sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Entre tapas e beijos

Se eu tivesse que separar, pela ordem cronológica, os sentimentos que guiaram os meus últimos quatorze anos deste vício – nos quais prevaleceu o grito de “ódio eterno ao futebol moderno” -, uma boa escolha seria esta: espanto, tristeza, ódio, desespero, dormência, incredulidade (e foi só aí que começaria a Ju-Metal, em 2001), incontáveis doses de espanto e ódio até que, por fim, apareceu o medo. O que estou começando a sentir, de um tempo recente pra cá, é uma mistura de um pouco de cada uma. O que excita ao “jogador” moderno está começando a me dar medo, assim como a leviandade impregnada na alma de um jogo controlado por botões, e não colhões. A certeza de quê não vou mais poder desfrutar do futebol, como sempre gostei, com liberdade. Percebam que não é uma escolha..., e sim, a única saída. Futebol ou nada!

Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, esta é uma ação guiada muito pelo amor. Porque o futebol é como um filho de cada verdadeiro torcedor: às vezes, nem percebemos, e estamos a cuidar dele, sem medir esforços materiais e espirituais - como fazem os pais. “Lutamos” por ele, ainda que as autoridades envolvidas usem esta expressão para, convenientemente, qualificar-nos de únicos “inimigos” – salvo os sentados, comportados, consumistas e vestidos com a camisa oficial mais recente da última semana do time (“E lá se vão mais cento e tantos reais pros cofres de nossos malfeitores!”). O outro lado da moeda, que escreve a estória do futebol de acordo com seus índices na Bolsa de Valores, finge que é cega, para disfarçar sua própria culpa. E para isso, precisa manipular os fatos, esconder a tragédia social por detrás de seu preconceituoso meio de vida. O bico não vai se abrir como obriga o juramento dos diplomados “especialistas” da TV. Que voz tem o verdadeiro torcedor, que não precisa de produtos do time para alimentar o amor abundante dentro do peito? Jogos de futebol são eventos públicos, onde as pessoas podem e devem se expressar e gozar da tal de democracia! O que a televisão não costuma qualificar, questionar, nem denunciar são ações tomadas pelo ódio, em nome da “paz nos estádios”, apesar do elevado potencial sensacionalista das mesmas. Nesta semana, decidiu-se por banir imagens de Che Guevara, tradicionalmente usadas pela torcida do clube Monte Azul, ferindo, assim, o artigo 5° da Constituição brasileira (chamada até de “Lei Maior”, mas que se encolhe perante a corrupção e parcialidade dos homens). Não cabe aqui discutir os pontos contra e a favor do revolucionário argentino, e sim a escancarada censura, imposta aos torcedores com requintes de AI-5! Pouco se viu na mídia sobre esta ilegal ação, e mesmo que ela fosse noticiada, sabemos que a forma como abordam temas desta natureza é sempre a mesma: com a opinião pública moldada como argila, a mídia faz sempre pesar a balança da justiça para o lado que paga suas contas. Nunca de forma honesta, pois ela está, junto com seus patrocinadores, amarrada no conglomerado de investidores abençoados pela boa mamma, a dona FIFA. Surreal a co-existência desta exclusão com a essência democrática do futebol. E se as mídias não conseguem remediar o caos, da prevenção dele certamente não ajudarão.

Não há crítica em relação ao comportamento dos atletas, desenvolvendo uma corrente de pequenas células deste grande organismo podre, que chamamos de futebol modernista. O ego inflado, daqueles que tem seus rostos estampados nos jornais ou nas telas de TV, faz sumir por completo a teoria dos mosqueteiros (“Um por todos, e todos por um!”) que se aplicava perfeitamente na prática futebolista. Daqui a pouco veremos algum “jogador” transando com a câmera, como fez Kurt Cobain, em 1993. O medo me atingiu durante o match entre Juventude e o time do Galinho de Quintino (o maior, depois de Pelé e antes de Giovanni), no momento em que as equipes se preparavam para os penais que decidiriam o classificado a próxima fase da Copa SP. Quando vi um time com as místicas iniciais que carregam os gaúchos da serra, jogando no Nicolau da Lapa, não tive dúvidas de quem sairia vencedor. E assim, claro, aconteceu, mas não sem um preço cruel a pagar por este pobre apaixonado que vos escreve. O primeiro constrangimento foi em relação aos fanáticos rituais religiosos que os atletas promovem, regados a choros e gritos aos céus, enquanto a bola continua presa aos gramados e a torcida às arquibancadas - tem horas em que eu ando confundindo os prélios com cultos de louvor a deus. E assim o veneno perambulou, a olhos nus, como uma seqüência de golpes nauseantes, injetado pela imprensa, quando o câmera-man forçou a passagem, a entrar naquele círculo de fé que os players desenham. Primeiro erro, pois isso existe para uma melhor concentração e união do plantel, e a mídia não tem nada que se meter no curso das emoções do jogo, de maneira alguma. O que vais a fazer um “profissional” do microfone ali no meio, senão um strip-tease, para relaxar a todos? Faça-me o favor! Só que era apenas a metade dos problemas numa situação como aquela. Assim que a telinha invadiu o terreno, incontáveis olhares e trejeitos simpáticos, e ávidos por ação ($), vieram dos jogadores, como se ela fosse uma puta se aproximando na escuridão de um bordel. O locutor principal do elenco falava com seriedade, com pinta de capitão, até aí tudo bem. Mas ao seu lado, outro garoto simplesmente não conseguia mais tirar seus olhos daquele objeto de consumo dele mesmo, e no final da palestra soltou seu “grito de guerra” para as lentes, e não para seus companheiros. Ali ficou claro que não havia energia sendo desprendida de um player para os outros, e sim transportada, numa viagem de ida e volta, para si mesmo. Me senti como no cenário do filme “Blade Runner”, habitado por astros do mundo pop: muita tecnologia, miséria, pose e tédio; pouca força popular, grandeza espiritual, espontaneidade e tesão – como no dia anterior a uma prova de matemática., com os mesmos calafrios, ódio e desejo de que não fosse real. Infelizmente, estas “pequenas” células continuam a aparecer, pois fazem parte (essencial) do todo que compõe a nova ordem do futebol, que é o lucro – e, acreditem, nesta negociação o valor maior adquirido foi o controle da paixão, pilhada daqueles que nunca vão vender o que é seu, os torcedores. E, se o que está li é uma câmera, porque esperar que os programas da hora do almoço falem mal desta nova “faceta” de suas transmissões cinematográficas? Eles ainda vão aumentar o valor do grito egocêntrico dos players, inaltecendo a “fé e disposição dos meninos”, vendendo para os consumidores otários uma arte opaca e nada douradora, como se transformou o futebol – vide a enxurrada de “super craques” que está voltando para a ralé terceiro-mundista, porque não agüentam a pressão na Europa, assim como a numerosa turma de “velhinhos” que continuam a achar espaço para jogar, mesmo na faixa de seus quarenta anos.

