quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Eu tenho a força

Primeiro: o Campeonato Português (ou Portuguesão, ou Lusão, ou Lusitanão, escolha aí) nunca pode ser levado a sério. É uma das ligas mais fracas e marginais da Europa, e seus destaques sempre dão esperado vexame nas competições do continente (quando dá de um time portuga surpreender, é porque os outros vivem fase bisonha ou subiram no salto). Os brasileiros que vão para lá sentem isso na carne: com raríssimas exceções, quem se aventura na terra de Pedro Álvares Cabral dificilmente vai para uma liga européia de destaque. Ou fica um bom tempo perambulando pelos times do país, ou retorna em baixa para o Brasil. Portanto, o oba-oba feito em cima do tal Hulk já precisa, de saída, ser visto com um pé atrás (até porque se sabe que a imprensa lusa é uma das mais exageradas e ufanistas do mundo, capaz de elevar a patamares de craque um perna-de-pau como Nuno Gomes, por exemplo).

Segundo: a pergunta que me veio quando soube da convocação do atacante é o que isso pode representar de positivo para a seleção brasileira. Acréscimo técnico, quase nenhum. Publicidade? Talvez, lá pelos lados de nossos descobridores. Novidade, só se for pelo folclore (afinal, o cara chama-se Hulk, caramba!). Bem, o fato é que isso pode mostrar aos jornalistas e à opinião pública que nosso treinador Dunga acompanha, sim, o futebol internacional, e está ligado nos brazucas ao redor do mundo. Correto, esse técnico: é destaque no Porto, merece chance com a canarinho. Que atitude bonita, desprendida e altruísta! Um verdadeiro "cala-boca" naqueles que cobravam o chamamento do atleta com nome de gigante verde. A vingança foi servida fria ao nosso ex-camisa 8, que agora a saboreia, deliciado, sentado enfim no trono dos justos. E fato também que ele prepara Hulk, e a todos os seus fãs, para a sonhada transferência para um time maior. Isso já podemos antever, sem precisar de qualquer poder de clarividência. Salvo qualquer acidente, ele vai para um dos grandes da Europa próxima temporada (eu arrisco Real Madrid - cobrem-me depois). Para isso serve a "nossa" seleção hoje: para o alívio dos rancores de seu comandante, e para expor os jogadores como num balcão de padaria. Vai Hulk que a festa é sua.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Duas frases, uma máscara

Frases do jogador Robinho, reproduzida hoje nos sites esportivos e que desejo analisar um pouquinho, ao contrário dos nossos jornalistas, acríticos ao ponto do asqueroso:

"Estou muito feliz com o interesse do Barcelona em mim, pois acredito que, jogando no Camp Nou, será mais fácil me tornar o melhor jogador do mundo".

Do alto de sua insana megalomania, de cima do pedestal marmóreo que lapidou para si mesmo, o ex-atacante santista mostra que acredita ser o maior de todos. Culpa, assim, os clubes pelos quais já passou, que não lhe deram suficente respaldo para explodir no Velho Mundo. O Real Madrid estava errado, o Manchester City estava errado. Não é o próprio Robinho que não faz por merecer o título de estrela-mor do esporte; são essas malvadas instituições, que parecem ter adquirido seu passe somente para boicotar seu brilhantismo. Clubes cruéis, esses. Agora, o Barcelona pode ser a escada para que ele chegue ao Olimpo definitivo que sua limítrofe cabecinha vive a fantasiar: o prêmio FIFA do fim do ano que vem. Na frase do jogador, não existe nada em relação ao interesse do clube catalão que não a sua vontade de continuar a olhar para o próprio umbigo, na intenção de que todos o glorifiquem, quase como que a um santo. Já desrespeita a camisa do seu provável futuro time antes mesmo de ser contratado.

"Tenho que aproveitar a oportunidade de disputar um Mundial e, para isso, não posso forçar minha volta. Não adianta antecipar as coisas e correr o risco de ficar fora da Copa. Minha recuperação tem de ser passo a passo".

Ele ainda pertence ao Manchester City, mas se sente no direito de desprezar a camisa da agremiação a esse ponto. Só quer saber de ir à Copa, e isso porque estar no torneio mundial do ano que vem significa status e cotas de patrocínio, nada mais. O clube já não existe, fica claro em suas palavras e atitudes; ele não se recupera para vestir a camisa do City, ele pensa só na equação "coroa de louros+dividendos financeiros" que o campeonato na África do Sul poderá lhe trazer. E toda essa falta de profissionalismo (para pegar leve no comentário) será premiada com uma transferência para o gigante Barcelona, ao invés de para o Albacete ou o Tenerife. É a vitória definitiva do "eu futebol clube", do jogador que é uma estrela de si mesmo, independente de qual camisa vista (é bom que use várias, já que isso significa vendas e mais vendas), que a modernidade tanto precisa, e exalta cada vez mais. E eu, daqui, me pergunto como os cartolas ingleses puderam ser tão cegos: será que nunca imaginaram que Robinho pudesse tornar-se um fiasco dessa magnitude, quando o contrataram a peso de euro? Hoje, todas as tais camisas vendidas com o nome e o número do "craque" brasileiro celebram apenas e tão somente um fantasma. Nada mais merecido, lei física de ação e reação: compraram um teco-teco com fama de Concorde. Agora, que se virem para repassar o abacaxi.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O jogo dos sete erros

