidade, ao menos uma vez: digamos, então, que o seu "momento" o credencia - melhorou?). Se é levado a acalentar tais desejos pela máquina que o cerca (quem, já acostumado a viver como Deus por acreditar ser o próprio, deseja voltar a ser simples mortal?) ou se ele realmente bota fé que, aos 38 anos, ainda terá condições de estar em um certame mundial (sendo que aos 30 já foi cortado de um), é algo que não sabemos - mas a megalomania de sua frase, aquela que gerou a manchete do jornal francês, parece não ser obra do acaso, dessas sentenças pescadas por um jornalista astuto entre palavras perdidas ditas pelo entrevistado. Se o tempo traz a razão a alguns, a outros ele não parece tão benfazejo assim.

(E a 'Neymar situation' continua rendendo. Dia desses, se o assunto não me fizer devolver almoço ou janta, tento falar dele por aqui. O 'garoto de ouro' virou um habitué do Antimídia - e, se isso acontece, bom sinal não é...)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ainda não me ensinaram a fazer contas quebradas

Eduardo Galeano (foto) afirmou, uma vez, ser uma espécie de "mendigo do futebol", pois era como se passasse um pires pelos gramados mundiais, em busca de migalhas de fantasia no futebol, ou seja, um drible bem dado, uma jogada coletiva bem construída, uma defesa arrojada, gols espetaculares... Coisa cada vez mais rara no futebol, segundo o mestre uruguaio, já em plenos anos 90, época que pessoas como nós, que iniciamos nosso gosto pelo esporte um pouco antes dessa data, ainda enxergávamos tantas maravilhas. Pois, se aqui no Antimídia, ainda perdemos tempo com a indigência generalizada dos programas esportivos, é porque aguardamos (com certa ingenuidade, devemos admitir) algum abnegado da crônica soltar farpas de amargura com as quais nos identificamos, e que iriam frontalmente contra o corporativismo reinante entre emissoras e Campeonato Brasileiro, e entre tais articulistas e seus contratantes. Assim, somos algo como "mendigos da verdade" - uma tarefa hercúlea e que parece perdida, mas da qual não desistimos.

Hoje, fui conferir um programa da horrenda SporTV, esse canal que criou um mundinho paralelo de plasticidade total para seguir em sintonia com o futebol "globalizado" e seus fãs fast-food, unicamente porque queria ver os gols dos jogos de ontem. Só isso: não queria saber da opinião de ninguém, não queria ver matérias feitas por/para abobados, não queria ver sorrisinhos nem troca de gentilezas/piadas internas feitas pelos apresentadores, para simular (mal) a descontração tão cara ao jornalismo esportivo global. Queria apenas saber os resultados, ver os tentos, e acabou. Pois bem: a primeira chamada do programa matinal era um suposto "chapéu" que o santista Neymar havia aplicado no oponente catarinense do Avaí. Tal imagem foi repetida à exaustão, de vários ângulos, e já antecipava o discurso a segui-la: "alegria", "arte", "molecagem", bla bla bla. Detalhe que sequer foi mencionado: o que recebeu o lençol estava caído, deitado ao chão. Outra: o jogo estava paralisado, da mesma forma como havia acontecido há um tempo com o avançado baleeiro e o beque mosqueteiro Chicão. Pois sim: todos estavam prostrados ante um lance que sequer pode ser considerado parte integrante daquela partida, já que esta encontrava-se momentaneamente suspensa! E nosso amigo "craque" ganhou destaque ("incontestável", segundo os do canal) no cotejo por conta de algo gratuito como tal firula, que fez exatamente com o intuito de se exibir, de aparecer, de prorrogar forçosamente o rótulo de jogador "irreverente" que lhe colaram!

À parte a discussão que tomou conta dos programas da hora do almoço, dos quais a tônica é desde sempre o provincianismo estupidificante, a de que aquilo poderia ser um desrepeito ao adversário (e cuja réplica era sempre a de "querem acabar com a alegria do futebol" - cavalgaduras como esses caras só enxergam as coisas em termos rasos), temos aqui uma continuação do post anterior: o desespero que os profissionais do microfone (e, por extensão, os que os acompanham) nutrem por encontrar "ídolos", nessa era da pré-fabricação, os levam a considerar um lance fora do jogo como demonstração de "talento". E não são os tais "mendigos", como Galeano disse com a classe que lhe é peculiar, pois esses, que ainda passam o chapéu em busca dos restos da real fantasia no tapete verde, buscam justamente o contrário do que Neymar fez. O autor platino é de um tempo no qual se valorizava unicamente os feitos alcançados dentro de campo, por jogadores capazes porque verticais, objetivos. O 11 praiano, por sua vez, fez apenas e tão somente a costumeira publicidade de si mesmo, maquiada de "arte", de forma oportunista, covarde até (o adversário estava caído, lembremos), e que nada acrescenta ao futebol como jogo, como esporte. Se a firula desnecessária dentro de uma partida já é algo discutível (para nós, repugnante), Neymar notabiliza-se por levar a inutilidade ao ponto de ser reconhecida como acontecimento de maior interesse até do que ele e seu time haviam feito em campo. Anotou um gol, até deve ter jogado bem, o Santos venceu, mas os olhos se voltaram para o momento no qual não existia futebol, no qual o duelo estava interrompido, para o qual seu gracejo deveria significar o mesmo que uma reposição de bola feita por gandulas. Sintomático que se subtraia da manchete e das discussões a peleja, as equipes, o campeonato: é o canal, o programa esportivo, o jornalismo em geral, mandando o futebol definitivamente às favas, para destacar uma bobagem extra-partida! A real motivação para a cobertura torna-se algo que não é mais o desporto bretão; mas que, paradoxalmente, nos é vendida como a alma do "real futebol brasileiro"! Isso é assustador demais para passar batido, caras. Por essas e outras que, por mais que exista a vontade de jogar tudo ao inferno, ainda encontramos um tanto de força e de razão para postar aqui.

(Um adendo: nas últimas partidas, São Paulo e Corinthians - antes, lógico, da palhaçada do tal 'retorno' de Ronaldo - entraram em campo sem centroavante de ofício. Um dos nossos últimos tópicos falava exatamente da escassez que tal posição enfrenta no mundo hoje em dia. Será por conta de covardia tática, ou porque esperam que o próximo 'fenômeno' surja a partir da eliminação, para que este seja em definitivo o 'único da espécie'? Alexandre Pato está aí, na fila dos que aguardam tal oportunidade.)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A televisão me deixou burro, muito burro demais

Vivemos tempos turbulentos, de constantes transformações - e que geram, a reboque, inevitáveis deformações. A cultura das celebridades efêmeras é a tônica dos que se lançam a boa parte das atividades que exijam mídia, e o futebol não foge dessa realidade (aliás, muito a alimenta). Os meios de difusão, com a Internet, tornaram-se variados e "democráticos", e, não importa se é micagem ou coisa séria, sempre tem alguém disposto a assistir quem quer aparecer.

Pois então: uma das pragas que contaminam o nosso (ex?) esporte favorito são os jogadores que comemoram gols para a câmera de TV. Até em partidas de segunda, terceira divisão, eu já vi essa coisa estapafúrdia acontecer. Vivemos dizendo aqui que a atual geração não possui mais compromisso com o futebol, e tal manifestação deixa claro que a cabeça dessa molecada está voltada, em primeiro lugar, para a celebridade, para a auto-promoção, os programas da hora do almoço, o fazer média com patrocinadores e puxa-sacos... Enfim, de ter a si próprio como o centro das atenções, sempre. Às favas a torcida - não vale a pena comemorar com quem pagou para assistir ao jogo, se uma palhaçadinha para a câmera, junto a uma edição "esperta", pode render uns minutos com Tiago Leifert no dia seguinte, né? Ou, quem sabe, se o "craque" entoar alguma declaração de amor a alguém, isso não estimule alguém a fazer uma matéria que esmiuçe tal "mistério", e que revele a pessoa que fez nosso querido atleta beijou a aliança ou mostrar camiseta com mensagem edificante... O presente que eles dão para a outra é esse, o de poder aparecer também em algum desses programetes. Todos querem virar imagem, todos acreditam que esta é glória definitiva, desejam sua parte do bolo nesse amargo Big Brother da vida real. E essa perigosa babaquice precisaria ter fim, mas não vai acabar, já que o futebol-HD é espetáculo televisivo, não de estádio. É como um show de auditório que exclui a audiência ali presente, que prefere afagar os que estão em casa (pois são as emissoras que sustentam aquilo, não você, parecem esfregar em vossos focinhos), e no qual os atletas-artistas precisam possuir essa intimidade com as câmeras já do berço, pois é ali que mora sua valorização. É a verdadeira "Malhação" dos gramados.

Outra coisa é a banalização da palavra "ídolo", entre tantas outras que nossos queridos "especialistas" tanto adoram repetir até esgotar por completo. Esses dias, escutei um ser aí dizer que o lateral-esquerdo Marcelo é "ídolo no Real Madrid". Perae, perae... Que eu saiba, ídolo por lá é gente do quilate de Puskas, Di Stefano, Hugo Sanchez... Craques acima de qualquer suspeita, que precisaram de anos de títulos e ralação, junto a seu indiscutível talento como futebolistas, para que pudessem ser algo mais na história do gigante merengue do que uma simples nota de rodapé. Como agora um atleta mediano, que sai do país sem sequer ter se firmado em definitivo no clube de origem, ser "ídolo" de uma agremiação com tanta história, cuja jaqueta já abrigou tantos gênios? O que está errado aí? E isso não pode ser creditado somente à simples preguiça do articulista não, caros: o triturador midiático realmente exige que esses malucos sejam e deixem de ser "ídolos" em curtíssimo espaço de tempo. É necessário dar esse lustro de importância a qualquer um que vista camisa de grandes times, já que até mesmo os coadjuvantes podem ser fonte de renda. Tudo é "produto", tudo é "marca", tudo gera publicidade, e o futebol jogado, que deveria ser prioritário para separar o joio do trigo, é esquecido. Ele representa dois dias de trabalho na vida de um atleta profissional na Europa; o resto (e maior parte) do tempo é dedicado ao esporte de inflar ego. Não é somente a palavra que se banalizou, então: são todos os procedimentos que envolvem o futebol e que levam até tal expressão ser dita, também. Um mundo banal, cada vez mais vazio, e, por isso, desesperado por idolatria - e que gera novos "fenômenos" a cada 5 minutos, goela abaixo de quem se dispõe a engoli-los.

