segunda-feira, 30 de março de 2015

Um tostão de minha voz


Aproveito essa segundona para um adendo às últimas postagens: esqueci de citar o mais famoso "falso 9" (ugh) da história, Tostão, que, na copa de 70, foi escalado como tal por conta da abundância de gênios à sua volta e, atuando como o "atacante que flutua" (ugh duplo), deu conta do recado com maestria. E isso feito por Zagalo, técnico longe de ser considerado "revolucionário" (alguma controvérsia envolve a questão, muitos dizem que o mérito não é dele e sim de Saldanha, seu antecessor, que já colocava o "Mineirinho de Ouro" à frente junto de Pelé durante as eliminatórias para o Mundial - mas o Velho Lobo comandava o time em 70, e só de não ter dado asas à vaidade de comandante e escalado o Brasil com o que tinha de melhor - e o que é mais importante: sem atrapalhar - já faz por merecer o afago da história). Sim, isso mesmo que você leu acima: Tostão foi escalado como centroavante não para "confundir a marcação" ou "segurar os zagueiros" (o blablablá enfadonho típico dos "professores" atuais ainda era incipiente e daria as caras de forma definitiva um pouco mais à frente, na segunda metade da década de 70, com o falecido Claudio Coutinho), e sim para que tivéssemos espaço para que ele e outros sujeitinhos aí, uns tais de Rivelino, Gérson e Jairzinho, pudessem atacar sem restrições. Uau! Se você, a fuçar na Internet pelos últimos gols de Gareth Bale com a mão cheia de resto de Cheetos, ainda acha que Guardiola e Tite são os responsáveis por essa invenção tática fabulosa, essa ousadia teórica sem precedentes, saiba que tanto eles quanto você estão 45 anos atrasados.

(Ainda antes do título de 70, a história diz que Hidekguti, camisa 9 da seleção húngara dos anos 50, um dos maiores times já formados e de ponta a ponta um esquadrão autenticamente revolucionário, também não jogava fixo, para assim abrir espaço às investidas fulminantes de Puskas e Kocsis - mais uma prova de que a memória de um esporte pra lá de centenário é subvertida em nome da publicidade existencial furreca dos anos vigentes.)

sexta-feira, 27 de março de 2015

Eu estou falando do dever... Das obrigações!


Jogamos essa ideia do fim do centroavante aqui mesmo, neste blog, já há algum tempo - se não me engano, no momento da "explosão" de Alexandre Pato (este que, provando não ser necessário grande alcance de visão para tanto, já cravávamos ser fogo de palha). Mas hoje encontro gente que, em nome de uma pretensa "evolução tática", prega como normalíssima a substituição dos antigos "center-forwards" por meias e mais meias, ou, por que não, por "alas" - mas lhes pergunto, caros amigos: existe realmente evolução quando se exclui de uma equipe de futebol quem anota seus gols? É difícil aceitar tanto conformismo, mas ele está aí, a quem quiser fazer uso, lambuzar-se até, disfarçado de "estudo tático".

Quantos centroavantes de ofício restam no futebol de hoje? Goleadores mesmo, sem medo, que peitam zagueiros, brigam, olham para o gol quando estão de posse da bola, chutam de onde estão virados, cabeceiam, que ali estão com a função de fazer gols e não "marcar saída de bola" ou "impedir o avanço dos laterais"? De projeção internacional, apenas o uruguaio Suárez. No Brasil, somente o peruano Guerrero, aos trancos e barrancos, sobrevive - farsas como Jô ou Tardelli tiveram ascensão injustificada porém, como esperado, fôlego bastante curto. Já se aceitam naturalmente times sem o 9 (o Corinthians recentemente promoveu, com aplausos, o eficiente porém pesadíssimo Danilo a seu "homem de referência", e assim Tite, após a partida, foi aclamado como "treinador de grande visão") - ou, se quisermos ser um pouco mais diretos, aceitam-se times sem ataque. O futebol de sofá triunfa mais uma vez: as "mesas táticas" dos comentaristas, essas que tratam os atletas feito robôs e que excluem do jogo qualquer possibilidade de espontaneidade (em minha ultrapassada visão romântica eu ainda espero alguma), tornam-se tão importantes quanto o placar, fazem do técnico um Deus, da disposição de seu time em campo, a verdadeira tábua dos mandamentos. Enquanto isso, resultados minguados tipo 1 a 0 pululam por aí - mas, se tal raquitismo numérico puder ser explicado através do linguajar tão valorizado pelos cronistas, esse das "linhas de 4" ou das "gestões de equipes", não fará diferença alguma. Assunto não vai faltar.

