segunda-feira, 21 de junho de 2010

Hay que poner más huevos!

Devemos mudar a expressão “futebol moderno” para “futebol covarde”. Vejo, neste ano, um certame mundial onde a educação tática parece mais importante do que aquele tesão ardente de vencer, que deixava a competição alucinante e justificava sua grandeza. As esquadras correspondem com perfeição à escola de Parreira-94, com (pelo menos) seis jogadores defensivos – não importa o placar do jogo - e os (supostamente) ofensivos não sabem mais driblar ou criar alguma jogada objetiva – e, assim, sobram os gols através dos infindáveis chutões para a área, ou após falhas grotescas dos contrários. Essa é a Copa do Mundo sem craques, sem arte, onde as (muito bem cotadas financeiramente) placas publicitárias ao redor do campo recebem mais passes do que os players: parece um pé-bolim virtual, um vídeo-game em 3D, uma conferência profissional apenas com estagiários. Como se não bastassem os jogos medonhos, há uma doença perambulando no continente negro este mês: o insuportável cai-cai, filho de criação da dona FIFA e de adulação das mídias. A geração de Cris Ronaldo deita (muito!) e rola, e usa com maestria a nova faceta do jogo: se o “bicho pegar”, se joga e ganha uma faltinha de prêmio.

Houve uma época – e eu me alimentei dela quando criança – em que se jogar no gramado (ou na quadra, no terrão, no asfalto das ruas, na areia da praia, tanto faz), implorar por uma ajudinha do árbitro ou simplesmente fazer cara de choro era motivo de vergonha! E antes que me rotulem de saudosista (um dos preferidos dos críticos às nossas críticas) é bom lembrar que esta era durou uns 150 anos na história deste jogo e acabou há dez. E estas ações só ocorriam quando não havia alternativa nas jogadas, e representam a boa e velha malandragem (a ‘milonga’, para os argentinos) para ludibriar o senhor do apito e ganhar um pênalti, um cartão para o adversário ou, meramente, irritar os nervos dele. Não era uma ação mimada e plastificada, e sim uma exceção durante os jogos, quando você fugia da regra que era lutar o tempo inteiro, o último grito de desespero ante uma derrota, a última munição de sua arma na guerra psicológica do futebol. Os jogos da Copa da África são recheados, minuto após minuto, com o inverso do legado bretão. Na Copa da Alemanha, em 2006, vimos um festival de infrações anotadas a cada corpo que caía, e o tal do “fair-play” as acompanhando de mãos dadas, na grande investida ideológica da “pureza cristã” em campo, promovida pela FIFA. Nos primeiros dias da competição de 2010, ela pareceu estabelecer um padrão para coibir o corpo-mole dos atletas, mas que, neste momento, já perdeu força para a tendência mercantil: cessar impiedosamente aquele descontrole emocional nos lances, que tanto nos emocionava por refletir nossa torcida, e que os árbitros controlavam simplesmente honrando as 17 regras oficiais do jogo. Hoje, parece haver apenas uma importante: “obedeça, se adapte ou está fora!”. Para sobreviver, o futebol é um esporte que depende da violência, do contato pesado e intenso entre os praticantes - em menor proporção do que o pugilismo, por exemplo, mas tirar esta marca do jogo é destruí-lo aos poucos, como um furo no tanque de gasolina que, cedo ou tarde, fará o automóvel parar de rodar. Igualmente a um técnico retrógado e cabeça-dura, que troca um avante por um defensor quando faz um gol, a FIFA substituiu aquele “chegar junto”, ou “chegar firme”, por uma educação asseada, que caberia aos atletas do golfe e concebeu àqueles que ainda jogam com os colhões (tais como Lugano ou Gattuso) uma paranóia de não mais fazê-lo pela certeza de que o preço a pagar pela resistência será sua exclusão de campo. Não adianta mais ganhar uma dividida com os ombros: se o rival for ao solo, é falta! Se reclamar disso leva cartão, e os “especialistas” da televisão vão qualificá-lo de indisciplinado, transgressor, desestabilizado emocional e afins. Quando há uma disputa de cabeça pela pelota, pode apostar: vai soar o apito, independente do