Ontem, inclusive, foi transmitido via TV a cabo um jogo do Real Madrid ante o Peñarol - e o alemão Ozil, que até pouco tempo ainda não havia acertado, vendeu-se e já estreou no Bernabeu. Os caras sequer dão tempo para o povo respirar - é necessário capitalizar o quanto antes, fazer o dinheiro valer antes de qualquer pensamento. E a sua pedra está aí, meu caro, para ser empurrada. Vamos lá, que eu vou empurrar a minha aqui.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Chuta, que a santa é de gesso

No começo do ano, até entendíamos que o time do Santos fosse protegido pelos nossos cro(oportu)nistas, já que era o time das goleadas, o time que "resgatava o futebol bonito", o time "que jogava para o ataque sem medo de ser feliz", bla, bla, bla... Mas, pessoal, isso agora já não cola mais. Aquele era um momento de euforia, no qual víamos supostamente surgir uma geração interessada em partir para cima do adversário, que supostamente sepultava o futebol pragmático herança de Parreira e seu título mundial em 94, que supostamente revivia a beleza de nossas tradições de "molecagem" e "irreverência" que pareciam sepultadas há muito pelas pranchetas e planos táticos. Como pregamos aqui desde o início, esse tipo de papo é balela das grossas, porque o compromisso dessa gente não é mais com o futebol, e sim com ascensão social e "valorização do passe". A máscara dessa pirralhada já começara a cair na final do Paulista, quando perderam para o rifado Santo André - e agora, com o encanto já esfumaçado, eles se envolvem em confusões que dão cada vez mais vergonha, pois seu deslumbramento (ora babaquinha, ora perigoso) com tudo que o extra-campo os propicia é inversamente proporcional à sua parca capacidade de lidar de forma racional e pé-no-chão com a subida veloz para o cume da pirâmide social. A última foi essa da Webcam, que mostrou que a "irresponsabilidade saudável" dos santistas não é tão benfazeja assim, já que traz em sua pauta total desrespeito por clube e torcida em razão da ignorância e do culto a si próprios.

Sentados em seu trono, sentindo-se deuses de um mundo que deve unicamente glorificá-los, sendo chamados de "ídolos" por pessoas que sequer sabem a abrangência de uma palavra como essa, e contando com a diretoria omissa que deixa a criançada deitar e rolar (é só por agora, pois já já todos serão vendidos), faltava apenas o pitaco desastrado de algum cro(oportu)nista. Pois aí está: o tal Albuquerque, da ESPN Brasil, em meio a colocação de panos quentes e a usual condescendência disfarçada de veemência dos analistas ditos "imparciais", diz que a torcida foi tão imatura quanto os jogadores. Sim, ele jogou a responsabilidade para a torcida também, isentando parcialmente os jogadores e a direção do Peixe, clube do qual é torcedor declarado, de dolo em mais essa demonstração de arrogância, narcisismo e falta de senso profissional. Veja aí, no finalzinho do vídeo junto a esse link: http://espnbrasil.terra.com.br/santos/noticia/139444_VIDEO+DECLARACAO+DO+GOLEIRO+FELIPE+E+MAU+CARATISMO+ANALISA+GIAN+ODDI. Se o título da matéria destaca um 'mau-caratismo', ficamos sem saber a qual ele se referia...

Mauro Cezar Pereira, a única voz da crônica desses canais pagos que ainda merece algum respeito de nossa parte, toca na ferida com muito mais propriedade: http://espnbrasil.terra.com.br/maurocezarpereira/post/139433_VI+PARTE+DA+APARICAO+DE+MADSON+E+OS+SANTISTAS+AO+VIVO+CONSTRANGEDOR. É bem por aí. E lembremos que um dessa turma, o tal André, já foi para o Dínamo de Kiev - veremos para qual outra mediocridade ululante irá o resto das estrelinhas que se gabam em gastar mais grana com comida de cachorro do que o que os torcedores que os admiram, e que ajudam nesse gasto com rango canino pagando ingresso para vê-los desempenhar em campo, ganham por mês.

(Um complemento ao post anterior: Mano Menezes já é figura carimbada em todos os programas da Globo - inclusive, Toro me alertou que o treineiro disse a jornalistas presentes em sua apresentação que só falaria dali a três dias, segunda-feira, para todos, em uma coletiva quando da sua patética primeira convocação; mas, no domingão, lá estava ele, todo solícito, no Esporte Espetacular! A politicagem e a promiscuidade da CBF com o canal do Jardim Botânico é de enojar - e, agora, voltou com força redobrada.)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Troca o baralho, que esse está marcado

João Gordo uma vez afirmou que o Brasil tem jeito, sim. "Basta que se mate todos que aqui estão e que começe tudo de novo". Pois assim vejo a situação da CBF e sua mais lucrativa franquia, a seleção brasileira. Não existe outra maneira de se modificar o panorama do futebol nacional se não se combater o sistema viciado, putrefato mesmo, que tomou conta da entidade desde a posse de seu todo-poderoso, sua Madame Butterfly, sr. Ricardo Teixeira, e sua tropa de vampiros, sempre sedentos por negociatas e maquinações de bastidores. A Confederação simboliza tudo aquilo que existe de mais podre e rasteiro dentro do mundo político, e os que lá estão são como os homens públicos profissionais: não largam jamais o osso, pois sabe que essa é a casa das oportunidades, que rendem a eles tudo o que lhes dá sentido à vida, ou seja, status, poder, libertinagem e dinheiro. Mudaram o treinador, mas a retaguarda que lhe dá suporte ainda é a mesma. Então, o que esse novo treinador terá de fazer? Se adequar ao modus operandi da família Teixeira-Havelange, ou então, nada feito. Afinal, se a coisa está tão boa para os manda-chuvas da casa, se eles podem comer seu caviarzinho e viajar para qualquer canto do planeta às custas da sangria do esporte mais popular de sua nação (esta, que eles dizem hipocritamente "representar"), para quê mudar? Não importa se a esquadra sofra diretamente com isso, à sombra de tantos desmandos e maracutaias (das quais eles próprios, os jogadores, não estão isentos de responsabilidade, é bom salientar). "Renovação", palavra tão usada pelos "especialistas" nesse momento pós-fracasso na Copa do Mundo quando se fala do escrete amarelo, não passa, portanto, de apenas isso mesmo, uma questão meramente retórica. Na prática, nada muda.

Mano Menezes assumiu em meio à recusa de Muricy Ramalho. É um treinador sério, de método, que sabe trabalhar somente a longo prazo (talvez por isso seu currículo não seja dos mais vistosos), mas que precisou fazer concessões para encarar esse que é o "sonho" dos técnicos brasileiros: o de ser aceito pela CBF como um dos 'tops' da profissão. Assim como jogador, que deseja desde o útero da mamãe vestir a camisa de qualquer clube europeu (sim, qualquer um), técnico também possui as suas cobiças. Mas a vaidade de Menezes foi o menor dos males: triste, sim, foi que sua chegada em nada alterou a rotina usual da CBF e de seu time de estrelinhas fugazes, como ficou claro em sua primeira lista de chamada à frente da seleção. Óbvio que a não-convocação de parasitas como Robinho e Júlio César, talvez os dois com os narizes mais enfiados nos próprios umbigos entre os 23 estafermos que foram à África, é francamente elogiável; claro que existem aquelas patacoadas usuais entre as novidades do treineiro, tão comuns aos iniciantes no cargo (movimento natural de quem quer mostrar serviço: ali estão os desconhecidos que jogam na Europa, que são utilizados para que o recém-empossado mostre que acompanha os campeonatos, que está "antenado"; se fazem presentes também os brasileiros de times menores ou ainda em amadurecimento, cujo sucesso vindouro poderá ser creditado a seu descobridor, este faro tão certeiro para descobrir novos talentos e tão democrático para dar-lhes oportunidade)- mas o resto é somente mais do mesmo. Os que agora serão promovidos a titulares são os que eram antes reservas (já estão mais que à vontade com o clima nababesco da CBF, sabem em que costas precisam dar tapinhas, já arrumaram faz tempo seu pé-de-meia em times do Velho Mundo); as ditas "novidades" são aqueles que mais se mostraram talhados a entrar no esquemão titular do clube-seleção de base-negociação milionária-qualquer agremiação fora daqui. Ora essa, o que Neymar tem jogado que justifica sua presença em uma lista dessas? O que Pato fez nesse último ano, ou mesmo em sua carreira, que o credencia a ser tão indiscutível (como já dito no post abaixo)? Menezes inicia sua participação fazendo uso das mesmas cartas marcadas de seu(s) antecessor(es). Exatamente como a cartolagem queria, e sabe como ninguém estimular e promover. Parabéns a todos eles por mais esse passo atrás.

(Para terminar, uma recomendação: matéria da revista Carta Capital que fala, com sobriedade e exatidão, a respeito do que será essa Copa do Mundo tupiniquim organizada por Teixeira e sua turminha de Alis Babás. Link: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/quem-vai-impor-limites)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O fim do centroavante?