Há tempos que estamos a fotografar o caos do futebol, mas acho que chegou a hora de dar o exemplo contrário a esta ordem improdutiva, em que a mídia não pode mais criticar um meio controlado por ela mesma. Pouco significado terá qualquer desabafo se não vier acompanhado do exemplo bom, que não dá medo e, sim, esperança. Fatos que refletem a liberdade que se perdeu e os questionamentos que mantinham a qualidade da arte e do jogo. Quando eu preciso daquela dose de nostalgia para sobreviver, recorro aos tapes que citei no texto anterior, e também a minha coleção de revistas - na esmagadora maioria edições da saudosa Placar. E que boa surpresa tive quando, ao ler uma edição aleatória que pesquei na pilha do velho armário, percebi que o que estava impresso ali era o conteúdo que Bury e eu tentamos manter aqui nesse sítio eletrônico – com a mesma carga crítica em relação ao comportamento dos atores envolvidos no espetáculo, denúncias ao que feria a moral de todos, e muito paixão derramada nas matérias sobre os jogos da semana que passara. Claro, porque ninguém ali tinha o rabo preso como hoje; todos noticiavam com amor pelo jogo os fatos que, naturalmente, aconteciam, e ali estava a influência que fez minha geração crescer dependente química pela pelota, com senso aguçado do que pode ou não ser aceito – bem diferente do que deve ou não ser aceito, que a nova ordem aplica. E a escolha não foi coincidência, pois qualquer outra edição daqueles idos transbordaria a mesma energia positiva e agradável ao leitor. Aquela era a regra que refletia no campo, nas arquibancadas, e até mesmo na televisão. Pretendo, pois, transcrever algumas passagens desta edição, durante as próximas publicações minhas aqui. Portanto, é hora de comparar, desfrutar e lutar – sem medo, sem mais o que perder. Provavelmente o fiz influenciado pelo som da banda Slayer – que estava a ouvir enquanto escrevia -, mas me esqueci de que o contingente ainda favorece os comerciantes do legado de Charles Miller. E sei que, para adentrar o nosso lado, as pessoas terão que passar por muitas decepções, até desejarem lutar pelo que é seu, com prazer e honra – nunca coagidas ou constrangidas. Veremos até quando suportarão aqueles que ainda não acordaram para a realidade – e que o façam bem longe dos sofás, e bem perto do cimento! Aguanten!

PS: Em 1996 (sim, foi naquele ano, eu juro!) eu vi pela primeira vez um clássico maior de meu estado natal (Corinthians versus Palmeiras) ser disputado em Presidente Prudente. Hoje, até mesmo o áspero Gre-nal está curtindo uma rentável e plastificada caravana pelo interior gaúcho. A descaracterização das culturas (futebolística ou não) é outra arma venenosa da nova ordem. E como afirmou Bury, os exemplos sempre frutificam - bons ou ruins. “Tradição? Báh! Pensamento ultrapassado! Money? Show me, Yeah!” O tempo, realmente, se transformou em dinheiro.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A volta dos que já vão de novo

Um de nossos personagens favoritos retornou aos noticiários com força total nos últimos dias: Robinho. Obviamente, não por aquilo que ele produz em campo (ou seja, nada), e sim por um hipotético retorno ao Santos FC, notícia que encheu os brasileiros com a esperança da recuperação do "craque" para a Copa da África, logo ali. O acerto é esse mesmo: usar o Peixe como se fosse um spa ou uma clínica de recuperação de toxicômanos, para depois devolvê-lo a solo europeu pronto para a glória de tornar-se, enfim, o "melhor do mundo" (palavras do próprio, mas a ironia inerente às aspas é nossa). O jogador alardeou seu desejo de voltar ao "clube de coração" em diversas entrevistas telefônicas dadas no passado fim de semana, e muitos compraram seu discursinho humilde e "realista". Diziam que lá ele está "triste" (nunca mencionaram que o clube, que investiu fortunas em alguém que só sabe choramingar, fazer beicinho e ficar de mal do técnico e dos companheiros, e a torcida, que tanto esperou do cara e nada obteve em troca, o estão mais do que o atleta), e que aqui ele recuperaria a "alegria de jogar" (alguém que ganha cerca de um milhão de reais por mês ser mimado dessa maneira é coisa de dar mal-estar a todos os que trabalham para ganhar a vida - aí está você que não me deixa mentir).

Pois é, amiguinhos: o "rehab" tupiniquim pode receber mais um com futebol enfermo, alguém que por aqui ficará até sentir-se em condições de retornar à Disneylândia para ganhar um presentinho do Mickey Blatter na Suíça, em algum fim de ano por aí. Todos que rodeiam Robinho fazem o possível para mantê-lo em seu mundinho de algodão doce, e sua palavra, mesmo que estapafúrdia, torna-se ordem, sem questionamentos. Fez feio no Real Madrid? Sim, mas é porque não te deram valor lá. Não jogou nada no Manchester City? Ah, essa torcida não te merece... Vai voltar pro Santos? Poxa, se não passarem a mão na sua cabeça, a gente se manda para qualquer outro lugar (tomara que seja o Barcelona). Claro: não querem perder a faustosa boquinha. Os que retransmitem suas declarações só pensam no fato de darem um furo de reportagem antes dos outros, e dane-se a ética e a vergonha (lembram-se que, no ano passado, chegaram a noticiar que o Milan tinha interesse no Obina? Hahaha!). O torcedor, estacionado em seu piloto automático clubístico, diz: "se guardar alguns gols pelo meu time, pode fazer o que quiser". Não tá nem aí se a esquadra para a qual torce vai ser usada como um cotonete, para limpar a sujeira pregressa de seu novo contratado. Todos os envolvidos com o futebol, hoje, são verdadeiras ilhas, poços de egocentrismo cheios até a boca, sem interesse com nada que não seja alguma vantagem para ser colhida dali a pouco - e o comportamento do ex-7, agora 10, se nos é mostrado como algo "normal", é porque todos os que lhe dão suporte não fazem diferente. Se merecem. Diga-me para quem torces, e eu te direi quem és, muchacho.

