quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Pizzaz x Porras!

O futebol já acabou. Morto, como uma estrela cuja luz produz uma sensação de vida ao espectador. É no post-mortem onde ele se encontra. Agora é a hora de aceitar o destino, e virar as costas para este jogo que tanto nos ensinou. Ou, então, é hora de engolir as mentiras que sustentam o que sobrou da carcaça: vestir as mil camisas diferentes que estão a venda na super loja oficial de seu “clube”, como se a história que ilumina o passado ainda se fizesse presente, de corpo e alma, quando não o está; acreditar que os escudos nas camisas dos clubes voltaram a medir tamanho com os anúncios porque se respeita (novamente) o passado glorioso, onde jaz o significado das coisas – e não se dar conta de que não há mais diferença entre escudos e patrocínios; comparar os “craques” atuais com os do (opa, olha a mágica palavra novamente!) passado, pois se os de outrora não valiam nada perto dos de hoje, estes tem que ser – a qualquer custo moral, ético, comparativo – melhores ou, no mínimo, semelhantes aos de antes, pois assim manda o mercado que destruiu a bola; deve, também,
acreditar piamente que o campeonato brasileiro é o melhor do mundo, como se ainda houvesse alguma diferença entre ele e os da Europa ou qualquer outro rincão deste planeta. Passo este recado hoje, porque estas questões abundam minha existência, cuja necessidade de sentir e viver o futebol abunda em igual medida com este ódio que jorra em nossas ações reacionárias ao caos produzido pela ganância do capitalismo e moldado por este câncer da Terra, chamada mídia
privada.

Tempos atrás, concedi uma entrevista pro Terra, quando uma
enxurrada de jornalistas procurava a Javari para “entender” o que era aquele “ódio
eterno ao futebol moderno” que estampava a capa de um filme sobre o Juventus.
Nela, defendi Kléber como um jogador que saia da mesmice que esta geração
plastificada cria e recria com facilidade. E ele parecia mesmo um cara que ia
demonstrar em campo que o futebol é muito mais do que dinheiro – alias, é muito
mais do que tudo nessa vida quando esta sendo praticado; é o gozo que tanto
procuramos, não? Lembro bem daquele time do Palmeiras, que encerrou o jejum
palestrino de títulos desde 76 (porque entre 93 e 99 vimos uma multinacional campeã, além de um time). Gostava demais dos dois meio campistas, ambos com requintes
clássicos, e até mesmo Denílson – um dos primeiros fanfarrões, que colocaram a
bola atrás do dinheiro e que, jogando, pareciam sempre muito mais preocupados
com auto-afirmação do que com honra e gloria - demonstrou ali grande dedicação.
Passados só dois aninhos, o mesmo player está agora envolvido em mais uma patética
novelinha criada e alimentada pela mídia – logo esta acaba, e cria-se outra pro
seu lugar, exatamente como na grade de novelas comerciais. E seu futebol de
“guerreiro” também se foi, não só sua imagem de jogador envolvido com o jogo e
não com o dinheiro. Mas não sinto vergonha de minhas palavras após essa
mudança. Na mesma entrevista cravei, “o futebol moderno acaba com a resistência
das pessoas”, e assim será enquanto ele existir. Hoje, eu já nem sinto mais
falta do futebol em primeiro lugar. Sinto falta de mim mesmo, porque por mais
que eu seja forte e tente, dia após dia, não me desesperar, sei que não posso
viver mais normalmente sem o futebol. Nos últimos meses, sei que a falência (e
não me refiro aqui `a ”crise” de Boca e River, por favor!) e (mais) a morte
daquele espírito nu e cru do futebol argentino tem sido um dos principais
fatores para que essa sensação mórbida aterrorize meus nervos, minuto após
minuto. E sinto nojo de Messi, do dinheiro sujo, inútil, vago e oco.

O maior atentado terrorista que a Terra produziu foi a morte
desse jogo estupendo. Mesmo calejado por mais de 15 anos de luta contra esse
crime, me surpreendo às vezes tentando entender como conseguiram controlar algo
que era movido por emoção. Sabemos como e porquê, mas é difícil de crer como
robôs podem se tornar tão poderosos. Meu recado hoje não deve fazer muito
sentido. Assim como não faz nenhum sentido comemorar uma suposta vitória
do futebol brasileiro (pior ainda, deste “novo” Brasil, democrático” e “desenvolvido”)
sobre o de fora porque Neymar vai ficar no Santos. Como pouco faz sentido nesse
universo que antes (exatamente) nos dava norte e sul neste inferno de vida. Então,
peço desculpas a todos os amigos que, porventura, procuram este sitio pela
baixa assiduidade e vibração do mesmo. Resta-me pedir que abandonem este corpo
morto, não dêem muita bola mais ao futebol. Não significa deixar de ir ao estádio,
se emocionar e curtir os títulos destes tempos. Sigo alentando o Juve, nada
disso deve mudar. Mas há uma postura de ódio e repudio que deve ser levado aos
campos, aos bares e lares. Percebi que meu pai – corintiano fanático – anda meio
perturbado estes dias. Tirando o fato de estar preocupado com meu estado psicológico,
certeza também porque seu time anda envolvido com disputa de taça. Conheço isso
nele, e disso eu entendo! Meu colega de várzea, lusitano, também afirmou – para
meu desespero – que curtiu a campanha deste ano de sua Portuguesa campeã. Nada
disso deve mudar. O que não podemos mais é aplaudir (quando a emoção nos entupir),
sem olhar torto. Um olho no gato... Porque se continuarmos a aplaudir e comprar
as camisas, os “salários”, as mentiras, as mudanças de condutas, os
caixas-dois, a falência técnica do jogo... enfim, ai estaremos muito errados. Desde
criança ouvia a frase, “o futebol é o ópio do povo”. E desde então rechaçava
esta máxima com toda a energia que o futebol transferia a mim. Infelizmente, tenho
que acreditar hoje que, depois dessa enxurrada psicologicamente bem elaborada de
cores, imagens, shows, ele é exatamente isso. Hoje não há mais gozo, não se
escutam mais os gritos de “porra!”, que vinham carregados (da torcida, dos
players, dos árbitros e narradores)daquela energia (natural, por favor!)que
estrangulava o previsível e respondia ao que surpreendia e nos emocionava.
Hoje, está tudo cada vez mais relacionado ao mundo das celebridades, do status,
da beleza, da fama e da riqueza material. É a Broadway em carne e osso (e –
merda! – alma!). É o sentimento “pizzaz”, gíria utilizada pelos latinos que
vivem nos Estados Unidos, que reflete o desejo de ter esta abundância material –
que coincide perfeitamente com o universo da bola destes idos correntes. Aliás,
deve estar no meu sangue essa escravidão ao tempo. Peço também desculpas pela insistência
em ir e voltar o tempo (ops!) todo. Gooda bye, my friend! O futebol acabou. Resta-nos
viver sem ele.

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