que realmente acontecer no lance, pois o mero contato entre os “guerreiros” é polarizado a nova ordem, que deixa marcas proporcionais a sua ambição de comprar tudo. E assim o jogo é paralisado uma vez mais, dando espaço para mais um “super replay”, das câmeras cinematográficas que mostram tudo, menos futebol. É a autoridade que dita o ritmo do jogo, de maneira condicionada, robotizada. Nem parece que cada árbitro ainda tem sua própria personalidade, e sim uma única, com a alma de Havelanges e Blatters da vida encobrindo qualquer imprevisto. E todos atuam como intocáveis senhores da razão, transformando o jogo na ciência exata, do qual sua essência sempre o isolou. Não se pode mais contestá-los: já houve jogador, neste mundial, que recebeu um cartão amarelo por se dirigir ao assistente para discutir respeitosamente sobre determinada decisão, que para ele era equivocada. Funciona como os muros invisíveis, porém excludentes, na relação patrão-peão numa fábrica. Vejam no que estão transformando aquele jogo de bola que amávamos! Em todos os prélios até aqui disputados, a primeira bola jogada na área (dentre as centenas que, certamente, ainda virão até o último minuto) é precedida por uma bronca do árbitro, como se fora aquela do servente da escola nos recreios das crianças. E todos o fazem de maneira idêntica, abrindo os braços naquele sinal de “stop!”, proibindo o agarra-agarra que, na verdade, nunca prejudicou Pelés ou Van Bastens de anotarem seus maravilhosos tentos. Os cartões estão sendo distribuídos não mais pela violência intencional, o desrespeito explícito às regras ou pessoal ao árbitro, e sim por situações específicas, moldadas pela FIFA, para redesenhar o match e torná-lo controlável e previsível. No futebol, não é sempre que um carrinho por trás, um segurar a camiseta do adversário ou colocar a mão na bola justificam a punição com cartão. A arte do futebol também está presente neste julgamento arbitral, que varia muito de acordo com a situação do jogo, a atmosfera da partida, o lance em si que muitas vezes é mais estabanado do que maldoso, e não merece punição por tanto. Imaginemos uma escala de 1 a 5, onde “1” representa uma infração que nem a rainha da Inglaterra ficaria ofendida de sofrer, e “5” uma agressão proposital, com requintes de “Vale-Tudo”. Se um jogador desfere dois carrinhos por trás de nível 1, já está sendo retirado do espetáculo, para o qual se preparou durante muito tempo, como foi com Klose, da Alemanha. A FIFA está sacrificando o espírito de luta, em nome da massificação da obediência. Esquecem que a falta anotada já é uma punição para o time e, também, pessoal para o infrator. Os cartões são apenas elementos de garantia para a manutenção da ordem no jogo. Isso, claro, na regra, porque hoje eles são como seguranças particulares das finanças dos investidores da bola. Aos jogadores, lhes cabe o papel de meros escravos desse joguinho sujo, afinal de contas são eles que estão ali, suando e sangrando (quer dizer, o sangrar ficou num passado recente). Não reclamam dos erros grosseiros dos árbitros porque da próxima vez será sua equipe a previlegiada desta "regra". Já ouvi gente defendendo Ronaldos e Robinhos no episódio de “oba-oba” que tanto manchou a seleção brasileira em 2006, porque teriam sido vítimas de uma situação criada de fora para dentro no elenco. Faz-me-rir! Mesmo que o espírito tivesse sido “inventado” por alguém de fora, se ele foi muito bem recebido pelos de dentro, e carregado para o campo de jogo, como aconteceu, Ronaldos e Robinhos são tão responsáveis quanto qualquer outro. A classe boleira hoje, milionária e individualista, calada e contente com tudo, é tão culpada quanto esses senhores engravatados e protegidos, nesta questão do futebol se tornar quadrado, fraco e medroso. É o círculo vicioso que impera no novo milênio, onde os jogadores são feitos de vidro, os árbitros atuam como macaquinhos amestrados e a mídia aplaude de pé este freakshow dos “craques” de bundas no chão. Ver isso numa Copa do Mundo é muito triste.