(Ah, sim: parabéns aos empresários do SPFC, que faturaram a Copinha SP com suas atuações decisivas sem entrar em campo. Aos outros, resta tentar uma vaguinha no time do Barueri para o próximo "Brasileirão".)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Ensaio sobre a prostituição: estamos mesmo falando de futebol?


O ano de 1996 foi fatídico para a história do futebol, pois ali se inaugurou (estruturalmente) a era em que o dinheiro é mais importante do que o jogo em si. Hoje, vemos um tipo de esporte absolutamente plastificado, que segue na marcha contrária às forças que o transformaram em uma paixão popular de proporções únicas.

E exatamente por ter sido arrancado do povo, os poucos que se encorajam para denunciar sua falência são os torcedores – aqueles que não estão ali para nada mais, além de viver essa paixão. Daí surge um (inevitável) inconveniente na luta contra esta nova ordem, pois poucos são os adeptos com mentalidade aguçada o suficiente para, temporariamente, abandonar o clubismo e se dedicar ao combate contra aquilo que está verdadeiramente matando os clubes, vendendo suas histórias e prostituindo suas celebrações. Não culpo totalmente aqueles que não o fazem – o torcedor é o que mais sofre, abre mão de outras coisas por ele, mesmo sendo (ou exatamente por ser) o que mais ama o futebol. As denúncias destes, geralmente, se limitam aos problemas e deficiências de seus times e de suas vidas como torcedores. Aqui no Brasil, as coisas são diferentes do que acontece lá fora. Raramente vemos algo como as torcidas italianas fizeram, quando um torcedor da Lazio fora morto por um disparo policial e todas as demais paralisaram seus jogos, protestando juntas por uma causa comum. Lamentavelmente, esta mentalidade ainda está engatinhando por aqui. Mesmo assim, é fato que a “mera” luta pelo clube e por si próprio já sufoca qualquer um. Aqui, igual lá, não são poucos os demônios que se enfrenta a partir dela: jogadores milionários que não conseguem mais ficar de pé em campo; preços astronômicos de ingressos para vê-los assim, enquanto o salário do torcedor comum não paga nem sua condução pública; abuso constante das autoridades; falta e distorção de informações por parte da mídia, que se limita a promover o “show do esporte” enquanto o que vemos é um festival de erros premeditados e decisões parciais, etc. São reivindicações justas e urgentes, sim, mas que representam “apenas” a ponta do iceberg chamado de futebol modernista. O exemplo inglês da “limpeza” nos estádios, os contratos “sujos” que se proliferam e ganham, através de sua banalização, a cara de “única saída possível”..., tudo isso, e muito mais, depende de uma resposta adequada dentro das quatro linhas. E a Gênesis da negação às ilegalidades cabe àqueles que, hoje, parecem muito bem domados pela fera moderna. Os primeiros guerreiros a dar a resposta correta contra o errado deveriam ser os jogadores – e sabemos que, com a classe moldada pelo individualismo como tem se mostrado a atual, dificilmente deles sairá uma solução a favor do coletivismo, imprescindível ao futebol. A fonte e garantia de sucesso de todas estas mudanças catalisadas a partir de 1996, é a morte do jogo em si. O que houve não foi um processo evolutivo e natural, como em diversas ocasiões viveu o futebol - e, vale lembrar, em nenhuma delas a paixão fora vendida, mesmo quando os envolvidos já ganhavam milhões por ano. A mais célebre mudança, talvez, tenha ocorrido entre o fim da década de 1960 e inicio da seguinte, simbolizada pela seleção holandesa, pelos laterais que avançavam, os ponteiros que marcavam e o desprendimento (quase que) definitivo ao espírito amador. Mudanças radicais para Zizinho, Di Stéfano ou Kopa, mas que não isolaram a arte do jogo: ainda viriam muitos Zicos, Kempes e Platinis para honrá-los e nos fazer delirar. O que estamos vendo nestes últimos anos é uma regressão, a substituição da técnica pela força estabanada, a regra da mediocridade servir de parâmetro e, claro, o silencio ditatorial imposto à massa. O clubismo pode cegá-la de tudo isso, ainda mais quando ela continua a carregar troféus de campeões, é bombardeada constantemente por contratações pirotécnicas – quem vai reclamar da única alegria que uma vida miserável lhes dá? Falar desta falência é seguir uma trilha solitária, tortuosa, porém necessária e gratificante. Para complexidade e polêmica, o melhor remédio é começar pelas bases.

