quarta-feira, 15 de setembro de 2010

"O tempo é o senhor da razão"

Chavão, lugar-comum, frase batida... Tal ditado que entitula esse post é uma frase ainda mais surrada que as hoje em dia doentias "futebol é uma caixinha de surpresas", "tal jogador veio para somar", "placar elástico", e desgraças quetais. Mas não me foi possível evocar outra sentença, me desculpem. Assistindo ao canal ESPN ontem, repercutiam uma entrevista de Ronaldinho Gaúcho a um veículo francês (esse tipo de "bomba" dada por jogadores nativos de renome encontra duas válvulas de escape: Rede Globo, ou algum grande jornal/TV da Europa - lembra-se que Ronaldo preferia que seu filho fosse "europeu"? Pois é, complexo de vira-lata não se supera do dia pra noite), na qual ele dizia: "Nenhum jogador brasileiro jogou tanto quanto eu, na temporada passada". Arnaldo Ribeiro, tão querido por nós aqui do Antimídia, comentava. Primeiro, me diz que tal frase não combinava com Ronaldo Assis, "sempre tão humilde". Depois, diz que poderia listar "uns 20 jogadores brasileiros" que atuaram melhor que o 80 milanês em 2009/2010, e que, se quiser ser convocado novamente, ele precisa fazer um sequência de jogos "menos irregular" do que a passada. Me senti estranho. A cabeça voltou à tal temporada como em um furacão, e nem precisei vasculhar os arquivos desse blog para refrescar a memória, ainda quase lá: não foi nela que os articulistas insistiam que Ronaldinho debulhava tudo, jogo após jogo? Que ele havia recuperado a forma, que estava voando baixo, que massacrava sem pena os adversários, e que seria a única alternativa de brilho para a seleção de Dunga? Ora, fuçe você mesmo o arquivo deste sítio, para ver o que Toro e eu postamos desde o início do massacre midiático que visava mastigar todas as mentes, favorecer Ronaldo Gaúcho e interceder a favor de sua convocação: que, NÃO, o sujeito não estava jogando a bola que esses especialistas direcionados e parciais insistiam que ele vinha praticando. Por quê só agora, depois da Copa, sem o compromisso comercial da transmissão, o tal Arnaldo percebeu isso, e admitiu hipocritamente frente às câmeras, com ar blasé, sem autocrítica? Ou melhor: será que não existia essa consciência já naquele momento, e que alguma coisa (mais uma vez, sugiro que vá aos posts antigos, lá esmiuçávamos o quê poderia freá-los) o obrigava a dizer o contrário? Em quê vamos acreditar: em ingerência corporativista ou em 'delay' do articulista? Se escolher os dois, também não estará errado.

Talvez estimulado pela presença de Mano Menezes, que demonstrou nos primeiros jogos total disposição para fazer tudo o que lhe mandarem, Gaúcho já avisou ao treinador (e aos dirigentes da CBF, para que lhe passem a ordem): quer voltar ao time do Brasil, e planeja ainda jogar as Copas de 2014 (quando estará com 34 anos) e 2018 (com 38). Nesta bolha na qual vive um jogador multimilionário, tudo é possível: até mesmo crer que não será ultrapassado pelo tempo. Parece que a lição de 2010 não foi compreendida por Ronaldinho, que ainda se crê maior do que o seu futebol realmente o credencia (ou, vá lá, se você é daqueles que o compram como o "maior da década", não firamos sua aflorada sensibilidade, ao menos uma vez: digamos, então, que o seu "momento" o credencia - melhorou?). Se é levado a acalentar tais desejos pela máquina que o cerca (quem, já acostumado a viver como Deus por acreditar ser o próprio, deseja voltar a ser simples mortal?) ou se ele realmente bota fé que, aos 38 anos, ainda terá condições de estar em um certame mundial (sendo que aos 30 já foi cortado de um), é algo que não sabemos - mas a megalomania de sua frase, aquela que gerou a manchete do jornal francês, parece não ser obra do acaso, dessas sentenças pescadas por um jornalista astuto entre palavras perdidas ditas pelo entrevistado. Se o tempo traz a razão a alguns, a outros ele não parece tão benfazejo assim.

(E a 'Neymar situation' continua rendendo. Dia desses, se o assunto não me fizer devolver almoço ou janta, tento falar dele por aqui. O 'garoto de ouro' virou um habitué do Antimídia - e, se isso acontece, bom sinal não é...)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ainda não me ensinaram a fazer contas quebradas

Eduardo Galeano (foto) afirmou, uma vez, ser uma espécie de "mendigo do futebol", pois era como se passasse um pires pelos gramados mundiais, em busca de migalhas de fantasia no futebol, ou seja, um drible bem dado, uma jogada coletiva bem construída, uma defesa arrojada, gols espetaculares... Coisa cada vez mais rara no futebol, segundo o mestre uruguaio, já em plenos anos 90, época que pessoas como nós, que iniciamos nosso gosto pelo esporte um pouco antes dessa data, ainda enxergávamos tantas maravilhas. Pois, se aqui no Antimídia, ainda perdemos tempo com a indigência generalizada dos programas esportivos, é porque aguardamos (com certa ingenuidade, devemos admitir) algum abnegado da crônica soltar farpas de amargura com as quais nos identificamos, e que iriam frontalmente contra o corporativismo reinante entre emissoras e Campeonato Brasileiro, e entre tais articulistas e seus contratantes. Assim, somos algo como "mendigos da verdade" - uma tarefa hercúlea e que parece perdida, mas da qual não desistimos.