Luiz Suarez, centroavante do Uruguai, me impressionou: mesmo que, em muitos momentos, pudéssemos considerá-lo fominha e estabanado em demasia, ele não se furtou em um momento sequer de dar peitada, encontrões, empurrões, caneladas e toda a sorte de artifícios que um atacante não pode abrir mão para exercer seu ofício. Veja só: ele até mesmo arriscava chutes a gol! De posse da bola, tinha essa preocupação de levar trabalho ao goleiro adversário, e atirava não importa de onde, não importa se de cabeça ou com qualquer um dos pés. Em que mundo os centroavantes deixaram de fazer tal coisa, abriram mão de serem perigosos à meta contrária para tornarem-se bibelôs cheios de não-me-toques? Ora, caros: no mundo de fantasia dos telões da Copinha de 2010.

Sim, esse foi o certame que, além de evidenciar o total desinteresse das grandes "estrelas" em relação a seleções nacionais (cito Messi e Cristiano Ronaldo como exemplos mais óbvios e surrados, mas também as "nossas" estrelinhas, como Júlio César e Robinho), também foi o dos centroavantes que não fazem gol. Desde moleques, Toro e eu acompanhamos gente como Careca, Van Basten, Klinsmann, Romário, e tantos outros que tinham o ato de fazer gols como algo ligado a sua própria sobrevivência. Parecia que esses caras não conseguiriam sequer respirar se não anotassem tentos atrás de tentos! Eram forças da natureza, atletas mergulhados em um total compromisso com o futebol, nada além disso! O pós-96 nos trouxe a nova ordem: o 9 tornou-se uma peça além da equipe, além do esporte, além da vida; fazer gols passou a ser não a conclusão natural de uma jogada bem-feita, e sim algo fora do comum, coisa de "fenômenos", de gente que vê cada ponto que anota ser tratado como uma gema inatingível ($$$), e que fez do gol um artigo de luxo e, por conseqüência, capitalizável. Não estamos mais na época em que Van Basten marca quase 40 vezes em cada um de dois certames holandeses seguidos, e encara isso como algo natural à sua posição e à sua profissão: estamos na Copa em que se pulveriza a artilharia merreca de 5 tentos entre 4 jogadores, e que nenhum centroavante (excetuando a dupla de frente uruguaia, na qual Forlán era a categoria e Suarez a transpiração) fez NADA que se pudesse destacar positivamente - ao contrário: queriam somente bolas em condições perfeitas, não arriscavam, sumiam dos jogos, isso quando não eram responsáveis por momentos bisonhos de grosseria e auto-indulgência. Quantos gols de cabeça você viu no torneio mundial? Pouquíssimos, né? Bem-vindo à era dos atacantes que não se castigam pelo jogo, e que desejam ver tudo chegar de mão beijada a si. E o pior é que, na maioria das vezes, não importam os meios ou as fontes, as obtém.

Vejo que a capa da última Placar traz dois nomes que a revista considera estritamente necessários à renovação da seleção brasileira: Paulo Henrique Ganso, do Santos, e Alexandre Pato, ex-marido de uma atrizinha da Globo. Cito isso porque é a única coisa que traz o tão incensado atacante às manchetes do mundo são as colunas de fofocas, que tratam de seu rumoroso divórcio da tal ex-Malhação, ou qualquer que seja o lixo que a moça tenha estrelado na emissora. Futebol ele não joga faz tempo. Aliás, o que é Pato? O que ele fez para justificar tanta badalação, que tipo de proezas perpetrou para ser chamado até mesmo de "gênio" por alguns insanos de microfone na mão? Digo que não joga porque nem ao menos entra em campo há um bom par de anos. Atleta de seleção, hoje em dia, sequer precisa desempenhar nos gramados - basta fazer o extra-campo de forma correta que o resto está garantido. Assim, quem sabe a tal ave aquática não forma dupla de área com o Nilmar, aquele que pula feito uma Barbie de qualquer dividida ou chegada mais ríspida de zagueiros ou volantes? Simbólico, esse ataque da nova ordem: o que prioriza mais em sua carreira tirar fotos de cuequinha, e o que foge, com medinho, do corpo-a-corpo, em um jogo prioritariamente de choque e de contato. É a dupla que faz a festa da revista Capricho.

(Aos que esperavam mais atualizações desse sítio durante a nefasta Copa do Mundo última, nossas desculpas, mas não rolou. Conversava com Toro a respeito de ser esse o certame que deveria marcar uma virada em relação à padronização horrenda que o jogo adquiriu e que saltou às vistas mais do que nunca em sua mediocridade; esse deveria ser o ponto aonde até mesmo os mesmerizados passariam a clamar por algo com mais alma, mais culhão, menos paquitagem e cabelereiros/manicures - mas, mesmo as vozes que clamaram por mudança vez ou outra durante o torneio, depois voltaram a deslumbrar-se com o nada. Chegaram até mesmo a falar que a vencedora Espanha, com sua sequência de torturantes 1 a 0, era um exemplo de "futebol ofensivo e bem jogado"! O mal-estar nos dominou até mesmo para expormos nossas idéias de mal-estar. A vontade de desistir de vez desse futebol carcomido por dentro e lustroso por fora é grande - veremos até aonde conseguiremos chegar a partir de agora.)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Hay que poner más huevos!

Devemos mudar a expressão “futebol moderno” para “futebol covarde”. Vejo, neste ano, um certame mundial onde a educação tática parece mais importante do que aquele tesão ardente de vencer, que deixava a competição alucinante e justificava sua grandeza. As esquadras correspondem com perfeição à escola de Parreira-94, com (pelo menos) seis jogadores defensivos – não importa o placar do jogo - e os (supostamente) ofensivos não sabem mais driblar ou criar alguma jogada objetiva – e, assim, sobram os gols através dos infindáveis chutões para a área, ou após falhas grotescas dos contrários. Essa é a Copa do Mundo sem craques, sem arte, onde as (muito bem cotadas financeiramente) placas publicitárias ao redor do campo recebem mais passes do que os players: parece um pé-bolim virtual, um vídeo-game em 3D, uma conferência profissional apenas com estagiários. Como se não bastassem os jogos medonhos, há uma doença perambulando no continente negro este mês: o insuportável cai-cai, filho de criação da dona FIFA e de adulação das mídias. A geração de Cris Ronaldo deita (muito!) e rola, e usa com maestria a nova faceta do jogo: se o “bicho pegar”, se joga e ganha uma faltinha de prêmio.