Na verdade, seria preciso escrever um livro a respeito deste complexo tema, para expor todos os argumentos e explicitar os fatos. Mas alguns exemplos estão aí, bem visíveis a todos, e podem servir de pavio, explodindo o ódio necessário para engrossar o caldo anti mercantilista no futebol. Refiro-me à patética Copa SP para aspirantes, que outrora servia como um perfeito prato de entrada para as temporadas do futebol tupiniquim. Hoje retiro a expressão “aspirante”, visto que a boleiradinha, farejando dinheiro como rato fareja queijo, já se apresenta pronta, embalada e ensinada a se encaixar no protótipo do jogador moderno. Comprometimento com os clubes se vê raramente, nem mesmo quando exibem as novas comemorações da moda, enjoativas e plastificadas. Do coraçãozinho do Pato, ou a batida de homem-macaco no peito, como se dissessem “eu sou foda!” para as torcidas, mas que parecem muito mais direcionar a mensagem para eles mesmos. Logo vemos um sinal de quão desfigurado está o espírito do jogador, pois o futebol sempre abriu suas portas para todos: os vaidosos (Heleno de Freitas), os maloqueiros (Serginho Chulapa), os elegantes (P.R.Falcão), os malucos (César), os fanfarrões (Dadá), os religiosos (Muller), os politizados (Afonsinho), os favelados (Viola), os diplomados (Marcelo Djian), os doutorados (Sócrates), etc. Hoje, vemos um desfile dos vaidosos, escondidos atrás de seus carros luxuosos, seus celulares congestionados, seus cortes de cabelos iguais e suas máscaras de celebridades. Não importa se sua origem for pobre ou rica, se for preto ou branco; com o sucesso, todos vestem a mesma carapaça moderna e consumista. Não é só o torcedor que se depara com regras e limitações de suas atuações nos estádios; o jogador que não entra nesse perfil já sai, de cara, em desvantagem aos que o fazem - muitos por uma osmose, cuidadosamente elaborada, pelo meio de vida que absorve tudo, inclusive o futebol. E apesar de suas similaridades por fora, o senso coletivo parece totalmente cooptado pelo amor próprio, realçado pelas mil cores diferentes de chuteiras entre os 22 jogadores em campo. E quando a bola rola, o buraco parece sumir nas profundezas mundanas, porque com vaidade ou sem, não se vê nem sombra do futebol de um Heleno. Do ar puro à masmorra. O jogador de futebol é o que goza de maior liberdade, dentre todos os desportistas, de todas as modalidades já inventadas pelo homem e, também por isso, este esporte se tornou tão irresistível e acessível - qualquer um em campo podia correr em todas as direções, ficar o tempo que pudesse com a posse de bola e desfrutar de suas infinitas possibilidades. Hoje, o desenho do jogo está ficando quadrado, as movimentações e dribles repetitivos, pouco espontâneos e a liberdade parece ter sido enxugada à força. A autoridade exercida pelos árbitros tem um papel cada vez mais fundamental no decorrer das partidas, contrariando a qualidade mais bela que esta classe sempre teve: a da neutralidade e da “invisibilidade”. O melhor árbitro é aquele que não se vê em campo, nem se nota sua presença, e mesmo assim o jogo (conturbado ou tranqüilo) transcorre normalmente. Hoje, vemos um círculo vicioso, onde o jogador já sabe que basta se atirar, deliberadamente, ao solo para que a falta seja marcada e o jogo uma vez mais paralisado, tornando-se chato, medroso e lento; a arbitragem não se faz respeitar mais, é facilmente ludibriada pela intocável razão das opiniões dos investidores e não mexe um só dedo pra fazer cumprir a regra deste jogo viril por natureza - não por coincidência vivemos a era dos erros grosseiros inundando as jornadas semanalmente. Abdicados da paixão e obedientes as mudanças, eles marcam um pênalti atrás do outro em lances que não configurariam falta no golfe ou no críquete. As transmissões destas vagarosas partidas parecem aquelas da NBA, onde mais se via comerciais do que bola rolando, ou quicando, no caso. Vemos claramente, que nesta nova ordem reside um dos truques da mudança do jogo: é a autoridade ditando seu ritmo, apoiada nas milionárias jogadas de marketing, devidamente divulgadas pela mídia - como afirmou a Nike, “temos que dizer não ao carrinho”. Os cartões são distribuídos a qualquer um que desfira um deles, na bola ou não, e se o jogador “atingido” cair, gritar e olhar pro árbitro com cara de choro, pedindo sua resposta, a autoridade se faz presente, em lances constrangedores de se assistir. Não se pode mais questionar o árbitro em campo, não se vê mais jogador discutindo com eles – a nova geração sabe muito bem acatar suas estúpidas decisões de bico calado, porque senão, leva cartão também, como aquele golpe com a régua na palma da mão dos professores de outrora. Não se trata de combater jogo violento, coisa de que o futebol não precisa (pelo contrário, se alimenta dele). O negócio é padronizar o jogo, porque no descontrole emocional quem sabe vender são os ambulantes dos calçadões, não estas empresas polidas e educadas que mandam no futebol. Publicidade, planejamento e investimento se tornaram vitais para o futebol, assim como uma leva de homens engravatados especializados nestas questões.

E toda esta covarde passividade não vai, nunca, ser criticada pelos hilariantes homens dos microfones, porque suas emissoras fazem parte destas mesmas empresas – outro círculo vicioso e autoritário, pois não há mais um canal televisivo gozando de plena liberdade de expressão neste meio; ou você faz parte da turma, ou está fora de jogo! Não é coincidência que na última década, uma porção de “pára-quedistas” caiu no meio jornalístico esportivo. Entendedores natos de locução, humor, drama, culinária, estatísticas, qualquer coisa menos futebol. Porque é difícil convencer um Sílvio Luiz a se adaptar a estas mudanças, embora muitos, da mesma época e espírito, não suportam a pressão e embarcam na nova tendência, engordando suas contas bancárias. Indubitavelmente, eles concordam com todas as decisões dos árbitros e com todas as tentativas dos jogadores de parecerem espertos e bonitinhos na tela, mesmo quando discordam! Num jogo entre Vasco da Gama e um time de Sorocaba, pela Copa SP, assim que (azarado) coloquei no canal e o replay mostrava que o time do interior ganhara de presente um penal absolutamente inexistente, um dos “especialistas” afirmava: “não foi nada, mas foi mais do que o anotado para o Vasco da Gama, minutos atrás”. Faz-me-rir! Isto é como dizer que um político é menos corrupto por roubar menos do que outro, e ainda aplaudi-lo por isso. Imaginei o que poderia ter sido o outro lance então, talvez um sopro do marcador! E um segundo antes da cobrança, o “narrador” ainda gritava o nome da mãe do garoto, que seria homenageada no gol. O time dele ainda precisa de mais um tento para sobreviver na competição, mas o mancebo-propaganda de si mesmo correu até o lado de trás do arco para desferir seu merchandising na tela da câmera. Inaceitável chamar isso de amor, menos ainda concordar com tal “homenagem”, quando seu time depende do tempo que você gastou posando para o seu ego, enquanto seus torcedores e seu dever ficam em segundo lugar. Duvido que alguém, em sã consciência, queira um player com essa mentalidade no seu time. Isso acontece graças à nova ordem do futebol: quando alguém que trabalha no futebol (jogador, dirigente, cronista, árbitro, torcedor, etc) coloca um centímetro à frente de importância qualquer outra coisa, senão a paixão. Exatamente por ser uma atividade passional ao extremo, o futebol obriga seus atores a um comprometimento igual ao sexo. Se você estiver fazendo sexo, e pensar mais em outra coisa do que naquilo, dificilmente vai dar certo. A mídia sempre faz questão de incluir o sentimento apaixonado e emotivo nos comerciais, imprimindo na tela cenas que nem são possíveis de acontecer na vida real dos torcedores, como bandeiras e fogos (no caso aqui da terra de Capez, São Paulo, há mais de 14 anos). Mas na hora da verdade, de fazer acontecer, defendem o lado oposto, da razão monetária e “profissional”. A profissão do futebol tem em seus pilares a paixão incondicional, e qualquer um que não estiver assim envolvido, certamente está no lugar errado. Maior do que o respeito pela individualidade de cada homem que trabalha com a pelota tem de ser deles pela paixão e tradição dos clubes e torcidas. Há décadas que os jogadores sonham com a estabilidade financeira, mas foi a partir de meados de 1996 que esta máxima assumiu papel primordial (mesmo que por uma margem de “apenas” um centímetro) nos sonhos e decisões dos futebolistas. Por isso, a garotada voa para as câmeras, vendendo seus sorrisos, mesmo com seu time derrotado no placar. Que época doentia estão construindo!