Hoje, fui conferir um programa da horrenda SporTV, esse canal que criou um mundinho paralelo de plasticidade total para seguir em sintonia com o futebol "globalizado" e seus fãs fast-food, unicamente porque queria ver os gols dos jogos de ontem. Só isso: não queria saber da opinião de ninguém, não queria ver matérias feitas por/para abobados, não queria ver sorrisinhos nem troca de gentilezas/piadas internas feitas pelos apresentadores, para simular (mal) a descontração tão cara ao jornalismo esportivo global. Queria apenas saber os resultados, ver os tentos, e acabou. Pois bem: a primeira chamada do programa matinal era um suposto "chapéu" que o santista Neymar havia aplicado no oponente catarinense do Avaí. Tal imagem foi repetida à exaustão, de vários ângulos, e já antecipava o discurso a segui-la: "alegria", "arte", "molecagem", bla bla bla. Detalhe que sequer foi mencionado: o que recebeu o lençol estava caído, deitado ao chão. Outra: o jogo estava paralisado, da mesma forma como havia acontecido há um tempo com o avançado baleeiro e o beque mosqueteiro Chicão. Pois sim: todos estavam prostrados ante um lance que sequer pode ser considerado parte integrante daquela partida, já que esta encontrava-se momentaneamente suspensa! E nosso amigo "craque" ganhou destaque ("incontestável", segundo os do canal) no cotejo por conta de algo gratuito como tal firula, que fez exatamente com o intuito de se exibir, de aparecer, de prorrogar forçosamente o rótulo de jogador "irreverente" que lhe colaram!

À parte a discussão que tomou conta dos programas da hora do almoço, dos quais a tônica é desde sempre o provincianismo estupidificante, a de que aquilo poderia ser um desrepeito ao adversário (e cuja réplica era sempre a de "querem acabar com a alegria do futebol" - cavalgaduras como esses caras só enxergam as coisas em termos rasos), temos aqui uma continuação do post anterior: o desespero que os profissionais do microfone (e, por extensão, os que os acompanham) nutrem por encontrar "ídolos", nessa era da pré-fabricação, os levam a considerar um lance fora do jogo como demonstração de "talento". E não são os tais "mendigos", como Galeano disse com a classe que lhe é peculiar, pois esses, que ainda passam o chapéu em busca dos restos da real fantasia no tapete verde, buscam justamente o contrário do que Neymar fez. O autor platino é de um tempo no qual se valorizava unicamente os feitos alcançados dentro de campo, por jogadores capazes porque verticais, objetivos. O 11 praiano, por sua vez, fez apenas e tão somente a costumeira publicidade de si mesmo, maquiada de "arte", de forma oportunista, covarde até (o adversário estava caído, lembremos), e que nada acrescenta ao futebol como jogo, como esporte. Se a firula desnecessária dentro de uma partida já é algo discutível (para nós, repugnante), Neymar notabiliza-se por levar a inutilidade ao ponto de ser reconhecida como acontecimento de maior interesse até do que ele e seu time haviam feito em campo. Anotou um gol, até deve ter jogado bem, o Santos venceu, mas os olhos se voltaram para o momento no qual não existia futebol, no qual o duelo estava interrompido, para o qual seu gracejo deveria significar o mesmo que uma reposição de bola feita por gandulas. Sintomático que se subtraia da manchete e das discussões a peleja, as equipes, o campeonato: é o canal, o programa esportivo, o jornalismo em geral, mandando o futebol definitivamente às favas, para destacar uma bobagem extra-partida! A real motivação para a cobertura torna-se algo que não é mais o desporto bretão; mas que, paradoxalmente, nos é vendida como a alma do "real futebol brasileiro"! Isso é assustador demais para passar batido, caras. Por essas e outras que, por mais que exista a vontade de jogar tudo ao inferno, ainda encontramos um tanto de força e de razão para postar aqui.

(Um adendo: nas últimas partidas, São Paulo e Corinthians - antes, lógico, da palhaçada do tal 'retorno' de Ronaldo - entraram em campo sem centroavante de ofício. Um dos nossos últimos tópicos falava exatamente da escassez que tal posição enfrenta no mundo hoje em dia. Será por conta de covardia tática, ou porque esperam que o próximo 'fenômeno' surja a partir da eliminação, para que este seja em definitivo o 'único da espécie'? Alexandre Pato está aí, na fila dos que aguardam tal oportunidade.)