A mídia, o “monstro que engoliu o futebol”, é o pior mal que há nesse processo, é a seringa que segue injetando toda essa droga na veia do esporte. E não importa quem segue a produzir este vício. Sem ela, nada disso teria sido colocado em prática. A ela deveria estar depositada a função de fiscalizar o que está errado, com imparcialidade, neutralidade e responsabilidade. Não é questão de idealizar um mundo perfeito, mas nós temos que fazê-los cumprir com seu juramento, ou então obrigá-los a reformular este julgamento com o vômito de suas ações passivas, covardes e injustas. Como a revista “Veja!”, de extrema-direita, mas que assume um papel na sociedade de neutra e, assim, segue influenciando como quer seus leitores alienados. Coincide até com aquela história da serpente que se disfarça de uma coisa, mas age de outra totalmente oposta, infligindo um mal que custa a reparar. Já que vivemos num mundo em que, cada vez mais, a mídia via satélites se torna a base para o pensamento de uma sociedade obtusa e sem base educacional e cultural, não há outra saída do que levantar nossas cravas de chuteiras na cara deles. E quando este castelo de cartas cair, todo o resto virá abaixo. Deixem o futebol ser o futebol! Hasta!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Freedom sells...

A guerra começou! É a guerra do futebol, travada a cada quatro anos. A finalidade dela é celebrar a liberdade e o prazer, através de um jogo fascinante. A cultura é a arma para driblar o inimigo. As nações levantam suas bandeiras, exageram seus sotaques, seus trejeitos. E os hinos ecoam, enquanto os atletas, perfilados, fazem sua última reza antes da bomba explodir. Mas aí, perigo! O futebol se deixa levar, mais uma vez, pela tendência das guerras mundanas. A imagem ultramoderna não deixa escapar a presença incoerente de um pecado ultrapassado do homem. Entre os guerreiros que deveriam defender as nações, estão alguns traidores que vão envergonhá-las. São chamados de “naturalizados”; eu os chamo de “bestializados”. Uma razão nada natural os leva a debandar sua tribo. Não é pelo coração que o fazem, e sim pela humilhação. Eles trocam o gozo da liberdade pela comodidade de abusar dela, em detrimento aos infelizes e afortunados compatriotas que ficam para trás. São homens que esqueceram o cheiro de sua terra, o ruído de suas ruas. Homens que vivem quatro anos, durante o treinamento para o combate, misturados entre os diversos inimigos e não reconhecem mais quem é quem no campo de batalha. E seus clubes se tornam seleções; e as seleções não são significam nada diferente do que os clubes. E neste caótico cotidiano, reaprendem a falar, a andar, a comprar em novos mercados e a cantar novos hinos. Não se lembram dos tijolos cravejados de balas, medo e insegurança nos muros e paredes das casas de seus conterrâneos. Em sua terra natal, os ternos vestem os criminosos, que almejam gabinetes administrativos. Que fazem mais balas atingirem nossos muros, famílias passarem mais fome e esta justificar a traição da pátria. Enterra-se, assim, o honroso espírito esportivo e competitivo. E as diferenças entre os guerreiros que sobrevivem na miséria e os que vivem adulados pelo luxo, se tornam cada vez mais descomunais. De repente, tudo escurece: o soldado ali não pertence; o exército perde sua força e a guerra seu sentido. A Copa da África é o filme de horror mais tenebroso que vi desde muito tempo, pois carece da essência desta guerra. É o pesadelo surreal do futebol globalizado. Porque a presença desses “patriotas de novas bandeiras” nem mesmo fortalece o desempenho de seus lados, e escancara a face deturpada de um mundo sem controle algum. Não há mais a marca de cada nação impressa nas caras e estratégias destes guerreiros virtuosos. Os exércitos se compõem de uma mistura de príncipes e líderes que não sujam mais seus pés – ou mãos. Guerreiros cujos hábitos, hálitos, inimigos e amigos são os mesmos - e nenhum deles representa mais ninguém. E cuja arma aponta para um só objetivo: a individualidade, sob o lema do “eu contra todos, e todos por mim”. A Torre de Babel desabou e, como formigas repentinamente desabrigadas, todos vão lutar desesperados por um abrigo qualquer. Esvai-se o sentido de lutar, pois não há vencedor numa guerra sem fim – e sem fins.

