sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Como jogador, nota dez; como pessoa, zero"

Li recentemente, em texto colocado no blog de alguns amigos, que o sistema, travestido em palavras nefastas como "politicamente correto" ou "inclusão", tem usado de outra tática para engolfar aqueles que o tentam subverter: ao invés de combatê-los, os absorve. E não pense você que poderão se manter altas (e íntegras) as vozes de quem por ele foram cooptados, já que o interesse de tal ação é justamente o de poder moldar o discurso que antes parecia atrevido e radical, para que atenda aos interesses de seus contratantes e também consiga manter uma falsa imagem de "rebeldia" e "liberdade". A Internet é o pólo difusor de idéias prontas não a serem uma alternativa a esse sistema, como pode aparentar de início, mas a serem aqui expostas com um "venda-se" pregado em seus peitorais, para ver quem chega primeiro, com grana, disposto a levá-las ao mundo das grandes corporações (a situação ainda se mostra tão sufocante que, mesmo com a Web atingido todo e qualquer canto desse planeta, quem aqui se mostra ainda deseja ser "visto" por aqueles que podem bancar, nem que com migalhas, suas ambições - já que a simples exposição e transformação em "celebridade" parece ser bálsamo suficiente para que a pessoa se refestele em sua pobreza social e moral). São poucos os que não se arreganham para esse caminhão de facilidades que o "estrelato" pode proporcionar.

Essa tomografia dos tempos modernos, claro, também pode ser transposta para o futebol - e cai como uma luva nas atitudes do ex-zagueiro e agora técnico Antônio Carlos Zago. O sujeito, que foi um grandíssimo jogador na primeira metade dos anos 90, desandou a fazer besteira no fim de carreira e no início de atividades como engravatado. Havia sossegado como treinador de um time medíocre com mania de grandeza, o São Caetano, e vinha fazendo campanhas igualmente medíocres. Semana passada, conseguiu o maior feito de sua carreira como treineiro até aquela data: derrotou o Palmeiras no Palestra, e de goleada (mais por deficiência explícita do Verde do que por mérito dos 11 mortos-vivos que compunham o time do "Azulão"). Dia seguinte, já era apresentado no time que havia ajudado a humilhar. O que fica evidente, não só com essa atitude, é que AC não pensava no time do ABC paulista: sua cabeça estava voltada, desde o início, a ter uma oportunidade em uma maior "vitrine". Assim como os jogadores modernos, o treinador não focava seu trabalho no presente, e sim em um hipotético e vistoso futuro, no qual poderia ser contratado por um dos "grandes" (e para isso nem precisava mostrar capacidade, bastou a oportunidade certa). Não queria que seu trabalho trouxesse dividendos ao time: pensava somente em si próprio. Ele que, na quarta-feira da semana passada, representava, ainda que incipientemente, uma alternativa fora do pólo central do futebol paulista, uma força emergente que poderia vir a combater sem medo os Golias da capital e equilibrar as ações de um torneio desigual porque também sofre dessa mesma doença que o treineiro (o que é um Paulista se existe um "Brasileirão"? - todos querem o topo sem passar pela base), mostrou que sua real idéia era estar inserido no establishment, e nunca ficar à margem dele (coisa que também pode definir a própria agremiação do SC, clube que não consegue cair na real de seu verdadeiro tamanho). Quando acenaram com a possibilidade de isso acontecer, um trabalho de cerca de 8 meses que ali começava a dar frutos concretos foi descartado como um saco de salgadinho vazio, em prol não só da vaidade e da voracidade que um contracheque gordo traz junto a si, mas também dessa noção importada do american way of life que o momento de real mérito na nossa vida profissional é aquele no qual somos contratados por uma multinacional ou uma empresa "de porte". Lembrei na hora da declaração de Edmundo sobre Antônio Carlos, seu desafeto: "Como jogador nota dez; como pessoa, nota zero". À sombra dos últimos acontecimentos, impossível discordar do Animal.

E agora já tem gente dizendo que o Palmeiras do Antônio Carlos é "melhor que o do Muricy", depois de apenas um jogo. Recalcados, os jornalistas, que viviam tomando (justas) cacetadas do ex-mandatário verde, agora se esbaldam em sua "vingança". Provincianismo e imediatismo, no leva-e-traz contemporâneo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O quarto poder dançou (ao menos por enquanto)

Como já deixamos claro aqui, pouco nos importamos com a Seleção Brasileira de futebol - aliás, reformulemos a sentença: o que fazemos é torcer contra as Teixeiretes, sempre, e com ganas. Mas me vi obrigado a postar algo neste humilde blog para falar a respeito da onipresença de Ronaldo Gaúcho ($$$) nos noticiários de ontem para hoje.