Abro o site UOL agora de manhã, e a capa do periódico virtual festeja: "plano de Dunga para enterrar o clássico camisa 9 funciona" (graças a uma vitória do selecionado empresarial brazuca em amistoso boca-mole disputado acho que ontem, não sei em qual horário e sequer em qual país). Fala-se de tática, não fala-se de craques: eis uma legítima manchete do futebol 2015.

terça-feira, 10 de março de 2015

Dá pra ver que o senhor tá fora da onda


Procure aí, é uma mania que se alastra desde a criançada "expert" em futebol de hoje em dia aos comentaristas mais respeitáveis: superou-se o desenho tático (expressão que, utilizada a contento, empresta a qualquer um o vulto de "especialista") simples e direto de um 4-3-3 ou o tão batido 4-4-2, estes já cheirando a mofo, antigos, inertes, inexpressivos; agora temos uma festa de números para explicar como os times se postam em campo, coisas tipo 4-2-1-2-1 ou 3-2-2-1-1-1, ditas preferencialmente com gestos estilo Paulo Calçade, que usam as mãos e o dedo indicador para explicar a movimentação dos atletas em seu vem e vai para "marcar os laterais" e "fazer a parede" (termos estes também bastante utilizados pela molecada no recreio das escolas). É "falso 9" pra cá, é "time compacto" pra lá... Parece que o Barcelona de alguns anos atrás fez o futebol enfim nascer; tudo que veio antes é natimorto e apenas preparou o terreno para esse esquadrão revolucionário.

Ô rapaziada, desculpem essa minha mesquinha tentativa de estragar seus sonhos molhados, mas não foi o Guardiola que inventou isso não! Não foi o Pep que institui o "atacante que flutua" ou essa obsessão freudiana de treinador brasileiro, a de "recompor o meio-campo". A Holanda de 74 se notabilizou também por seus craques não guardarem posições fixas, não sei se vocês sabem; até mesmo a Hungria de 54 entrou para a história com a junção de força ofensiva e inovação tática - e o abismo que separa as duas épocas é exatamente esse: a preocupação antigamente ela colocar o time à frente, a busca de um resultado, ATACAR (palavra sumida do noticiário esportivo de uns anos pra cá, e que merece ser escrita com maiúsculas); a de agora é o pragmatismo sem cara herdado do mundo corporativo, a agonia sem fim do "domínio de bola" para "gerar resultados". Nessa, Rinus Michels foi derrotado por Carlos Parreira - e Guardiola, assim como o tão badalado brazuca Tite, quer vocês queiram quer não, é uma variação deste último, e não do primeiro (portanto, é hora de aceitar que de revolucionários nada possuem).

Sem contar que time abolir centroavante em favor de jogadores "táticos", essa balela de "meia-cancha congestionada" que faz brilhar os olhinhos dos treineiros de discurso empolado e apaixonados por volantes de cá, combinemos, são opções que nada tem de arrojado: apenas evidenciam a covardia e a falta de sentido do inofensivo futebol moderno, esse que não quer ver "organização" e "ousadia" tornarem-se sinônimos - há de sempre privilegiar-se a primeira; o que possa surgir em função disso é consequência, como diria Carlos Parreira, campeão do mundo em 94. A não ser que você considere "ousado" um meio-de-campo que troca passes ad infinitum e que estatísticas de posse de bola sejam mais significativas que o de tentativas a gol...

Tio Cruyff tá lá, rindo a valer dessa frescurada teórica.