Para José Saramago

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Copa da África, primeiras lamentações

Alguém que acompanha esse blog, e que se identifica com o que aqui postamos, está surpreso com o futebolzinho deprimente apresentado no Mundial da África do Sul até aqui? Esperamos que não.

A seleção portuguesa talvez tenha sido a que melhor exemplificou o estado de espírito dos times presentes ao mais importante certame planetário. Na partida contra a Costa do Marfim, lá pelos 35, 36 minutos do segundo tempo, o time (liderado pelo Ricky Martin dos gramados, nosso adorado Cristiano Ronaldo), que já não demonstrava qualquer vontade de agredir seu adversário com maior contundência desde o início da peleja (e é bom frisar que mesmo os times mais limitados podem alcançar bons frutos devido à vontade de fazer o resultado, essa necessidade quase imperativa do futebol e das equipes que marcam sua história), passou a dar passezinhos de efeito, pedaladas, toques de letra laterais e toda sorte de malabarismos infrutíferos, com o único propósito de exibirem-se individualmente. O jogo tornou-se, então, um circo tragicômico, já que víamos ali, em ambos os lados, atletas com visual cuidadosamente elaborado (cabelos descoloridos, tranças rastafári, tatuagens em locais vistosos, até mesmo sobrancelhas depiladas e bronzeamento artificial) e que, quando da posse da bola, não sabiam o que fazer com ela assim que chegavam à intermediária do oponente. E tome desesperadores recuos da redonda, que matavam qualquer tentativa de ataque - após, claro, uma pedaladinha pirotécnica, que mascarava porcamente a falta de intimidade dos esportistas com o jogo coletivo. Pois o que vale, nesse Mundial, é ali estar, antes de tudo. Ao redor de todos, máquinas fotográficas e a tal 'super câmera lenta' registram a presença dos superstars, que capricham na pose. Isso coloca o futebol em segundo plano, pois jogar bem ou mal não significa tanto quando o que interessa é a superfície.

Esperamos, como apaixonados pelo esporte e por seu evento mais significativo, que a segunda rodada da fase classificatória possa tirar o torneio dessa vala de esterilidade e covardia que as seleçõezinhas de yuppies individualistas o mergulharam. Mas, como o caro leitor já deve saber, a projetar de acordo com o que pregamos desde sempre por aqui, esperamos, basicamente, o pior. Que venha o segundo round.

(Planejo, no próximo post, falar um pouco mais sobre as naturalizações. Aguardem e confiem.)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Bandeiras, bandeirolas... Band-aids!

Meus colegas do Setor 2 (la hinchada de Juve que construímos, Bury e eu, desde 2001 – uma “Odisséia na Mooca”), amigos e familiares não suportam mais ouvir minhas teorias e filosofias sobre o poder da mística no futebol e na vida. Nasci como apenas mais um “tijolo na parede” num mundo cada vez mais desconcertado, em pleno 1979 (quando o jovem Maradona levava a seleção juvenil argentina ao primeiro título mundial, no Japão), e fui morar exatamente na rua do estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo - “rumo à década perdida, à AIDS, ao pop, à repressão da publicidade cibernética!”, gritavam meus demônios. El Torito não resistiu à tentação da anistia aos inadaptados, decretada um mês antes do meu parto e aos gritos de “campeón, Dieguito!”. Se isso não é místico, con perdón de las damas, que la chupen! Não importa, o fato é que são cinco da manhã e meu estômago anuncia que a ansiedade pela estréia na Copa supera minha necessidade de dormir, e é nessas horas que costumo escrever. Sem mais delongas, eis meu desabafo.