A imprensa fez um barulho desgraçado, dava como certa a convocação do "melhor da década", transmitiu ao vivo o pronunciamento do treineiro Dunga e... deu com os burros n'água. E o auê todo foi feito porquê? Porque queriam testar seu poder perante os chamamentos do "Big Kahuna" canarinho, nada mais do que isso. Queriam ver se, devido à campanha que empreendem, de forma suja e descarada, para que o jogador seja novamente uma "unanimidade" entre os torcedores (leigo ou apaixonado, não importa) e que seja o chamariz de audiência na Copa da África, logo ali, ele seria relacionado pelo anãozinho mudo na base do "boca-a-boca", na verdade um amontoado de lugares-comuns que todos repetem sem refletir, feito papagaios ainda mais irracionais que o bichinho verde. Essas corporações midiáticas, guiadas pela antevisão de um ou outro lucrinho em cada passo dado, acharam que bastariam os VTs ilusórios e a ferocíssima lavagem cerebral perpetrada pelos "especialistas" (que passou a fazer parte do inconsciente coletivo como uma dessas unanimidades extremamente perigosas, que levam fácil a decisões fascistas/arbitrárias/antidemocráticas) para que sua vontade de ferro prevalecesse. Eles, vejam só, ainda se vêem na posição arrogante de dizer que "o Brasil inteiro esperava" por Ronaldo Assis entre os 22 de hoje, para não explicitar escancaradamente os mecanismos escrotos que teriam levado à aberrante convocação. Aí, para fazer uma analogia com o pugilismo, tomaram um direto bem colocado no queixo - e o dia foi recheado de lamentações egoístas, em qualquer canal que você colocasse. Em cada "é uma pena que Ronaldinho não está na lista, pelo belo futebol que apresenta no Milan hoje", lia-se "é lamentável sua ausência, já que nosso poder de hipnose massiva foi subestimado justo por quem não devia". Tomem, idiotas. Por mais difícil que seja dizer isso, ponto para o treinador.

Só que, se Dunga mostrou que realmente assiste aos jogos do Milan e não se deixa enganar pelos maquiavélicos "melhores momentos" rossoneros exibidos nesse programas de meia pataca das TVs abertas e fechadas, precisará dar outra demonstração de culhão logo, logo. Isso porque, além da pressão dos "formadores de opinião" (ou seria melhor dizer "formadores de imbecis"?), existe algo que pode tornar insuportável a sua recusa em convocar o "astro": a Nike. A multinacional que patrocina o jogador, que, de uma hora para outra, e até explicavelmente (como já disse aí em cima e em outros posts, citá-la significa mostrar como as peças se movem nos bastidores), sumiu do noticiário quando o assunto é este craque tão requisitado, pode tornar-se o fiel da balança entre a triste falência de um modelo que muitos já consideram defasado e pouco "moderno", a convocação por mérito, e o sucesso do futebol de total assepsia e impessoalidade, administrado por engravatados que se importam, primordialmente, com o que tal sujeito possa atrair de dividendos às empresas que dele irão usufruir (sempre isso, sempre isso). Eles pagam, então são eles que instituem as políticas, não tem conversa. Olho no comportamento do sujeito - até mesmo porque, se acerta em um lado, pisa no tomate do outro: insistir com Felipe Melo é de uma teimosia ridícula e descabida, e isso somente para não ter de ser outro a deixar na mão essa sua valiosa "descoberta", eleito o pior da Itália há alguns meses... Realmente, torcer contra essa máquina de fazer sujeira é a única opção digna que nos resta.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Lá vem o sol

Não tenho encontrado grande disposição para postar nesse blog nos últimos dias, até porque os assuntos são sempre os mesmos, e tenho sentido não só o mundo do futebol (esse já faz algum tempo), mas também os meus próprios textos, dando volta em torno de si mesmos. Espero me reciclar para breve - e, enquanto isso, tudo corre à mesma no mundinho dourado dos quadriláteros verdes. O horror prevalece, e a maioria prefere mastigar esterco e dar risada, mesmo com a verdade a menos de um palmo de suas caras.

Me animei hoje somente para pincelar, rápido, sobre um tema estúpido que, vira e mexe, toma parte dos noticiários: gente que reclama de jogar no calor. O digníssimo Fred, atacante do Fluminense, outro dia veio à TV dizer que acha "desumano" disputar partidas no fim da tarde carioca, a partir das 5, 6 da tarde. Qualquer um que jogue peladas nas praias do RJ, normalmente por tesão ao jogo, não importa o horário, não importa se com sol a pino, não importa se com a cara cheia de feijoada ou de pinga pura, por três ou quatro horas seguidas, se honraria de estar ali, no Maracanã, no lugar do 9 chorão ou de qualquer outro, mesmo se fosse derreter como uma vela - e o bonitão, do alto de seu salário de milhares de reais, ainda quer escolher os horários mais convenientes a si mesmo para exercer seu ofício. O futebol é uma profissão diferente, pois envolve diretamente essa paixão de fazer pelo seu time e torcida tudo o que for possível para obter vitórias e sangrar pelo escudo, não importam as condições. Quem torce quer se ver vingado ali, no gramado, daquilo que passa em sua vida cotidiana; por isso garra é essencial. Aí, chega um bebezão desses e usa como desculpa o astro-rei para eximir-se da responsabilidade... Tudo ao contrário do mundo real, no Playcenter futebolístico.

O outro lado da moeda: ontem, um zagueiro de um time de Minas desmaiou em campo, por conta de uma quase insolação - só que seu jogo transcorria às 11 da manhã. Como torcedor, sei que esse horário é um dos mais imbecis que já inventaram para a prática do futebol - mas, se já aceitaram como cordeirinhos as determinações das espúrias entidades conhecidas como "federações regionais", essas que tanto fazem para "lançar moda" e, assim, agradar a nave-mãe FIFA com suas incríveis "inovações" (quem sabe elas não se "globalizam" e passam a ser praxe em campeonatos europeus também?), porquê equipe e jogador (não podemos eximir a própria pessoa de tal encargo) não se prepararam de maneira satisfatória para encarar a sufocante jornada? O que é isso de colocar a vida de um atleta em risco em nome de puxar saco de manda-chuvas e de ganhar uma graninha das TVs UHFs/pagas que transmitem as contendas em tais horários? O caso de Fred configura-se como birrinha de jogador mimado; esse daqui, como pura e absoluta irresponsabilidade de todos os envolvidos, em nome da viciosa "nova ordem" que, coincidência ou não, já vitimou diversos futebolistas no exercício da função nos últimos anos.