Percebi, nesses últimos tempos, que perdi a generosidade para com o futebol e com as coisas que a ele se relacionam. O que poderia, há um tempo atrás, contar com a minha tolerância (ou até mesmo me agradar), hoje em dia só me causa irritação e descontentamento. Até entendo o porquê de os comentaristas ainda encararem com tanta festa o que acontece nos gramados mundo afora - afinal de contas, eles lá estão porque amam o futebol, e resolveram fazer disso o seu ganha-pão. Só que aí reside o que mais me deixa aterrado: a paixão não pode excluir a razão. No início, fazemos besteira em nome daquilo que amamos, graças à imaturidade e à descoberta; com o tempo, já temos discernimento suficiente para separar o que é certo e o que é errado dentro de uma relação. Pois, vemos hoje, claramente, em qualquer mídia, que a linha que separa o olhar benevolente e carinhoso da calhordice hipócrita é mais tênue que que sequer imaginamos.

Ontem, o tal de Arnaldo Ribeiro, articulista da ESPN Brasil e co-apresentador do Sportscenter ao lado do péssimo André Kfouri (suas fracas piadinhas e falsa descontração chegam a dar vergonha alheia) disse, logo no início do programa, como se fosse um pé no peito à moda do antigo telecatch, que o atual Brasileirão é um campeonato "sensacional". Admito que, se a pessoa pega apenas a tábua de classificação, com suas diversas possibilidades de queda e ascensão das equipes, pode até pensar que trata-se, sim, de um torneio instigante. Mas o que se vê dentro de campo não é, mas nem de muito longe, tão genial quanto os números, sempre frios, possam apregoar. Peguemos o jogo de domingo como exemplo: parecia que tínhamos 22 mortos-vivos no gramado do Palestra Itália. Um Flamengo que fez o necessário para estar à frente do placar, e nada mais; um Palmeiras que parecia se arrastar em campo, com atletas passivos, desmotivados, entregues ao resultado adverso. Um jogo vagaroso, de técnica pobre, totalmente sem atrativos - e falamos de dois dos que ocupam as cabeças da tabela, candidatíssimos ao título! Como um campeonato que apresenta uma partida lamentável como essa pode ser considerado "sensacional"? E nem cito as outras pelejas da rodada, tão deprimentes quanto.

Que o comentarista é apaixonado pelo esporte, por suas variantes, estatísticas, camisas e tudo o que o cerca, é notório. Aplausos para ele, com toda a sua cultura futebolística. Mas o amor também pressupõe crítica. Se você gosta de alguma coisa, precisa também saber enxergar e apontar o que acontece de errado com ela, no intuito de melhorá-la. Engolir lixo não-reciclável e arrotar que trata-se de coisa "sensacional" é o mesmo que a esposa trair o marido continuamente (ou vice-versa), e este(a) permanecer conformado com tal destino, em nome da paixão que nutre pela cara-metade. Nosso amigo Arnaldo, pelo visto, prefere criar ilusões e devaneios a respeito de sua musa, e não enxergá-la como realmente é. Contenta-se em viver num mundinho de ficção, criado para mascarar a sórdida realidade em nome do corporativismo. Tal atitude pode ser classificada com uma quantidade enorme de nomes, a maioria deletérios - mas nunca, JAMAIS, pode ser confundida como generosidade. Faça-me o favor.

domingo, 11 de outubro de 2009

Um viva à corrupção

Uma vez, quando da transmissão de um jogo da seleção brasileira (provavelmente em uma Copa América, mas não me recordo qual), Luciano do Valle mostrou como as coisas são feitas na TV pós-Galvão Bueno. As imagens mostravam uma falta ou um lateral contrário ao Brasil, claríssimo, não apontado pelo árbitro, quando o solerte narrador disse: "e o o juiz não marcou... felizmente". Em pleno ar, ao vivo, sem o menor constrangimento, o popular "Bolacha" absolveu o apitador de seu erro, exatamente porque premiou a seleção de seu país. Mostrou, ali, em um lance que deveria passar despercebido, que podia ser conivente com um favorecimento ilícito (ou seja, com corrupção), e conclamou os que assistiam a fazer o mesmo - e estes, sob a ilusória bandeira do "patriotismo" a todo momento levantada pelo cronista, concordavam e aplaudiam, hipnotizados em suas casas. Não me esqueço dessa passagem porque pouca coisa pode ser tão reveladora da hipocrisia reinante nesse patético ufanismo que envolve a seleção brasileira - mas o que mais me marcou foi ver exposta, com tamanha clareza, a fragilidade da moral humana. Se o erro favorece a outra pessoa, não pode passar batido; se me envolve, já o recebo de bom grado, era a mensagem da "inocente" frase de Luciano. A mesma pessoa que reclama de um político corrupto ou dos desmandos da administração de seu condomínio ou do chefe no trabalho, por exemplo, é aquela que acha certo pisar em outra para subir de cargo ou que não acusa ter recebido um dinheiro a mais no seu contracheque, fim do mês. Dois pesos, duas medidas.