No ano de 1986, minha alma não foi capaz de resistir ao espetacular Mundial do México, e dali pra frente eu seria um refém da magia deste jogo, com prazer e pesar. Lá estava Maradona, carregando a Argentina – que tempos depois, eu descobriria ser minha verdadeira paixão - ao seu segundo título, com requintes de vingança de sua nação, surrada pelo poder covarde do Império e, inquestionavelmente, assumindo sua posição divina no futebol (se ainda tens duvidas, pergunte ao povo de Nápoles sobre seus milagres). Mas provém de minha terra natal – o bom e velho Brasil – os melhores e piores exemplos de um mundo antagônico por opção e desesperador por conseqüência. Foi naquele ano que eu ouvi minha mãe gritar sua raiva e indignação quando, por um erro grosseiro, o sistema de som do estádio Jalisco fez ecoar os acordes melódicos do Hino da Bandeira (e não o Nacional), na estréia do excrete canarinho contra os espanhóis. Educadora e geógrafa, formada pela USP na tenebrosa década de 1970, a velha perdeu seu primeiro rebento, ainda grávida, durante (uma das) violentas reações a uma manifestação de estudantes, que protestavam contra a ditadura militar. Em 1984, ela era uma das milhares de mulheres que carregavam a bandeira brasileira nas ruas, exigindo direitos e amor, após anos de sangue e ódio. Ao seu lado, “caminhando e cantando”, estava o doutor Sócrates que naquela tarde ensolarada e errônea em Guadalajara, balançou a cabeça negativamente, imprimindo respeito, dever e honra àqueles que testemunharam a cena, como eu - antes de balançá-la positivamente para anotar o gol da vitória do Brasil (o primeiro que vi em mundiais). Não cabe aqui discutir os efeitos históricos (positivos e negativos) daquelas lutas políticas no cenário social tupiniquim. E sim, a descomunal diferença entre as gerações. O que vejo hoje é um Brasil abdicado de lutas pela maioria (como devem ser todas, claro) e cada vez mais parecido com seu “irmãozinho do norte” do continente. Até mesmo a pobre e antidemocrática bipolarização partidária se mostra (quase que) concretizada. E a Rede Globo (aquela “emissora” que nasceu com capital yankee para maquiar a ditadura das massas), com tons cada vez mais semelhantes de uma CNN da vida, jorra com deleite, a partir de sua tela venenosa, a “conquista” econômica nacional – “rumo ao grupo dos países poderosos!”, gritam Bonners e Mainardis, como fizeram Roosevelts e Washingtons. Minhas bandeiras são outras, e minha amargura é reflexo da falta de Sócrates na vida e no futebol – o esporte que do povo, se tornou apenas mais uma ferramenta no show-bussiness do Tio Sam (enquanto nos Harleems de lá, como nas Itaqueras de cá a gritante e sufocante injustiça social se mostra mais nua e crua do que nunca). Hoje, vejo um tal de Neymar chegar num campo de jogo cercado por oito seguranças particulares, protegido com seu walk-men e sua “inocente arrogância”, dizendo que não se importa com a eleição presidencial que virá por aí, logo depois da Copa da África. Para entender mais, acesse: http://antimidiafutebolclube.blogspot.com/2010/05/ascensor-para-o-cadafalso.html. Vejo também seu ídolo e exemplo de vida, o tal de Robinho, abrir seu “maroto” e intolerante sorriso, que tanto movimenta caixas registradores mundo afora, enquanto o Hino Nacional é estuprado (mais uma vez, por um erro grosseiro de organização), no amistoso contra Zimbábwe – mística ironia, o “clássico verde-amarelo” das duas piores distribuições de renda no planeta Terra. A gritante diferença entre gerações! Voltando no tempo, foi no mesmo México, durante os jogos olímpicos do místico ano das lutas sociais (1968), que atletas negros dos Estados Unidos protestaram contra seu governo e seu exército atômico, que estava prestes a levar uma surra humilhante nas selvas asiáticas. Se os guerreiros refletem seu tempo, Robinho faz envergonhar o legado destes de outrora, porque vive num período em que a sociedade de Mandela continua a praticar a mesma autoridade, segregação e racismo dos tempos do Apartheid. Hoje, a máscara da publicidade, apoiada na paixão dos turistas e torcedores, tenta esconder as execuções de ativistas sul-africanos e as destruições de comunidades tribais centenárias, para a construção de estádios que levam nomes de algumas famílias ricas do país sede do Mundial, repostas por meros contêineres de lata (como as que o senhor Paulo Maluf criou aqui em São Paulo, em 1992 – ano em que os paulistas e cariocas voltaram aos tempos medievais e resolverem seus problemas com tiros, nus e crus, no Carandiru e na Candelária). Lamentavelmente, esta máscara parece cegar primeiros os atletas, aqueles que sempre serviram de exemplo aos demais. Mas não é bem assim.