Outro exemplo cristalino: a quantidade de defensores que, solenemente, isolam a bola pela linha de lado, sem ao menos tentar devolvê-la ao ataque, mesmo quando não estão pressionados pela marcação e outras opções estão disponíveis. Os estádios vinham à baixo quando isso acontecia – o que era raro – e o cidadão que demonstrassem tamanha falta de categoria, vestindo sua camiseta, virava alvo de pura fúria dos torcedores (na verdade, até mesmo os contrários eram achincalhados por isso, mesmo que seu time tivesse o direito à reposição lateral). O que se vê hoje, além do ridículo de comemorarem estes lances como se fossem gols, é a banalização desse declínio; alguns até o fazem com “elegância”, posando de um Miranda da vida, implorando aplausos do público e a atenção de algum “atento” olheiro do Milan, do Real Madrid ou do Chelsea. Portanto, a questão mais complexa (além de demonstrar o lado real dos fatos distorcidos através da televisão) é reagir ante esta atitude fracassada e consertar o defeito. O que mais vão esperar acontecer? Porque só está faltando que a bola fique quadrada e que o contato entre jogadores seja (definitiva e oficialmente) banido do futebol. A proporção e contingência têm vital importância em qualquer luta a ser travada, e são duros os caminhos pela frente. Para que o povo, unido, não seja vencido pelo veneno do futebol mercantilista é necessário que as massas acordem, e não aceitem pagar ingressos a ¼ do salário mínimo para ver seu time; ou que o façam, mas lá dentro do estádio reajam, protestem, demonstrem sua indignação. De qualquer jeito, há um sacrifício a ser cumprido, como se abríssemos mão da paixão para poder salvá-la. O futebol sempre foi (e assim o será) muito mais sobre ganhar ou perder um jogo, e sim como vivenciar os dois com dignidade, honra e mérito. Por isso os jogadores corriam desesperados, atrás da bola no fundo do arco, quando seus times estavam perdendo – porque se importavam, de verdade, com a torcida, com o clube ou (que fosse) com seu próprio orgulho, e não imagem. Um exemplo do outro lado da moeda se viu no início deste ano, no Uruguai, onde se realizou um torneio entre seleções juvenis. Brasil e México chegaram à decisão e árbitros locais, não credenciados pela FIFA, foram as autoridades em campo. Viu-se, ali, um sopro do que fazia a velha e boa escola, respeitando as regras, cobrando e fazendo pouco caso do afrescalhado melindre dos garotos. Não sei se a recente seqüência de derrotas dos amarelos para os mexicanos (na categoria profissional, incluso) adicionou mais tempero caliente. O fato é que, logo, os brazucas, mal acostumados com a "velha ordem", pareciam perdidos no gramado e os verdes saíram campeões. Os microfonados também pareciam incomodados com o que se passava, qualificando de “péssima arbitragem” aquela que, por hora e meia, me fez lembrar as que eu via por aqui nos estaduais de 1988, 1991 ou 1993 e que, ironicamente, não parece ter parado no tempo do futebol. Me senti profundamente incomodado quando, nos minutos finais, a transmissão fechou um (venenoso e nada subliminar) close no escudo da federação uruguaia, no peito do bandeirinha: “não se preocupem, consumidores da bola que estão a ver este estranho jogo. Isto não é futebol. É apenas futebol uruguaio!”, era a mensagem que jorrava. A ficção parecia realidade, com uma justificativa para aquilo que saiu de um lugar comum (podre, porém, muito lucrativo). Só que o futebol sempre foi o lugar para o incomum, o diferente, o inesperado; não há a necessidade de moldá-lo para vendê-lo, ele se vende por si só para aqueles que o colocam um centímetro à frente de qualquer outra coisa. E aí reside outro problema: como vender milhões num jogo, sem antes padronizá-lo, amansá-lo e torná-lo um jogo previsível e controlável? Bem amigos, estamos falando é de capitalismo, mercado, business! Como não suporto tal tema, volto correndo para nosso querido soccer.

Em janeiro de 1996 – meses antes do início do fim – o cineasta Walter Salles lançava o seu documentário “Todos os Corações do Mundo”, sobre a Copa dos Estados Unidos. Não sei se o diretor tem algum parentesco com Rubens Salles (histórico player do extinto Paulistano e autor do primeiro gol oficial da Seleção Brasileira, em 1914), mas a peça é tão genial que fez com que meu amigo Bury e eu – cheios de espinhas na cara – repetíssemos a jornada ao cinema para absorver a emoção daquela estória que (apenas) parecia ficção – com a arrepiante cena de Roberto Baggio encarando Romário no túnel dos vestiários, antes da decisão em L.A. A apaixonante obra serviu de inspiração para meu velho, que resolveu gravar todos os prélios do Mundial seguinte, para depois editá-los – como se fora uma versão caseira de “Todos os Corações...”. Não conseguiu lograr êxito nesta tarefa, mas, no fim das contas, seu ato não se mostrou inútil. Há anos que rever alguns matches dessa coleção serve como analgésico para minha dependência química ao futebol. Não que eu a abandonasse caso o futebol ainda me alegrasse, até porque em idos de 1992, por exemplo, eu passava horas revendo tapes antigos e curtia em igual o que se passava ao vivo. Nunca vou me cansar da genialidade de Brian Laudrup, Dennis Bergkamp, Lothar Matthaus ou Dragan Stojkovic. As diferenças técnicas entre o que mostram estes VT’s e os embates de hoje chegam a ser assustadoras – mesmo para quem acompanhou todo o processo degradatório (da arte pelo dinheiro). Aquela foi a derradeira geração que não colocava um centímetro à frente da bola e, por isso, eu os saúdo! Ali estavam jogadores que disputaram copas na década de 1980, assim como a fantástica geração da ex-Iugoslávia, a Argentina de “huevos e locura”, a Alemanha que dava medo (menos para os croatas, na ocasião, claro), enfim, ali estão aqueles que honraram Zicos, Kempes e Platinis e que podiam fazer você sonhar. Ainda que, pessoalmente, já estivesse há dois anos sentindo o veneno da nova ordem, ela ainda rastejava pelos becos e não tinha força suficiente para derrubar a magia de um Mundial – até que o tempo, a sedução das propagandas e a manutenção da alienação das massas nos empurrasse até o (mais do que) esquecível mundial seguinte. Claro que para quem tinha acompanhado a Copa do México (1986), o nível ali já não era o mesmo, muito menos para aqueles de mais experiência, de tempos mais longínquos ainda: “a FIFA deveria rever a decisão de aumentar para 32 times na Copa do Mundo, porque o nível de alguns jogos está muito baixo”, assim falou Casagrande no início do match entre Dinamarca e África do Sul. Ele estava mais do que certo, os sinais estavam piscando um vermelho satânico e parece que pouca gente deu ouvido ao velho Casão. Num casual encontro em Congonhas, em 2004, o avante da democracia corintiana demonstrou toda sua inquietação em relação ao uniforme todo branco de seu ex-time (“aquilo é o Santos, não o Corinthians!”) – imagino a opinião dele aos fardamentos que estão usando hoje! Eu sabia que questões contratuais impediam o jornalista Casagrande de dizer para o público o que o cidadão (em carne, osso e alma) havia me confidenciado. Esta censura às opiniões no futebol é fruto da nova ordem, e aos que são calados à força (como o Casão e os verdadeiros aficionados sabem) resta seguir a trilha angustiante, onde somos nós contra o mundo, realmente. E não é mais apenas sobre futebol esta luta. O futebol segue as tendências da vida, certo? Pode ser, mas ele se manteve intacto em sua essência, mesmo ao atravessar Guerras Mundiais, Frias e as da fome: ser "do povo e para o povo", teoria cada vez mais distante da prática, nos campos dos cinco continentes. A chata e enfadonha “tendência” do mundo pós Nostradamus é vender a arte (além dos produtos primários, secundários e terciários) pelas ondas cibernéticas, viver numa única aldeia que prefere varrer seus problemas para debaixo do tapete a isolar o que fere a moral dos homens, que anseia os mesmos gostos, desejos, sons, programas televisivos, sonhos, medos, grifes, o desejo de se tornar (a qualquer custo) uma celebridade e produzir uma imagem que tenha valor através destas ondas e não da realidade – tudo com a marca do “sonho americano”, que venceu seu maior rival há vinte anos e reina sozinho a raça que não pára de se destruir. Para isso, o futebol ainda não encontrou antídoto que garanta sua sobrevivência e se encontra carente de resistência patológica, fazendo sangrar os pobres torcedores que, estúpidos, ainda se apaixonam pelo seu vício. E não serão os novos Dátolos, Robinhos e Cristianos Ronaldos que carregarão os espíritos gloriosos de Riquelmes, Rivaldos e Hagis. No fim, o que eles carregam é muito mais sobre qualquer coisa, menos futebol. Aguanten!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O medo é a chave