Houve uma época – e eu me alimentei dela quando criança – em que se jogar no gramado (ou na quadra, no terrão, no asfalto das ruas, na areia da praia, tanto faz), implorar por uma ajudinha do árbitro ou simplesmente fazer cara de choro era motivo de vergonha! E antes que me rotulem de saudosista (um dos preferidos dos críticos às nossas críticas) é bom lembrar que esta era durou uns 150 anos na história deste jogo e acabou há dez. E estas ações só ocorriam quando não havia alternativa nas jogadas, e representam a boa e velha malandragem (a ‘milonga’, para os argentinos) para ludibriar o senhor do apito e ganhar um pênalti, um cartão para o adversário ou, meramente, irritar os nervos dele. Não era uma ação mimada e plastificada, e sim uma exceção durante os jogos, quando você fugia da regra que era lutar o tempo inteiro, o último grito de desespero ante uma derrota, a última munição de sua arma na guerra psicológica do futebol. Os jogos da Copa da África são recheados, minuto após minuto, com o inverso do legado bretão. Na Copa da Alemanha, em 2006, vimos um festival de infrações anotadas a cada corpo que caía, e o tal do “fair-play” as acompanhando de mãos dadas, na grande investida ideológica da “pureza cristã” em campo, promovida pela FIFA. Nos primeiros dias da competição de 2010, ela pareceu estabelecer um padrão para coibir o corpo-mole dos atletas, mas que, neste momento, já perdeu força para a tendência mercantil: cessar impiedosamente aquele descontrole emocional nos lances, que tanto nos emocionava por refletir nossa torcida, e que os árbitros controlavam simplesmente honrando as 17 regras oficiais do jogo. Hoje, parece haver apenas uma importante: “obedeça, se adapte ou está fora!”. Para sobreviver, o futebol é um esporte que depende da violência, do contato pesado e intenso entre os praticantes - em menor proporção do que o pugilismo, por exemplo, mas tirar esta marca do jogo é destruí-lo aos poucos, como um furo no tanque de gasolina que, cedo ou tarde, fará o automóvel parar de rodar. Igualmente a um técnico retrógado e cabeça-dura, que troca um avante por um defensor quando faz um gol, a FIFA substituiu aquele “chegar junto”, ou “chegar firme”, por uma educação asseada, que caberia aos atletas do golfe e concebeu àqueles que ainda jogam com os colhões (tais como Lugano ou Gattuso) uma paranóia de não mais fazê-lo pela certeza de que o preço a pagar pela resistência será sua exclusão de campo. Não adianta mais ganhar uma dividida com os ombros: se o rival for ao solo, é falta! Se reclamar disso leva cartão, e os “especialistas” da televisão vão qualificá-lo de indisciplinado, transgressor, desestabilizado emocional e afins. Quando há uma disputa de cabeça pela pelota, pode apostar: vai soar o apito, independente do que realmente acontecer no lance, pois o mero contato entre os “guerreiros” é polarizado a nova ordem, que deixa marcas proporcionais a sua ambição de comprar tudo. E assim o jogo é paralisado uma vez mais, dando espaço para mais um “super replay”, das câmeras cinematográficas que mostram tudo, menos futebol. É a autoridade que dita o ritmo do jogo, de maneira condicionada, robotizada. Nem parece que cada árbitro ainda tem sua própria personalidade, e sim uma única, com a alma de Havelanges e Blatters da vida encobrindo qualquer imprevisto. E todos atuam como intocáveis senhores da razão, transformando o jogo na ciência exata, do qual sua essência sempre o isolou. Não se pode mais contestá-los: já houve jogador, neste mundial, que recebeu um cartão amarelo por se dirigir ao assistente para discutir respeitosamente sobre determinada decisão, que para ele era equivocada. Funciona como os muros invisíveis, porém excludentes, na relação patrão-peão numa fábrica. Vejam no que estão transformando aquele jogo de bola que amávamos! Em todos os prélios até aqui disputados, a primeira bola jogada na área (dentre as centenas que, certamente, ainda virão até o último minuto) é precedida por uma bronca do árbitro, como se fora aquela do servente da escola nos recreios das crianças. E todos o fazem de maneira idêntica, abrindo os braços naquele sinal de “stop!”, proibindo o agarra-agarra que, na verdade, nunca prejudicou Pelés ou Van Bastens de anotarem seus maravilhosos tentos. Os cartões estão sendo distribuídos não mais pela violência intencional, o desrespeito explícito às regras ou pessoal ao árbitro, e sim por situações específicas, moldadas pela FIFA, para redesenhar o match e torná-lo controlável e previsível. No futebol, não é sempre que um carrinho por trás, um segurar a camiseta do adversário ou colocar a mão na bola justificam a punição com cartão. A arte do futebol também está presente neste julgamento arbitral, que varia muito de acordo com a situação do jogo, a atmosfera da partida, o lance em si que muitas vezes é mais estabanado do que maldoso, e não merece punição por tanto. Imaginemos uma escala de 1 a 5, onde “1” representa uma infração que nem a rainha da Inglaterra ficaria ofendida de sofrer, e “5” uma agressão proposital, com requintes de “Vale-Tudo”. Se um jogador desfere dois carrinhos por trás de nível 1, já está sendo retirado do espetáculo, para o qual se preparou durante muito tempo, como foi com Klose, da Alemanha. A FIFA está sacrificando o espírito de luta, em nome da massificação da obediência. Esquecem que a falta anotada já é uma punição para o time e, também, pessoal para o infrator. Os cartões são apenas elementos de garantia para a manutenção da ordem no jogo. Isso, claro, na regra, porque hoje eles são como seguranças particulares das finanças dos investidores da bola. Aos jogadores, lhes cabe o papel de meros escravos desse joguinho sujo, afinal de contas são eles que estão ali, suando e sangrando (quer dizer, o sangrar ficou num passado recente). Não reclamam dos erros grosseiros dos árbitros porque da próxima vez será sua equipe a previlegiada desta "regra". Já ouvi gente defendendo Ronaldos e Robinhos no episódio de “oba-oba” que tanto manchou a seleção brasileira em 2006, porque teriam sido vítimas de uma situação criada de fora para dentro no elenco. Faz-me-rir! Mesmo que o espírito tivesse sido “inventado” por alguém de fora, se ele foi muito bem recebido pelos de dentro, e carregado para o campo de jogo, como aconteceu, Ronaldos e Robinhos são tão responsáveis quanto qualquer outro. A classe boleira hoje, milionária e individualista, calada e contente com tudo, é tão culpada quanto esses senhores engravatados e protegidos, nesta questão do futebol se tornar quadrado, fraco e medroso. É o círculo vicioso que impera no novo milênio, onde os jogadores são feitos de vidro, os árbitros atuam como macaquinhos amestrados e a mídia aplaude de pé este freakshow dos “craques” de bundas no chão. Ver isso numa Copa do Mundo é muito triste.

A mídia, o “monstro que engoliu o futebol”, é o pior mal que há nesse processo, é a seringa que segue injetando toda essa droga na veia do esporte. E não importa quem segue a produzir este vício. Sem ela, nada disso teria sido colocado em prática. A ela deveria estar depositada a função de fiscalizar o que está errado, com imparcialidade, neutralidade e responsabilidade. Não é questão de idealizar um mundo perfeito, mas nós temos que fazê-los cumprir com seu juramento, ou então obrigá-los a reformular este julgamento com o vômito de suas ações passivas, covardes e injustas. Como a revista “Veja!”, de extrema-direita, mas que assume um papel na sociedade de neutra e, assim, segue influenciando como quer seus leitores alienados. Coincide até com aquela história da serpente que se disfarça de uma coisa, mas age de outra totalmente oposta, infligindo um mal que custa a reparar. Já que vivemos num mundo em que, cada vez mais, a mídia via satélites se torna a base para o pensamento de uma sociedade obtusa e sem base educacional e cultural, não há outra saída do que levantar nossas cravas de chuteiras na cara deles. E quando este castelo de cartas cair, todo o resto virá abaixo. Deixem o futebol ser o futebol! Hasta!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Freedom sells...

A guerra começou! É a guerra do futebol, travada a cada quatro anos. A finalidade dela é celebrar a liberdade e o prazer, através de um jogo fascinante. A cultura é a arma para driblar o inimigo. As nações levantam suas bandeiras, exageram seus sotaques, seus trejeitos. E os hinos ecoam, enquanto os atletas, perfilados, fazem sua última reza antes da bomba explodir. Mas aí, perigo! O futebol se deixa levar, mais uma vez, pela tendência das guerras mundanas. A imagem ultramoderna não deixa escapar a presença incoerente de um pecado ultrapassado do homem. Entre os guerreiros que deveriam defender as nações, estão alguns traidores que vão envergonhá-las. São chamados de “naturalizados”; eu os chamo de “bestializados”. Uma razão nada natural os leva a debandar sua tribo. Não é pelo coração que o fazem, e sim pela humilhação. Eles trocam o gozo da liberdade pela comodidade de abusar dela, em detrimento aos infelizes e afortunados compatriotas que ficam para trás. São homens que esqueceram o cheiro de sua terra, o ruído de suas ruas. Homens que vivem quatro anos, durante o treinamento para o combate, misturados entre os diversos inimigos e não reconhecem mais quem é quem no campo de batalha. E seus clubes se tornam seleções; e as seleções não são significam nada diferente do que os clubes. E neste caótico cotidiano, reaprendem a falar, a andar, a comprar em novos mercados e a cantar novos hinos. Não se lembram dos tijolos cravejados de balas, medo e insegurança nos muros e paredes das casas de seus conterrâneos. Em sua terra natal, os ternos vestem os criminosos, que almejam gabinetes administrativos. Que fazem mais balas atingirem nossos muros, famílias passarem mais fome e esta justificar a traição da pátria. Enterra-se, assim, o honroso espírito esportivo e competitivo. E as diferenças entre os guerreiros que sobrevivem na miséria e os que vivem adulados pelo luxo, se tornam cada vez mais descomunais. De repente, tudo escurece: o soldado ali não pertence; o exército perde sua força e a guerra seu sentido. A Copa da África é o filme de horror mais tenebroso que vi desde muito tempo, pois carece da essência desta guerra. É o pesadelo surreal do futebol globalizado. Porque a presença desses “patriotas de novas bandeiras” nem mesmo fortalece o desempenho de seus lados, e escancara a face deturpada de um mundo sem controle algum. Não há mais a marca de cada nação impressa nas caras e estratégias destes guerreiros virtuosos. Os exércitos se compõem de uma mistura de príncipes e líderes que não sujam mais seus pés – ou mãos. Guerreiros cujos hábitos, hálitos, inimigos e amigos são os mesmos - e nenhum deles representa mais ninguém. E cuja arma aponta para um só objetivo: a individualidade, sob o lema do “eu contra todos, e todos por mim”. A Torre de Babel desabou e, como formigas repentinamente desabrigadas, todos vão lutar desesperados por um abrigo qualquer. Esvai-se o sentido de lutar, pois não há vencedor numa guerra sem fim – e sem fins.

Para José Saramago

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Copa da África, primeiras lamentações

Alguém que acompanha esse blog, e que se identifica com o que aqui postamos, está surpreso com o futebolzinho deprimente apresentado no Mundial da África do Sul até aqui? Esperamos que não.

A seleção portuguesa talvez tenha sido a que melhor exemplificou o estado de espírito dos times presentes ao mais importante certame planetário. Na partida contra a Costa do Marfim, lá pelos 35, 36 minutos do segundo tempo, o time (liderado pelo Ricky Martin dos gramados, nosso adorado Cristiano Ronaldo), que já não demonstrava qualquer vontade de agredir seu adversário com maior contundência desde o início da peleja (e é bom frisar que mesmo os times mais limitados podem alcançar bons frutos devido à vontade de fazer o resultado, essa necessidade quase imperativa do futebol e das equipes que marcam sua história), passou a dar passezinhos de efeito, pedaladas, toques de letra laterais e toda sorte de malabarismos infrutíferos, com o único propósito de exibirem-se individualmente. O jogo tornou-se, então, um circo tragicômico, já que víamos ali, em ambos os lados, atletas com visual cuidadosamente elaborado (cabelos descoloridos, tranças rastafári, tatuagens em locais vistosos, até mesmo sobrancelhas depiladas e bronzeamento artificial) e que, quando da posse da bola, não sabiam o que fazer com ela assim que chegavam à intermediária do oponente. E tome desesperadores recuos da redonda, que matavam qualquer tentativa de ataque - após, claro, uma pedaladinha pirotécnica, que mascarava porcamente a falta de intimidade dos esportistas com o jogo coletivo. Pois o que vale, nesse Mundial, é ali estar, antes de tudo. Ao redor de todos, máquinas fotográficas e a tal 'super câmera lenta' registram a presença dos superstars, que capricham na pose. Isso coloca o futebol em segundo plano, pois jogar bem ou mal não significa tanto quando o que interessa é a superfície.