Estupidamente, resolvi me dar outra chance e assistir o tal de CQC – fraco jornalística e humoristicamente - pela Band (que, pensando bem, continua honrando o título de “o canal do esporte”, já que faz de suas transmissões aquilo que se espera da nova ordem: masturbar e vender). Eis que um idiota qualquer, em plena coletiva da seleção albiceleste, tentou tecer uma piada sobre a prometida nudez de Maradona, caso este vença a Copa. Ganhou de resposta um merecido desdém do defensor Demichelis que, claro, fora recebido pelo pulha brazuquete como “arrogância”. Estas dicotomias na relação entre o espírito mercantil e o verdadeiro do jogo (assim como entre Brasil e Argentina) me fazem crer que o futebol realmente se perdeu nas alamedas frias e previsíveis do mundo globalizado e parou no tempo para a maioria (e aí reside a dor, porque o futebol é, e sempre será, das massas). Enquanto a “seriedade” argentina se mostra perfeita para o papel do “turrão”, que a ninguém agrada, ao Brasil cai bem a função de bobo da corte moderno, de um país dos monarcas que acumulam riquezas (e mesmo não as distribuindo, usam os Tiagos Leiferts da vida para fazer a massa se orgulhar disto, com suas piadinhas ocas, enfadonhas e pouco informativas) e que prefere sorrir das desgraças mundanas a trilhar o caminho certo e, por isso, penoso da justiça dos homens. E num mundo estruturalmente desconcertado, é provável que o efeito da mística atue ao revés. Podemos ver Robinho campeão, sim, coisa que o doutor não logrou. Porém, Sócrates podia beber sua cerveja à vontade depois dos jogos porque era tão “do povo” quanto seus fãs (como já discorreu Bury, anteriormente: http://antimidiafutebolclube.blogspot.com/2009/11/saudades-daquilo-que-nao-vi.html). Suas bandeiras eram as mesmas, e suas cervejadas após as “peladas” idem. Não à toa, o visual do doutor carregava apenas esses elementos, além da barba e cabelos surrados. O que conta numa revolução, na verdade, é a atitude. Mas o que se vê agora é exatamente o oposto: falta de iniciativa e abundância de elementos visuais bem aparados. Hoje, os escravos boleiros são multados pelos seus colonos investidores e achincalhados pela mídia passiva quando flagrados nas baladas, porque a cotação de suas imagens despencam na Bolsa de Valores, e Uchoas e Buenos têm que engrossar o côro de “Robinhation, tion, tion” na telinha pra limpar suas “cagadas”.

Em resumo, espero que meu coração suporte os dias vigentes. Mais do que torcer por um ou outro time, o futebol atual define lados que correspondem mais ou menos à nova ordem. Assim como nas eleições, sempre há aquele lado que conduz a uma regressão de valores e esmaga o suor derramado por quem se importa. Em Brasília, em pleno ano do “milagre econômico”, vemos Malufs e Tumas recebendo seus salários milionários dos cofres públicos – crápulas que ocupavam cargos vitais durante a ditadura militar e que carregam, em seus votos decisivos para o destino da massa, a mesma alma que sangrava fetos e guerreiros de outrora para este “tempo dourado”. Se isso não é importante para Neymares, certamente pra quem precisa lutar para sobreviver o é. Ficam límpidos os motivos que fazem a seleção brasileira moderna ser composta por uma porção de individualistas que preferem inverter o lado da camisa para que seus nomes apareçam nas fotos, enquanto o escudo lendário de sua seleção é (literalmente) jogado para trás, como foi na desprezível comemoração do título da Copa das Confederações, no ano passado. E ganha justificativa moral a absurda tendência do povo brasileiro de portar a bandeira nacional em carros e residências, apenas durante um mês, de quatro em quatro anos – como se fora uma roupa da moda que logo perde a graça. Isso configura um desrespeito a um símbolo oficial da nação que dizem amar, e o fazem dependendo de um resultado num jogo de futebol! Porque assim que o time é desclassificado, jogam seus souvenires no lixo (http://www.fotolog.com.br/agonizar/16621525). E se ganham o fazem da mesma forma, assim que o gás da festa acaba. Não se portam mais bandeiras nas lutas sociais, e estas parecem não ter mais sentido para as massas envenenadas pela sedutora publicidade, que (apenas) parece amenizar a miséria. Para que se importar, quando seu ídolo não o faz em relação a outro símbolo oficial (no caso, o Hino), e a televisão já engoliu sua individualidade e seu país avança, “firme e forte”, para se tornar uma potência? Se isso for patriotismo, tenho mais orgulho ainda de ser um desertor da pátria de chuteiras! Torço para que a “místicas do Hinos” funcione, e que o time de Diego conquiste a taça neste caótico ano de 2010, como foi em 1986 – mesmo período de tempo que esperou o torcedor brasileiro para gritar "campeão!", após o título de Pelé, no mesmo México (a “mística dos 24 anos”). E pobre daquele que suspeite que eu derrame meu ódio ao Brasil e meu amor à Argentina por birra – como, tristemente, produziu a empresa dos Marinho. Sou assim porque não reconheço mais o Brasil de Sócrates e, principalmente, sei que vou me enamorar cada vez mais pela Argentina de Maradona. Questão de bandeiras, que homens livres e indignados hão de levantar e lutar por elas, eternamente! Com prazer e pesar. “Que Diós nos ajude! Rumo ao Tri!”, alentam meus anjos boleiros.