Por incrível que pareça, garanto que não sou eu o culpado pela repetição desta data. Mas foi no catastrófico ano de 1996 que eu vi pela primeira vez um time de futebol reter a bola num dos cantos do campo, para garantir um título sem jogar futebol e, pior, impondo a covardia ao mesmo – no caso, as garotas dos Estados Unidos, nas Olimpíadas de Atlanta. Foram quase cinco insuportáveis e ininterruptos minutos onde meu espírito se encheu de ódio, porque era claro que aquilo vigoraria, e nem sequer deveria existir – como muitas outras sombrias novidades viriam a partir dali. A covardia reina no mundo do futebol. Antes o que contava era a superação, a força, valentia e o espírito de grupo; hoje, isso foi alterado para o medo, a fraqueza, a choradeira e o individualismo. Os vícios relacionados ao futebol modernista são de ordem do segundo grupo. Em pleno ano de Copa do Mundo, o "país do futebol" abarrota seus campos com elementos técnicos de jogo de envergonhar quem viu Márcio Bittencourt, Pintado e Carlinhos jogar. Com a devida complacência dos árbitros e corroboração dos microfonados, algumas cenas já passaram de qualquer limite imaginável.

Uma delas é o artifício da “paradinha” nas cobranças dos penais. Tornou-se quase que regra recorrer a ela, inclusive por celebrados e consagrados “craques”, como fez Fred neste domingo para vencer o goleiro banguense. Antes de pensar em enfiar o pé na bola, ou colocá-la com maestria no ângulo, ou no canto do arco, a grande maioria adota o recurso – que deveria ser exclusivo de situações emergenciais – como garantia de sucesso frente a um arqueiro já batido de ante-mão e que ainda serve de cereja no bolo para os circenses programas televisivos de baixa categoria, como o tal de “É Gol”, do SporTV. Demonstrar tamanha falta de confiança sempre foi um sinal negativo para um player. Hoje, sempre há um jeito de mascarar estas deficiências através do espetáculo. Outra coisa insuportável é a proteção da bola feita por defensores numa disputa perto da linha de fundo. Também assimilada como melhor saída, o que se vê na verdade é uma obstrução clamorosa dos que estão com a bola à frente. Não importa se o atleta de trás complete um círculo em volta do marcador, este segue a sombra do adversário, impedindo-o, assim, de qualquer movimentação, de jogar. Os zagueiros nestes momentos parecem se esquecer da própria pelota, abrindo os braços para impedir os contrários de alcançá-la. Em praticamente todas estas situações, o árbitro anota falta daquele que continuou jogando pela bola, e privilegia o infrator, porque a ordem de hoje é anular a raça, o suor e a loucura de quem não desiste. Claro que todas estas decisões coincidem com a covardia dos microfonados que se utilizam de expressões pífias como “tentou forçar a passagem”, ou “empurrou claramente com os dois braços” para justificá-las. São vários outros elementos que escancaram o apodrecimento da luta e o engrandecimento do medo em campo e (garanto, porque acompanhei o nascimento destes vícios) não existiam na época em que dividida se ganhava com os ombros – para o deleite das torcidas - e os pênaltis se convertiam com o “fuego”, que citou o “Kaiser” Passarella.

Quando fica evidente que a covardia é uma das chaves mestres para o sucesso no futebol, você passa a não se surpreender mais quando um atleta mega milionário, paparicado, que há anos a fio vem pipocando frente aos desafios mais duros, já recebe a benção de todos para que volte à Seleção Brasileira, depois de “humilhar” o “lanterna” de um campeonato. Um jogo, uma imagem, mais uma ressurreição – em nome do lucro, nunca da arte. Jogadores de futebol, seguindo o exemplo “vitorioso” das norte-americanas, e de seus ídolos mimados, não conseguem mais superar o adversário com a dedicação e capacidade; mais fácil do que isso é usar as vias corruptíveis e deformadas que a nova ordem criou. E como este é um processo que se intensifica sem parar, fiquemos atentos, pois pode ser que amanhã mesmo mais uma novidade faça sacudir o esqueleto de Charles Miller lá embaixo.