Esperamos, como apaixonados pelo esporte e por seu evento mais significativo, que a segunda rodada da fase classificatória possa tirar o torneio dessa vala de esterilidade e covardia que as seleçõezinhas de yuppies individualistas o mergulharam. Mas, como o caro leitor já deve saber, a projetar de acordo com o que pregamos desde sempre por aqui, esperamos, basicamente, o pior. Que venha o segundo round.

(Planejo, no próximo post, falar um pouco mais sobre as naturalizações. Aguardem e confiem.)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Bandeiras, bandeirolas... Band-aids!

Meus colegas do Setor 2 (la hinchada de Juve que construímos, Bury e eu, desde 2001 – uma “Odisséia na Mooca”), amigos e familiares não suportam mais ouvir minhas teorias e filosofias sobre o poder da mística no futebol e na vida. Nasci como apenas mais um “tijolo na parede” num mundo cada vez mais desconcertado, em pleno 1979 (quando o jovem Maradona levava a seleção juvenil argentina ao primeiro título mundial, no Japão), e fui morar exatamente na rua do estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo - “rumo à década perdida, à AIDS, ao pop, à repressão da publicidade cibernética!”, gritavam meus demônios. El Torito não resistiu à tentação da anistia aos inadaptados, decretada um mês antes do meu parto e aos gritos de “campeón, Dieguito!”. Se isso não é místico, con perdón de las damas, que la chupen! Não importa, o fato é que são cinco da manhã e meu estômago anuncia que a ansiedade pela estréia na Copa supera minha necessidade de dormir, e é nessas horas que costumo escrever. Sem mais delongas, eis meu desabafo.

No ano de 1986, minha alma não foi capaz de resistir ao espetacular Mundial do México, e dali pra frente eu seria um refém da magia deste jogo, com prazer e pesar. Lá estava Maradona, carregando a Argentina – que tempos depois, eu descobriria ser minha verdadeira paixão - ao seu segundo título, com requintes de vingança de sua nação, surrada pelo poder covarde do Império e, inquestionavelmente, assumindo sua posição divina no futebol (se ainda tens duvidas, pergunte ao povo de Nápoles sobre seus milagres). Mas provém de minha terra natal – o bom e velho Brasil – os melhores e piores exemplos de um mundo antagônico por opção e desesperador por conseqüência. Foi naquele ano que eu ouvi minha mãe gritar sua raiva e indignação quando, por um erro grosseiro, o sistema de som do estádio Jalisco fez ecoar os acordes melódicos do Hino da Bandeira (e não o Nacional), na estréia do excrete canarinho contra os espanhóis. Educadora e geógrafa, formada pela USP na tenebrosa década de 1970, a velha perdeu seu primeiro rebento, ainda grávida, durante (uma das) violentas reações a uma manifestação de estudantes, que protestavam contra a ditadura militar. Em 1984, ela era uma das milhares de mulheres que carregavam a bandeira brasileira nas ruas, exigindo direitos e amor, após anos de sangue e ódio. Ao seu lado, “caminhando e cantando”, estava o doutor Sócrates que naquela tarde ensolarada e errônea em Guadalajara, balançou a cabeça negativamente, imprimindo respeito, dever e honra àqueles que testemunharam a cena, como eu - antes de balançá-la positivamente para anotar o gol da vitória do Brasil (o primeiro que vi em mundiais). Não cabe aqui discutir os efeitos históricos (positivos e negativos) daquelas lutas políticas no cenário social tupiniquim. E sim, a descomunal diferença entre as gerações. O que vejo hoje é um Brasil abdicado de lutas pela maioria (como devem ser todas, claro) e cada vez mais parecido com seu “irmãozinho do norte” do continente. Até mesmo a pobre e antidemocrática bipolarização partidária se mostra (quase que) concretizada. E a Rede Globo (aquela “emissora” que nasceu com capital yankee para maquiar a ditadura das massas), com tons cada vez mais semelhantes de uma CNN da vida, jorra com deleite, a partir de sua tela venenosa, a “conquista” econômica nacional – “rumo ao grupo dos países poderosos!”, gritam Bonners e Mainardis, como fizeram Roosevelts e Washingtons. Minhas bandeiras são outras, e minha amargura é reflexo da falta de Sócrates na vida e no futebol – o esporte que do povo, se tornou apenas mais uma ferramenta no show-bussiness do Tio Sam (enquanto nos Harleems de lá, como nas Itaqueras de cá a gritante e sufocante injustiça social se mostra mais nua e crua do que nunca). Hoje, vejo um tal de Neymar chegar num campo de jogo cercado por oito seguranças particulares, protegido com seu walk-men e sua “inocente arrogância”, dizendo que não se importa com a eleição presidencial que virá por aí, logo depois da Copa da África. Para entender mais, acesse: http://antimidiafutebolclube.blogspot.com/2010/05/ascensor-para-o-cadafalso.html. Vejo também seu ídolo e exemplo de vida, o tal de Robinho, abrir seu “maroto” e intolerante sorriso, que tanto movimenta caixas registradores mundo afora, enquanto o Hino Nacional é estuprado (mais uma vez, por um erro grosseiro de organização), no amistoso contra Zimbábwe – mística ironia, o “clássico verde-amarelo” das duas piores distribuições de renda no planeta Terra. A gritante diferença entre gerações! Voltando no tempo, foi no mesmo México, durante os jogos olímpicos do místico ano das lutas sociais (1968), que atletas negros dos Estados Unidos protestaram contra seu governo e seu exército atômico, que estava prestes a levar uma surra humilhante nas selvas asiáticas. Se os guerreiros refletem seu tempo, Robinho faz envergonhar o legado destes de outrora, porque vive num período em que a sociedade de Mandela continua a praticar a mesma autoridade, segregação e racismo dos tempos do Apartheid. Hoje, a máscara da publicidade, apoiada na paixão dos turistas e torcedores, tenta esconder as execuções de ativistas sul-africanos e as destruições de comunidades tribais centenárias, para a construção de estádios que levam nomes de algumas famílias ricas do país sede do Mundial, repostas por meros contêineres de lata (como as que o senhor Paulo Maluf criou aqui em São Paulo, em 1992 – ano em que os paulistas e cariocas voltaram aos tempos medievais e resolverem seus problemas com tiros, nus e crus, no Carandiru e na Candelária). Lamentavelmente, esta máscara parece cegar primeiros os atletas, aqueles que sempre serviram de exemplo aos demais. Mas não é bem assim.

Estupidamente, resolvi me dar outra chance e assistir o tal de CQC – fraco jornalística e humoristicamente - pela Band (que, pensando bem, continua honrando o título de “o canal do esporte”, já que faz de suas transmissões aquilo que se espera da nova ordem: masturbar e vender). Eis que um idiota qualquer, em plena coletiva da seleção albiceleste, tentou tecer uma piada sobre a prometida nudez de Maradona, caso este vença a Copa. Ganhou de resposta um merecido desdém do defensor Demichelis que, claro, fora recebido pelo pulha brazuquete como “arrogância”. Estas dicotomias na relação entre o espírito mercantil e o verdadeiro do jogo (assim como entre Brasil e Argentina) me fazem crer que o futebol realmente se perdeu nas alamedas frias e previsíveis do mundo globalizado e parou no tempo para a maioria (e aí reside a dor, porque o futebol é, e sempre será, das massas). Enquanto a “seriedade” argentina se mostra perfeita para o papel do “turrão”, que a ninguém agrada, ao Brasil cai bem a função de bobo da corte moderno, de um país dos monarcas que acumulam riquezas (e mesmo não as distribuindo, usam os Tiagos Leiferts da vida para fazer a massa se orgulhar disto, com suas piadinhas ocas, enfadonhas e pouco informativas) e que prefere sorrir das desgraças mundanas a trilhar o caminho certo e, por isso, penoso da justiça dos homens. E num mundo estruturalmente desconcertado, é provável que o efeito da mística atue ao revés. Podemos ver Robinho campeão, sim, coisa que o doutor não logrou. Porém, Sócrates podia beber sua cerveja à vontade depois dos jogos porque era tão “do povo” quanto seus fãs (como já discorreu Bury, anteriormente: http://antimidiafutebolclube.blogspot.com/2009/11/saudades-daquilo-que-nao-vi.html). Suas bandeiras eram as mesmas, e suas cervejadas após as “peladas” idem. Não à toa, o visual do doutor carregava apenas esses elementos, além da barba e cabelos surrados. O que conta numa revolução, na verdade, é a atitude. Mas o que se vê agora é exatamente o oposto: falta de iniciativa e abundância de elementos visuais bem aparados. Hoje, os escravos boleiros são multados pelos seus colonos investidores e achincalhados pela mídia passiva quando flagrados nas baladas, porque a cotação de suas imagens despencam na Bolsa de Valores, e Uchoas e Buenos têm que engrossar o côro de “Robinhation, tion, tion” na telinha pra limpar suas “cagadas”.