Lembro desse momento porque, ontem, o nosso querido apresentador atacou de novo. No jogo do campeonato sub-20, entre Brasil e Alemanha, ele disse que, "para nossa sorte", o melhor jogador germânico havia saído da partida, contundido. Outra vez, fez uso da filosofia "é a favor da gente, tá valendo" - e, dessa feita, até mesmo a eliminação de um adversário foi vista como algo acetável, se o que está em disputa é a "nossa" sobrevivência. Logo Luciano do Valle, o sujeito que, há um bom tempo atrás, tanto estimulava o fair-play no futebol, agora estimula o "olho por olho, dente por dente", à imagem e semelhança de seu belicoso colega global. Esse não é o papel de um narrador esportivo. A partir do momento que a pessoa passa a usar o microfone para vomitar recalques e preconceitos, com a máscara patriótica servindo de desculpa, deturpa-se por completo a sua função. Ele está lá para ser o mediador do público com o espetáculo, e não um incitador da tragédia e o pretenso porta-voz da honra, dos desejos e dos sentimentos de um país. Assim como os jogadores que lá estão, e a própria seleção como instituição, não nos representam, exatamente porque se construiu uma (proposital) distância abissal a separar o público das "estrelas", as débeis palavras dos nossos narradores, encastelados em seu cinismo e arrogância, não nos representam também.

Torcer contra a seleção canarinho: cada vez mais, uma questão de resistência.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ainda (e sempre) contra!

Aconteceu o que era esperado: a migalha do Primeiro Mundo veio, enfim, para o Brasil. Em sua sede por ser grande, por ser europeu ou norte-americano, e para mostrar ao planeta globalizado e "pós-crise" (risos) que é um país "emergente", confiável e de muito valor para o sempre cobiçado capital estrangeiro (termos esses usados pelas revistas semanais de informação neoliberal, e que apenas reproduzo aqui), o país do Carnaval será, também, o país da Copa do Mundo e da Olimpíada. De nada adiantou o exemplo de Tóquio e Chicago, localidades cujas populações rejeitaram veementemente a realização do evento por lá (lucidez, eis um benefício que o investimento em educação pode gerar): enquanto essas cidades não precisam provar nada para si mesmas e ao mundo, e entendem que gastar bilhões de verdinhas em uma festinha de duas semanas é cretinice das brabas, o Brasil quer porque quer ser aceito pela cúpula. É, o complexo de inferioridade, nessas horas, fala mais alto. Parece até gritar. Aí, foi a hora de os desenvolvidos, os poderosos, fazerem a sua média com a parte de baixo do planeta - e o povo daqui, como bom recebedor de esmola, agradeceu sorrindo e cortejando seu benfeitor (como exemplificou o próprio presidente do COI, Carlos Nuzman, o da foto, enquanto assinava, trêmulo, os documentos que nos confirmavam como sede olímpica). Agora, aguentemos a overdose de especiais televisivos/internéticos/impressos que nos prepararão para 2016 - e olha que ainda temos 7 anos para aguentar essa turminha de deslumbrados embasbacada com tamanha "vitória"...

Vejo em muitos blogs por aí que quem condena a Olimpíada do RJ é chamado de "anti-Brasil". Acho que, na verdade, são esses os mais a favor da pátria, já que são eles os que querem vê-la crescer de forma ordenada e correta. Se nos colocamos contra, é porque entendemos que, repito o que foi dito no post aí embaixo, seria muito mais proveitoso para o nosso país se o (vultoso) dinheiro que será gasto com a farra esportiva fosse voltado para as reformas, ou até mesmo a criação definitiva, de uma infra-estrutura física/política/social que é a base óbvia de qualquer lugar que se possa rotular como "próspero" e "desenvolvido". Não é maquiando os problemas, através de vilas olímpicas e domos moderníssimos com seus tetos que abrem e fecham, que se consegue a resolução destes. Eles permanecerão lá, pelo tempo que assim necessário for a alguém, assim como permanecem, vazios e inúteis, os prédios e instalações que outrora haviam abrigado atletas do mundo inteiro.