PS: * Simon arbitrará o prélio entre Inglaterra e Estados Unidos. A bomba, que tanto temem as autoridades, já foi lançada – e veio do Brasil! Para compensar, descrevo a genial manchete que o The Sun usou para definir o grupo do English Team no certame: “England – Algeria – Slovenia – Yankees”, colocados um sobre o outro, com as iniciais formando a palavra “EASY”. A mística do milagre no estádio Independência (1950) ainda vive para os inventores da bola!
* Um motel paulista redecorou seus aposentos com o tema da Copa – como se fosse um buffet para festas infantis. O camarada vai pagar para transar ou torcer? O futebol virou mesmo uma grande putaria!
* Aos intrépidos leitores deste sítio: o Imperador chegou em Roma! Que as cervejarias da cidade eterna preparem seus cofres e estoques! Faz-me-rir!

terça-feira, 1 de junho de 2010

A latrina amarela

A seleção de futebol do Brasil faz, nesta quarta-feira, um amistoso contra o Zimbábue. Já seria peça do rico folclore que a CBF acumula ao longo de suas décadas de atividade, com seus compromissos estapafúrdios e politiqueiros assumidos desde priscas eras, mas a coisa toma um vulto de afronta a qualquer ser humano que ainda luta por alguma dignidade nesta Terra aonde até o ar que respiramos nos é oferecido envenenado. Pois esse amistoso foi feito para quê? Para que a elite desse país africano, no qual 68% da população vive abaixo da linha de pobreza (um número estarrecedor, até mesmo abstrato), possa arrancar ainda mais o couro daquele que exploram tão seguidamente, com esse pão e circo tão mal disfarçado. Pagam um salário de fome a essa gente (isso quando o fazem), e agora tomarão as migalhas de volta, oferecendo um espetáculo de baixíssima condição técnica, e ainda mais indigente condição moral. A CBF lá está para contabilizar, sua especialidade desde os tempos em que Havelange passou a mandar no futebol mundial e lá colou seu genro para "administrar" a entidade. O assunto corrente nos últimos dias era a bolada inacreditável que Teixeira vai embolsar com as duas partidas pré-Copa (essa e outra, contra a Tanzânia). Vão para se aproveitar da penúria de um país dilapidado, escondidos atrás de frases feitas covardes como "vamos testar o time" ou "viemos trazer alegria a esse povo sofrido". Mais nada.

E nosso querido Júlio César prefere botar a boca no trombone para falar mal da bola, fabricada pelo concorrente do patrocinador da seleção. Faz-se de indignado, com toda a arrogância que lhe é peculiar, quando uma questão corporativista está em jogo, e diverte os jornalistas que o entrevistam; mas, nesse tipo de situação, muitíssimo mais grave e que deveria contar com toda a veemência que demonstrou para fazer pilhéria da redonda do Mundial, se cala. Todos se calam. Tornam-se coniventes com a selvageria, e parte funcional desse motor de desgraça. Assim o mundo prossegue: uns no castelo, outros na lama.