Em resumo, espero que meu coração suporte os dias vigentes. Mais do que torcer por um ou outro time, o futebol atual define lados que correspondem mais ou menos à nova ordem. Assim como nas eleições, sempre há aquele lado que conduz a uma regressão de valores e esmaga o suor derramado por quem se importa. Em Brasília, em pleno ano do “milagre econômico”, vemos Malufs e Tumas recebendo seus salários milionários dos cofres públicos – crápulas que ocupavam cargos vitais durante a ditadura militar e que carregam, em seus votos decisivos para o destino da massa, a mesma alma que sangrava fetos e guerreiros de outrora para este “tempo dourado”. Se isso não é importante para Neymares, certamente pra quem precisa lutar para sobreviver o é. Ficam límpidos os motivos que fazem a seleção brasileira moderna ser composta por uma porção de individualistas que preferem inverter o lado da camisa para que seus nomes apareçam nas fotos, enquanto o escudo lendário de sua seleção é (literalmente) jogado para trás, como foi na desprezível comemoração do título da Copa das Confederações, no ano passado. E ganha justificativa moral a absurda tendência do povo brasileiro de portar a bandeira nacional em carros e residências, apenas durante um mês, de quatro em quatro anos – como se fora uma roupa da moda que logo perde a graça. Isso configura um desrespeito a um símbolo oficial da nação que dizem amar, e o fazem dependendo de um resultado num jogo de futebol! Porque assim que o time é desclassificado, jogam seus souvenires no lixo (http://www.fotolog.com.br/agonizar/16621525). E se ganham o fazem da mesma forma, assim que o gás da festa acaba. Não se portam mais bandeiras nas lutas sociais, e estas parecem não ter mais sentido para as massas envenenadas pela sedutora publicidade, que (apenas) parece amenizar a miséria. Para que se importar, quando seu ídolo não o faz em relação a outro símbolo oficial (no caso, o Hino), e a televisão já engoliu sua individualidade e seu país avança, “firme e forte”, para se tornar uma potência? Se isso for patriotismo, tenho mais orgulho ainda de ser um desertor da pátria de chuteiras! Torço para que a “místicas do Hinos” funcione, e que o time de Diego conquiste a taça neste caótico ano de 2010, como foi em 1986 – mesmo período de tempo que esperou o torcedor brasileiro para gritar "campeão!", após o título de Pelé, no mesmo México (a “mística dos 24 anos”). E pobre daquele que suspeite que eu derrame meu ódio ao Brasil e meu amor à Argentina por birra – como, tristemente, produziu a empresa dos Marinho. Sou assim porque não reconheço mais o Brasil de Sócrates e, principalmente, sei que vou me enamorar cada vez mais pela Argentina de Maradona. Questão de bandeiras, que homens livres e indignados hão de levantar e lutar por elas, eternamente! Com prazer e pesar. “Que Diós nos ajude! Rumo ao Tri!”, alentam meus anjos boleiros.

PS: * Simon arbitrará o prélio entre Inglaterra e Estados Unidos. A bomba, que tanto temem as autoridades, já foi lançada – e veio do Brasil! Para compensar, descrevo a genial manchete que o The Sun usou para definir o grupo do English Team no certame: “England – Algeria – Slovenia – Yankees”, colocados um sobre o outro, com as iniciais formando a palavra “EASY”. A mística do milagre no estádio Independência (1950) ainda vive para os inventores da bola!
* Um motel paulista redecorou seus aposentos com o tema da Copa – como se fosse um buffet para festas infantis. O camarada vai pagar para transar ou torcer? O futebol virou mesmo uma grande putaria!
* Aos intrépidos leitores deste sítio: o Imperador chegou em Roma! Que as cervejarias da cidade eterna preparem seus cofres e estoques! Faz-me-rir!

terça-feira, 1 de junho de 2010

A latrina amarela

A seleção de futebol do Brasil faz, nesta quarta-feira, um amistoso contra o Zimbábue. Já seria peça do rico folclore que a CBF acumula ao longo de suas décadas de atividade, com seus compromissos estapafúrdios e politiqueiros assumidos desde priscas eras, mas a coisa toma um vulto de afronta a qualquer ser humano que ainda luta por alguma dignidade nesta Terra aonde até o ar que respiramos nos é oferecido envenenado. Pois esse amistoso foi feito para quê? Para que a elite desse país africano, no qual 68% da população vive abaixo da linha de pobreza (um número estarrecedor, até mesmo abstrato), possa arrancar ainda mais o couro daquele que exploram tão seguidamente, com esse pão e circo tão mal disfarçado. Pagam um salário de fome a essa gente (isso quando o fazem), e agora tomarão as migalhas de volta, oferecendo um espetáculo de baixíssima condição técnica, e ainda mais indigente condição moral. A CBF lá está para contabilizar, sua especialidade desde os tempos em que Havelange passou a mandar no futebol mundial e lá colou seu genro para "administrar" a entidade. O assunto corrente nos últimos dias era a bolada inacreditável que Teixeira vai embolsar com as duas partidas pré-Copa (essa e outra, contra a Tanzânia). Vão para se aproveitar da penúria de um país dilapidado, escondidos atrás de frases feitas covardes como "vamos testar o time" ou "viemos trazer alegria a esse povo sofrido". Mais nada.

E nosso querido Júlio César prefere botar a boca no trombone para falar mal da bola, fabricada pelo concorrente do patrocinador da seleção. Faz-se de indignado, com toda a arrogância que lhe é peculiar, quando uma questão corporativista está em jogo, e diverte os jornalistas que o entrevistam; mas, nesse tipo de situação, muitíssimo mais grave e que deveria contar com toda a veemência que demonstrou para fazer pilhéria da redonda do Mundial, se cala. Todos se calam. Tornam-se coniventes com a selvageria, e parte funcional desse motor de desgraça. Assim o mundo prossegue: uns no castelo, outros na lama.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A COPA É DO BRASIL! OU É DO BRAZIL?

Sim, o certame Mundial de futebol será realizado em território brasileiro, no ano de 2014. Não restam mais dúvidas a este respeito. O país que mais venceu esta competição em toda sua história vai ver de perto o que há de melhor no esporte das massas – embora isto não signifique muito hoje em dia. Em uma disputa acirrada com nenhuma outra nação, o Brasil apresentou o projeto e as condições logísticas que convenceram os delegados da FIFA, e esta concedeu-lhe o tão sonhado direito.Estupefato com tamanha aberração, perguntas pipocam na cabecinha doente do Toro, e não consigo me animar com esta notícia. Na verdade, não consigo me sentir próximo da Copa, sentir seu perfume, mesmo sendo um residente de uma das cidades-sede da mesma. Será que realmente esta poderá ser chamada de a Copa dos brasileiros? O que o povo brasileiro vai ganhar com isso, e como suas vidas miseráveis (estou, claro, me referindo à esmagadora maioria) poderão melhorar graças ao Mundial? Como o governo poderá transformar este evento em algo rentável pros cofres públicos, e daí avançar rumo à justiça social? Será que o governo realmente terá esta preocupação? Até porque me parece, de imediato, que cabe à FIFA e alguns investidores arcarem – pelo menos em parte - com despesas relacionadas diretamente com o futebol, e ao país suprir necessidades relacionadas à infra-estrutura – e estas não serão poucas. De qualquer modo, imagino que o governo brasileiro terá que despejar rios de dinheiro (que qualquer cidadão meramente informado e interessado sabe qual será a fonte dos mesmos), e toda aplicação irá desembocar exatamente nos locais menos carentes da sociedade, todavia de vital importância para o recebimento dos torcedores. Por exemplo, minha cidade natal: será que com a renda que uma Copa do Mundo gera com o turismo, comunidades como Heliópolis, ou Paraisópolis, ou a Favela do Pantanal, próxima de São Miguel Paulista – lugares recheados de amantes e praticantes da bola – irão receber algum investimento em saneamento básico, educação, saúde e transporte? Quero dizer, destes lugares é que sai considerável parte das torcidas nos grandes clássicos paulistanos, que lotam Morumbis, Pacaembús, pagando preços absurdos pelos ingressos e que retornam para suas casas, tarde da noite, para no dia seguinte levantar antes do sol nascer para mais um dia de trabalho semi-escravo. Será que algum morador destes lugares poderá – sem sacrifícios, como deveria ser – assistir algum jogo neste Mundial? Desde as construções e reformas dos carcomidos estádios tupiniquins, até como o próprio cidadão será usado como fantoche para promover a competição, tudo será maquiado na fachada, para encobrir o retrato cruel, por detrás das irregularidades nas obras e das empresas com “responsabilidade social”, e seus projetos filantrópicos para com as periferias durante aquele fatídico mês (e, talvez, nas primeiras semanas subseqüentes - apenas para não ficar muito "na cara", certo?). Fica claro que somente com um esquema muito grande de acordos, jantares elegantes e troca de favores este país pode ter sido considerado apto para receber a Copa. Aos brazucas de plantão e de coração, nem sequer o orgulho de ter derrotado algum país pela disputa da sede lhe foi concedido. É o retrato fiel do país que não sabe ganhar, como descreveu Nirlando Beirão. Isso sem mencionar outro aspecto que distancia o Brasil dos brasileiros, do Brazil dos estrangeiros: a educação. E não me refiro à educação acadêmica – esta que muitos daqui nascem e morrem sem conhecer – e sim a educação moral, o fogo da decência que deve arder eternamente dentro dos homens. Esta que tanto fez falta durante os infames jogos Pan-Americanos, realizados na cidade que um dia foi genuinamente maravilhosa. Os jogos das competições que não terminaram, dos caixas-dois, das promessas não cumpridas, dos maus tratos aos trabalhadores voluntários, das vaias e, citando Galvão Bueno, de “como foi bom ter mais medalhas do que os argentinos” – mesmo após o Brasil, jogando em casa e muito mais populoso do que o vizinho, ter sido derrotado pela chamada “ilha da fantasia”, com seus atletas que fugiam do totalitarismo de Fidel Castro para serem presos como traficantes dias depois de suas naturalizações verde-amarelas. A julgar pelo comportamento dos cariocas em relação aos atletas e profissionais estrangeiros e, principalmente, pela maneira ufanista da Rede Globo cobrir “jornalisticamente” o evento, veremos daqui a sete anos outro espetáculo vil, sujo, baixo e que somente justificará a imagem selvagem que tem, lá fora, o povo brasileiro. Como sempre, não haverá um meio termo no julgamento empregado pela emissora que, na prática, representa o primeiro poder nacional: se a seleção brasileira vencer a Copa, serão todos heróis, exemplos de que a vida miserável pode dar certo com algum esforço pessoal – como foram Joaquim Cruz, Aurélio Miguel e Daiane dos Santos; se perder, todos os jogadores (a menos que seja um garoto-propaganda do porte de um Ronaldo por aí) serão ingratos à nação, indignos de vestir a sagrada camisa amarela, que só passou a ser dessa cor por "culpa" de Barbosa, Ademir e Bigode. Êxtase ou desgraça. Extremos polarizados que não justificam o prazer da luta no jogo, e que impelem a crítica imparcial dos fatos. É a cultura da competição, do capital e do mercado sendo vomitada guela a baixo. E a cultura local, terá espaço neste Mundial? Em 1958, Julinho Botelho se recusou a jogar a Copa porque jogava no futebol italiano, e não considerava justo ocupar uma vaga na delegação. E em 2014, algum dos convocados jogará no campeonato brasileiro? Em 1978, o futebol ainda era prioridade e os fãs argentinos cobriram os gramados de papel picado, conforme sua tradição. E aqui, poderá um torcedor ficar de pé na arquibancada, por exemplo? Várias interrogações, e milhões de exclamações, viajam na minha mente inconformada com a Copa 2014, este pão e circo de fazer inveja a qualquer imperador da Roma antiga. Para finalizar, quero deixar claro que, dentro da minha lógica e visão do que é futebol, considero o Brasil preparado para receber um Mundial, sim. Desde que o mesmo ainda fosse simples e puro, do povo e para o povo. Lembro do Mundial de 86, disputado no também paupérrimo México, e de seus estádios simples, porém calorosos. Não havia teto solar, gramado artificial, bolas coloridas, telões ou briga de cães pela exclusividade nas transmissões televisivas. Havia apenas Maradona, Laudrup, Platini, Zico, Francescoli, Mathaus, Butragueño, Sanchez...enfim, havia arte. A vida dos mexicanos pobres não mudou nada naquele ano, mas eles puderam se deleitar com estes craques. E isso sempre vai ser o mais importante no futebol, o prazer. Para uma Copa daqueles tempos, até um estádio do interior paranaense poderia receber uma partida, por exemplo. Mas este tempo acabou para o futebol. Desta feita, a tragédia certamente será mais aguda do que o Maracanazzo de 1950: o Brasil vai apenas ceder seu espaço físico e sua imagem de “país do futebol, cerveja, mulatas, carnaval, bananas e bundas”. E na vida real, a pobreza vai continuar sendo pobreza: dentro e fora dos gramados; espiritual e economicamente; esportiva e jornalisticamente... Enfim, a miséria moral que o futebol mercantilizado (assim como o mundo globalizado) carrega, por osmose, em sua essência tão sedutora, quanto autoritária; tão anestésica, quanto injusta. A nova ordem exige luxos e etiquetas que não combinam com a realidade deste país (na verdade, de poquíssimos), e a Copa de 2014 vai ser o espetáculo das migalhas, a triste prostituição da alegria de um povo que vive, no futebol, uma eterna paixão platônica - devidamente reabastecida a cada quatro anos. Boa diversão à todos!