PS: o tal de Grêmio Barueri já estreou na sua “nova casa”, e o estádio “ultramoderno” que ainda levantam na sua ex-cidade natal deve servir, então, como o castelo do deputado Edmar Moreira, em Minas Gerais. E na camiseta, em meio às dezenas de propagandas, um desenho de um coração com os dizeres: “Obrigado Presidente Prudente”. Faz-me-rir! Aos que ainda levam a sério o futebol, deixem seus nomes nos recados que eu acendo uma vela por suas almas.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O bom, o mau e o feio

Quando Johann Cruijff pendurou as chuteiras, no início da década de 1980, dividia o meio campo do Feyenoord com o jovem craque Ruud Gullit – que, no fim de sua carreira, comentou emocionado sobre a temporada em que pode jogar ao lado de um ídolo genial, e o quanto ele pode aprender com ele. Agora que o mestre Giovanni voltou (e sem um Luxa da vida para pentelhar nosso saco), podemos rever um pouco do futebol que se foi. Logo na estréia, o maior craque do Barça-96/97 (empatado com Stoichkov, ok?) já deixou sua marca, numa jogada de habitual categoria e visão de jogo, habilitando para marcar o terceiro ponto santista seu pupilo P. Henrique (também do Pará, trazido por Giovanni para o Peixe e que, no nível atual, se coloca acima da média como jogador). Mesmo que por poucos instantes e citando a marcante frase do baixinho Romário, “hoje ‘tá mó baba jogar mermão!”, foi bom rever futebol, do jeito que o povo gosta! Necessitamos dessa dose de nostalgia, como afirmou Bury.

Então, o Wagner Love se mandou para o Mengão, para o calor do Rio, longe da frieza paulistana e dos atritos que aqui viveu. Depois de toda aquela novela (incluindo o enfadonho capítulo em que chegou a vestir a camiseta do maior rival), o avante voltou ao Palmeiras para ali ficar menos do que um ano, de muito amor e ódio. Ouvir, ainda no final do ano passado, uma figura da Traffic (que representa o atleta) dizer que não “havia mais clima para Wagner jogar pelo Palmeiras” me fez pensar. Então, os protestos sobre a qualidade do avante eram justos – como foram feitos, o nível de violência, tudo isso me parece mais um caso policial nesse momento. O futebol de Love justificou isso e sua saída, seu abandono do barco, mesmo com os “piratas malvados” atrás das grades, também deixou límpido o caráter do jogador e seu desleixo para com os torcedores (estes que são qualificados pela mídia de “apaixonados e contra violência”, e muitos deles podemos chamar de meros consumidores das novas marcas chamadas ainda de clubes). Estes, que ainda o queriam no time pelas qualidades que já demonstrou certa vez, foram tratados como trouxas no final da novelinha. Por que não ficar e provar para os “piratas”, os vândalos, que eles estavam errados e que ele merecia vestir a nove de Evair e César Maluco? Porque é muito mais fácil se mandar para a maravilhosa cidade olímpica, onde um duradouro “império de amor” o aguarda – pelo menos, até que uma possível queda na Libertadores faça acordar novos piratas, desses que estão “acabando com a magia do futebol”. O mau exemplo aí está, transvestido de comércio ambulante.

E o feio? O feio é ver futebol hoje em dia, puta que o pariu! Perder tempo assistindo campeonatos europeus, onde todos jogam a mesma coisa, e nenhum agrada. Lágrimas pesadas pelo legado que estão prostituindo eu derrubo. Aguante!

O mundo maravilhoso dos VTs

Não resta dúvida de que o sujeito disputou uma bela partida ante o Siena nesse final de semana... Mas, cá entre nós: uma pessoa que ganha mais de um milhão de euros por mês (fora as inacreditáveis cotas de patrocínio), que possui as mais nababescas condições de trabalho, veste a camisa de um dos maiores (senão o maior) clubes da Terra, é festejado como um dos grandes da história (sim, já vi listas que o colocam entre os principais jogadores de todos os tempos - e uma delas até David Beckham tinha, veja só a que ponto baixo chegaram os nossos "especialistas") e que a cada dia torna-se a aposta de todos, até mesmo entre os leigos, para trazer um pouco de brilho à seleção das Teixeiretes na Copa de 2010, não possui mais do que a obrigação (contratual e moral) de apresentar um bom futebol ante o lanterninha do campeonato. Aliás, não só isso: quem possui o que foi listado no início desse parágrafo deveria pegar um adversário fraco e esmigalhá-lo, mastigá-lo, transformá-lo em cinzas sem a menor piedade. Será que a inversão perpetrada pelo futebol moderninho permite que seus principais artífices exibam a classe que todos alardeiam aos quatro ventos tal pessoa possuir somente quando participam de jogos sem grande expressão, para, assim, serem consagrados com maior facilidade? Será que a situação dos "ídolos" encontra-se tão desesperadora que não se exige mais deles a superação de percalços, e sim glorifica-se a esse ponto chutar cachorro morto? Porquê o cara é incensado quando faz isso, e não é cobrado como deveria quando nega fogo em coisa importante? Quanta covardia... Estamos, ainda, no aguardo de uma boa exibição (veja bem você, pede-se apenas uma "boa" exibição, não mais o desequilíbrio, não mais a fenomenal atuação) contra um (um, só UM!) adversário de maior envergadura, para que consideremos tal jogador "reabilitado" para o esporte.

Mas, enquanto isso não acontece, nossos queridos narradores fazem a sua parte. O do Esporte Interativo (até hoje não sei o nome do cara, melhor assim) sempre traz algo a se destacar: sua gritaria histérica quando do quarto gol do Milan no domingo foi algo para entrar (pelos fundos, aos safanões com o segurança) na história de nossa crônica futebolística. Foi coisa de constranger, o escândalo que o cara fez. Senso de ridículo zero. Os antigos cronistas (os que vale a pena lembrar, claro) ajudavam a abrilhantar os eventos com suas palavras e voz; os de hoje querem arrancar a fórceps alguma emoção do que transmitem, mesmo que o mostrado não seja nada inspirador - e, quando não o conseguem, descambam para a patifaria explícita, chegando ao ponto até mesmo de falsear com seu discurso o que acontece em campo, como se o espectador não soubesse diferenciar o que vê do que ouve. Menos, rapaziada, menos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Alguma coisa está fora da ordem