sábado, 22 de maio de 2010

A bola (e os colhões) pra fora do campo!


Na maioria das vezes, o fogo das revoltas se apaga sozinho porque lhe falta o combustível apropriado. E este só é de propriedade daqueles que pensam sentindo a bomba funcionando. Desta vez não é apenas uma descontrolada revolta, senão uma justificada defesa às regras do jogo. Garanto que o grito ante futebol-moderno que trago hoje tem base na lógica, além da boa e velha indignação, e não haverá argumento contrário que será capaz de abafá-lo. A tradução vem a seguir.Um dos pilares mais importantes no qual se sustenta a nova ordem do futebol mundial é transformar o jogo em um palco asseado, padronizando as ações dos atores envolvidos e eliminando qualquer manifestação que vai de encontro aos interesses dos investidores. Esta banalização envolve os jogadores, torcedores, árbitros, narradores e comentaristas de futebol. O improviso sempre guiou esta arte centenária, assim como a superação, a transformação dos limites extremos em meros obstáculos a serem ultrapassados. Assim foram feitos os verdadeiros jogadores de futebol: sem medo, sem dor e com fome de glória. Desde criança, a alma do jogador era regada com sangue e suor, através de muita coragem. Os gritos que vinham das arquibancadas, assim como dos técnicos e que eram corroborados pelos homens do microfone, eram carregados pelo dever de defender suas cores, custe o que custar. Afinal de contas, nunca é demais lembrar que futebol é uma guerra. É um contra o outro, e não há prazer no empate. Nesta batalha, um vai perder e o outro vai ganhar. Por isso tenho que concordar com o mestre Carlos Bilardo: não há batalha limpa e vale tudo pela vitória, e isso querem enterrar os homens que só vivem pelo dinheiro. Hoje em dia, tudo isso vêm sendo substituído por uma atitude totalmente polarizada com este legado. Hoje, como antes, desde criança o jogador é bombardeado por emoções que vão sempre compor seu caráter em campo. Só que hoje, diferente de antes, os gritos denotam a vontade de ficar rico, ganhar dinheiro na Europa, ajudar a família, ser famoso, bonito e se admirar entre uma jogada e outra pela imagem do telão ultramoderno dos estádios teatrais da nova geração. Tudo isso pode fazer parte dos sonhos que todo homem tem o direito em alimentar, mas nunca pode fazer parte da essência de um jogo historicamente violento. Mas a FIFA, juntamente com todo o esquema de mídia/marketing/consumismo, insiste em promover o tal do fair-play como se fosse algo salubre para o jogo, um sinal de respeito pelo colega de profissão e pelo próximo. Joga-se a bola pra fora a todo instante, basta o jogador cair, e pra maioria dos jogadores de hoje irem ao chão, basta o marcador chegar a dois metros de distância. No último Mundial isso chegou ao ponto do insuportável. Tudo, claro, com o consentimento dos narradores, patrocinadores e, consequentemente, da opinião pública. Assim se faz o senso comum, formando o gosto como se fora um deus. No Brasil, muitas vezes aclamado como o ‘país do futebol’, um comercial instituía: “O jogador tem que transpirar. A torcida não!”. E um programa lançava a campanha “diga não ao carrinho!”. Claro, porque a violência é atraente somente nos telejornais. Quando se trata de vender seu produto com a imagem de Gattuso gritando enlouquecido, ou a de Robinho, com seu polegar e seu mindinho esticados, harmoniosamente completando seu sorriso maroto e inocente, fica fácil entender o porquê das escolhas. Porém, não devemos nunca nos esquecer da expressão ‘seu direito termina quando o meu começa’. Não quero aqui discutir se interromper uma jogada porque um jogador está com uma unha quebrada, ou porque outro perdeu sua lente de contato após uma dividida, torna um jogador menos honrado ou não. Como eu disse, a luta pela bola, a luta pela sua própria dignidade está sempre em jogo dentro daquelas quatro linhas. E esperar este compromisso em um jogador que recebe um salário que faz o patrimônio de um rei parecer esmola, é quase impossível. Realmente não adianta chorar pela demolição de Wembley, ou pela camisa amarela do Palmeiras, nem mesmo se remoer de ódio ao ver um jogador que não sabe cabecear ser eleito por três vezes o melhor do mundo; estes são os sinais definitivos do fim do verdadeiro futebol – que ainda não chegou, mas está cada vez mais próximo. Mas o que torna este grito justificado tem base na regra oficial do jogo, que dá ao arbitro o dever de apenas paralisar o jogo para atendimento médico quando a contusão for grave. Isto é literal, está cravado no livro das regras. E não precisa ter olhos de lince para enxergar que a ordem de hoje vai de encontro a ela. Não sou advogado, e nem quero ser. Mas apoiada na Lei máxima do futebol, fica límpida uma brecha que o futebol moderno não foi capaz ainda de tapar.Banalizar a arte, porque ela rende oceanos de dinheiro é uma coisa. Desrespeitar a própria regra do jogo é outra. Fair-play nada mais é do que jogar respeitando as regras, e não criar outras paralelas para ditar o esporte como se fosse um negócio. Eu, que levanto até o fim a bandeira contra o futebol moderno, devo admitir que tudo que surgiu nos últimos anos da história do esporte mais apaixonante do mundo têm um forte apelo atrativo e é difícil resistir a eles. É tudo uma questão de emoção material contra emoção espiritual. Na verdade, precisamos do equilíbrio entre ambos. Há trinta anos, já havia televisão, propagandas, uniformes bem desenhados de acordo com as tendências da época. Mas havia o amor as cores que se vestiam. Hoje, a parte material é abundante, na verdade sufocante. Em campo, o jogo não é mais o importante. O que importa é vender. E pra isso não é preciso ser craque, basta ser ator.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sobre a convocação de Dunga...

...nada a comentar. Sobre a desastrosa coletiva do anão e seus asseclas, Jorginho e Américo Faria (!), com participação igualmente patética da imprensa nativa, idem. Mas fica no ar a dúvida, que nos assolará por algum tempo: quem será o infeliz que se machucará (por acidente, claro, tadinho, isso acontece!) antes da Copa, para dar lugar ao suplente de ouro, essa Fênix renascida das cinzas, Ronaldinho Gaúcho? Façam suas apostas, amiguinhos!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O que restou dos Mundiais


Agora começa o terror: somos bombardeados com zilhões de comerciais televisivos que fazem alusão à Copa do Mundo vindoura. Institui-se a ditadura de sempre, a da obrigação em torcer pela tal Seleção Brasileira, ou corre-se o risco de ser um pária, um aborto, em comparação a essa turma alegre, saltitante e fascista até a medula, que se emociona, quase às lágrimas, quando um gol canarinho é marcado. Engraçado que não se vê qualquer resíduo de sinceridade ou de real energia nessas comemorações da TV: mesmo que encenadas, preparadas com o propósito único de anular o nosso senso analítico para venderem produtos, elas deveriam passar algum sentido de realidade para o espectador. Mas agora nem os comerciais a isso se dispõem. Não sei se por falta de interesse ou por uma (improvável) autocrítica, estão mais artificiais e vazios do que nunca. Nem a publicidade, essa máquina de criar ilusões efêmeras, realmente acredita que ainda possa existir essa "corrente pra frente" criada nos primeiros Mundiais vencidos pelo Brasil. Por isso, está cada vez mais agressiva, como as que incentivam a xenofobia contra os argentinos - mas isso já é outra história...

O conceito de seleção começou a implodir a partir do momento em que os clubes tornaram-se as próprias. Antes, os selecionados locais eram a possibilidade de se ver os craques de determinado país, que jogavam por clubes diferentes, reunidos com uma mesma camisa. Hoje, esse tipo de novidade não existe mais, pois as agremiações européias já se prestam a esse papel, e vão adiante: os abastados orçamentos os dão condições para reunir a nata de todos os continentes, formando verdadeiros 'all-star teams' para a disputa de torneios regionais e continentais, coisa que somente os times da FIFA, em ocasiões especiais, anteriormente faziam. São maiores do que as próprias seleções - enquanto estas tornaram-se apenas o cabide das grandes corporações que patrocinam os atletas, pois é através delas que irão conseguir contratos mais vantajosos para os que mantém sob sua tutela, e dali obter visibilidade diária para eles e para si (afinal, times jogam duas vezes por semana; seleções, quando muito, de dois em dois meses). Não se ouve falar quem é a fornecedora de material esportivo do Manchester United ou do Milan, mas se sabe que a Inglaterra é patrocinada pela Adidas e a Itália pela Nike. E isso não é por acaso, acredite.

Temos, além da parte financeira, outro complicador: os jogadores não possuem mais identificação alguma com as camisas de seleção. Isso pode parecer batido, mas é a pura verdade. Não só os brasileiros sofrem com isso, mas os próprios europeus também. Como exemplo, os destaques da Espanha que jogam na Inglaterra: eles vivem a realidade de outro país, convivem com outro povo, falam diariamente outra língua, acompanham a cobertura constante da seleção local. Profissionalmente, a ligação com a Espanha não existe para além da certidão de nascimento. Ele não vive mais aquela febre que deveria viver para vestir a camisa do selecionado pátrio; seu cotidiano é o de um inglês. Quando ainda joga no próprio país, é cercado, em seu clube, por estrangeiros, por pessoas que vivem essa mesma realidade que seu compatriota vive fora de lá. Não é à toa que cada esquadrão europeu agora conte com um naturalizado - boa parte deles, com mais de um. Futebolisticamente, eles possuem mais do país adotivo do que do de origem. Por isso, criou-se uma distância intransponível entre os "ídolos" e suas nações, já que eles não mais as pertencem. Uma bagunça total.

E ainda temos o "eu futebol clube" também, como não? A ordem do dia é a dos clubes servirem aos jogadores, e não mais o contrário. Temos o Cristiano Ronaldo, simplesmente; não mais o "Cristiano Ronaldo do Real Madrid" ou "Cristiano Ronaldo da seleção portuguesa". Eles tornaram-se entidades descoladas de times ou selecionados, são estrelas independentes de qualquer conexão com camisas. Seleções sempre se pautaram pelo coletivo; hoje, o individual é o que conta. É a pá de terra que precisavam para enterrar essa instituição que personificava o esporte, e que hoje pena por conta da despersonalização instituída nos gramados mundo afora.

Na Copa da África (para citar um evento recente) ficou patente que as competições entre seleções dificilmente conseguem manter o interesse. Víamos, ali, jogadores, quando não completamente desinteressados, pouco à vontade em trabalhar coletivamente, vestidos sempre como as estrelas que encarnam em seus clubes na Europa (mas cujo talento é supervalorizado em conseqüência disso), sem identificação com seus países natais, doidos para voltarem logo ao "Primeiro Mundo". O abandono de Togo foi sintomático: enquanto os atletas clamavam por segurança/organização típicas dos lugares que negociam na Bolsa ações dos clubes de futebol, Adebayor (foto) dava entrevistas vestido com camisa do Arsenal, para falar do Campeonato Inglês! Com essa atitude, além de demonstrar total falta de respeito e senso profissional, não só com os seus, mas com o próprio contratante (afinal, seu clube na época já era o Manchester City, não mais os Gunners), ele não tratou de diminuir o abismo que o separa de sua nação-mãe; e sim de aumentá-lo, demarcando as prioridades e apresentando seus reais interesses dentro do futebol. É isso que aguarda o certame da África do Sul: egos, marcas, patrocínios, chuteiras luminosas, telões de alta definição, fotos cuidadosamente posadas para parecerem espontâneas e marketing pessoal a rodo. R. I. P., Copa do Mundo.

domingo, 2 de maio de 2010

Ascensor para o cadafalso

Existe uma brutal diferença entre Neymar e Amaury Junior, e ao mesmo tempo não existe diferença entre Neymar e Amaury Junior. Pode parecer esquisito dizer tal coisa para começar um texto, mas foi o que veio à minha mente quando me deparei com uma matéria sobre o "garoto-prodígio" santista, veiculada no Estadão e depois repercutida no depósito de podridão chamado revista Veja. O foco da história é o pai do garoto, de mesmo nome do filho (os dois na foto), que também gerencia sua carreira, e que, como ex-jogador de futebol sem grandes feitos a se considerar, assiste agora ao sucesso do filho - que, claro, é medido primeiramente através de seus ganhos materiais (idéia essa herdada do american way of life, é sempre proveitoso lembrar). Ambos, revista e jornal, enchem a boca para dizer que o ponteiro do Peixe já adquiriu um apartamento triplex, com sauna e piscina particulares, e possui um carro Volvo, desses que valem cerca de 100 conto, novinho em folha, na garagem de seu condomínio burguês. Pode parecer justo e bonito, inspirador até - mas eu, como sempre, fiquei apavorado, tomado por calafrios e sortidas visões apocalípticas.

Não só por tal exaltação ter sido feita nos citados veículos, uma indignidade total para qualquer um, e da abordagem da coisa toda, que liga sempre a idéia de felicidade à de dinheiro (coisa que traz à mente um desses inomináveis parasitas que pregam a tal "teologia da prosperidade", como o caricato Silas Malafaia) - mas por imaginar a situação de Neymar como novo-rico. Do nada, o garoto já se viu catapultado ao jet set, compartilhando a vizinhança e a admiração de pessoas abastadas, representantes de uma elite sanguinária e oportunista que não hesitaria em pisar no pescoço ou virar as costas para o moleque e seu progenitor, se eles não houvessem adquirido o status para o qual tanto se ajoelharam antes, perante os que hoje os adulam. Pois a preparação era essa, a de se fazer a transição entre a classe baixa e a classe alta - e o que interessava ao pai de Neymar não era essa conversinha fiada de "quero ver meu filho ser craque de futebol porque amo o esporte": o que o movia era a ascensão social, pura e simples. Por quê não assume logo, de cara limpa? Pelo menos, nos poupariam dessas papos-furados que ligam os hoje incongruentes "futebol-arte" e "humildade", pois o futebol moderno não permite que tais sentenças sejam conjugadas lado a lado (veja o caso do falido Robinho, cuja "arte" o levou aos píncaros da fortuna e fez crescer em si uma máscara desproporcional à sua realidade de franca decadência).

Mas o que me causa maior espécie é ver que a passividade dessas pessoas é incrivelmente contagiosa. Neymar faz parte de uma turma que não nasceu para contrariar nada, isso é notório. A marca de sua geração, assim, como a de algumas anteriores, é justamente essa: a de ter as coisas de mão beijada (por exemplo, veja as facilidades que essa própria Internet implantou mundo afora - não é necessário sequer você levantar da cadeira para fazer tudo o que se deseja), e para quem a resistência significa estupidez. Não interessa combater os métodos e a postura dessa alta sociedade que tanto os oprime; o que interessa, motivado por questões constantemente à nossa volta (mídia, propaganda, família), é unir-se a elas, sempre sorrindo. Toma-se parte do topo da pirâmide social, e observa-se de cima, da varanda de um apartamento triplex, aos que ficaram na base. É mais cômodo unir-se aos que tem grana, porque o desejo, para quem os observa enquanto está por baixo, é comportar-se exatamente igual a eles. Não se lembram de quando Robinho teve a mãe sequestrada, e a levou embora para a Espanha, um país "mais seguro"? Esse é o procedimento usual das elites: o de se esquivar, o de fugir da raia como se não fosse parte do problema, o do medo com a perda do patrimônio, o da covardia e da omissão (que não os impede de esbravejar ante a "falta de segurança", mas para a qual contribuem decisivamente, com seus preconceitos e ostentações). A vida do garoto mudou, assim como a de sua família - mas o que estava errado antes disso permanece errado, já que eles tornaram-se um modelo de adequação ao sistema que antes os segregava. Amaury Junior aprovaria.

(Sobre o jogo de ontem: se tivéssemos o Grêmio "Prudente" no gramado do Pacaembu, ao invés do Santo André, haveria pouca diferença no que diz respeito aos procedimentos. Pois o Ramalhão estava em meio a uma disputa interna, a de jogar o que podiam para ver quem iria para onde, no fim desse campeonato. Agora que o Paulista acabou, o time está inteiro à venda, assim como o antigo Barueri, ao término do Brasileiro passado. Os interessados já estavam avisados; então, é só chegar e levar - igual às feiras de escravos no período de nossa colonização. A nova - velha? - ordem estende as suas garras, mais uma vez.)