Um dia, já tão longínquo quanto a extinção dos dinossauros ou a descoberta do fogo, Manoel Francisco dos Santos, o popular Mané Garincha, disse que encarava o seu adversário como um João qualquer. Era uma época na qual o star system do futebol não era tão predatório (apesar de, claro, existiam as incontestáveis estrelas do esporte, afinal nem todos nasceram com o talento de um Garrincha, de um Schiaffino ou de um Puskas); e tal frase, para longe de denotar ingenuidade, mostra que o negócio do nosso maior extrema-direita era a objetividade do jogo, era fazer a bola rolar, pouco importando o adversário que se interpusesse entre ele e a linha de fundo. Status, fama, dinheiro, cartazes, patrocínio, foto em jornal - isso não significava absolutamente nada quando dos confrontos face a face. O contrário também via as coisas de semelhante maneira: não importa se marcarei Garrincha ou o ponta da seleção de Aconcágua; o farei como se ambos fossem a mesma pessoa. O compromisso era com o futebol e com a equipe pela qual suava o brasão - simples, nada mais do que isso. Hombridade em primeiro lugar, e pronto. Morto em 1983, o das pernas tortas não ficou entre nós para ver os zagueiros modernos transformados, definitivamente, sem qualquer pudor e por vontade própria, em verdadeiros "joões" do Cirque du Soleil futebolístico. Hoje, os da retaguarda agem como completos idiotas quando enfrentam uma "estrela": se amedrontam, evitam o corpo-a-corpo, querem distância da responsabilidade de anular aquele que têm como ídolo (vez ou outra, a própria torcida exige isso, veja a bizarria!). No fim da peleja, trocam de camisa com indisfarçável emoção, e até mesmo batem uma "fotinho" com a pessoa que, ali dentro do campo, acabou de tratá-lo como o lixo ignóbil que tal postura faz crer que ele realmente seja. E, enquanto o "mito" vai ao vestiário sem tomar conhecimento de quem acabou de enfrentar, seu oponente, humilhado como profissional e como ser humano, se contenta em levar para casa algumas lembrancinhas para filhos e netos. Mané, um amargo visionário.

E a Copa SP dos Empresários de Futebol segue a todo vapor... São 548392 times participantes, e o prêmio principal vai para o manager que conseguir encaixar mais atletas em times "grandes" - e depois, claro, coroar seu êxito ao exportar "talentos" para a Europa. Antes, o craque que ia ao Velho Mundo era negociado a preço de banana; hoje, são jogadores-banana os que são vendidos por verdadeiras fábulas. A equação se inverteu - e os deslumbrados pibes fazem a sua parte: comemoram os gols para a câmera de TV. Quem sabe não aparecem no Globo Esporte? Isso incrementa depois o DVD que o cappo produzirá, para mostrar a potenciais empregadores, os "melhores lances" do pupilo que fará sangrar até as derradeiras gotas. Ou cairia melhor um clipezinho no YouTube, como fizeram os assessores de Neymar para empurrá-lo ao Milan, ano passado? Você escolhe.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A luxúria está mandando no mundo

Um ano termina, e o outro começa - mas é como se nada disso tivesse acontecido. Certo, eu sei que esse negócio de dividir o tempo em anos é apenas uma ilusão; mas, ao menos, utilizamos o Reveillón para marcar uma "nova" etapa nas nossas vidas, dar uma respirada funda em um ar que parece cheio de frescor, deixar de lado o pesado acúmulo de dias cinzentos para darmos a largada em algo que promete (ao menos, no início) ser muito melhor do que o já vivido. Só que, se nos deixamos possuir pela boa ingenuidade dessa idéia, o mundinho dourado do futebol vem para demolir nossas ilusões. Tudo continua podre no reino na bola - e, pior, continua nos chegando maquiado como mercadoria de primeira.

Tirando as engraçadas porquê patéticas negociações de clubes brasileiros, que contratam mal como há muito não se via, a egomania toma conta dos noticiários. Duas declarações, em especial, me chamaram a atenção: a primeira, claro, a de Roberto Carlos, novo lateral do "estrelado" time (ou melhor, da "marca", já que tudo ali parece mesmo embalado à vácuo para consumo imediato) do Corinthians, que mandou, em sua hollywoodiana apresentação no Parque São Jorge: "Vim para ganhar a Libertadores, pois é um título que ainda não tenho". Os urros da platéia foram imediatos: quem lá compareceu parece ter entendido que o jogador queria faturar a competição continental por e para todos que ali estavam para celebrá-lo; mas Roberto, este orgulhoso decano do "eu futebol clube", mostrou que continua o mesmo de sempre, ao colocar seu currículo, e também a sua satisfação pessoal, à frente do tão acalentado projeto Tóquio alvinegro. A vaidade do "ala" mostrou-se maior que o próprio circo armado no gramado da Fazendinha - e você acha que os seis mil analfabetos funcionais que lá foram pular se importam com isso? Se ganhar o título, pode dizer e fazer o que quiser. Assim é em seus empregos também: os patrões e superiores imediatos estão liberados para deitar e rolar com um festival de desmandos e ordens absurdas, contanto que o salário pingue em sua conta no dia certo e sem alterações. "Melhor do que nada", eles costumam dizer. E nem pelo time que torcem, algo que poderia servir como o escape de ao menos alguma raiva genuína dessa asfixiante realidade cotidiana, eles conseguem sair de sua lamentável inércia. Pois é: melhor do que nada.

E claro que ele, a grande paquita, o modelo-manequim-ator-apresentador-jogador, Cristiano Ronaldo, não poderia deixar de aprontar uma. Desta feita, ele disse que seu plano é transformar-se no maior de todos. “Tenho a ambição de chegar a ser o melhor jogador da história”, afirmou o paquitão. Bom, delírios todos nós temos, em maior ou menor grau - o que impressiona em tal declaração é como o mundo extra-futebol trabalha a cabeça dessa gente que hoje veste a camisa dos colossos europeus. As bolas de ouro francesas, os prêmios da FIFA, o valor milionário do passe, os puxa-sacos na imprensa e na cartolagem, a Paris Hilton, tudo incutiu na cabecinha de noz de Ronaldo que ele pode ser o maior que já existiu. Veja que ele não se baseia no que faz em campo: o sujeito está num estágio além disso, ultimamente. São os dólares contabilizados e as aparições nas colunas de fofoca que fazem a diferença aí. Ele cresceu tanto como produto de consumo que passou a acreditar somente no céu como limite. O futebol fica em segundo plano quando o aparato midiático está a favor do cara - e, se fizerem uma dessas estúpidas votações via Internet, facilmente corruptíveis, os analfabetos funcionais citados aí em cima podem, sim, eleger o 7 lusitano como o Deus do esporte mais popular da Terra. Pelo visto, os fãs de Ronaldo, impressionados com o dinheiro que ele ganha e com as mulheres que ele come, tem um cérebro tão limítrofe quanto o do próprio ídolo.

E, agora mesmo, vejo um jogador da Copa São Paulo comemorar dois de seus gols para a câmera de TV... É, a luz no fim do túnel está, a cada momento, mais distante. Um bom 2010 a todos.