O ano de 1996 foi fatídico para a história do futebol, pois ali se inaugurou (estruturalmente) a era em que o dinheiro é mais importante do que o jogo em si. Hoje, vemos um tipo de esporte absolutamente plastificado, que segue na marcha contrária às forças que o transformaram em uma paixão popular de proporções únicas.
E exatamente por ter sido arrancado do povo, os poucos que se encorajam para denunciar sua falência são os torcedores – aqueles que não estão ali para nada mais, além de viver essa paixão. Daí surge um (inevitável) inconveniente na luta contra esta nova ordem, pois poucos são os adeptos com mentalidade aguçada o suficiente para, temporariamente, abandonar o clubismo e se dedicar ao combate contra aquilo que está verdadeiramente matando os clubes, vendendo suas histórias e prostituindo suas celebrações. Não culpo totalmente aqueles que não o fazem – o torcedor é o que mais sofre, abre mão de outras coisas por ele, mesmo sendo (ou exatamente por ser) o que mais ama o futebol. As denúncias destes, geralmente, se limitam aos problemas e deficiências de seus times e de suas vidas como torcedores. Aqui no Brasil, as coisas são diferentes do que acontece lá fora. Raramente vemos algo como as torcidas italianas fizeram, quando um torcedor da Lazio fora morto por um disparo policial e todas as demais paralisaram seus jogos, protestando juntas por uma causa comum. Lamentavelmente, esta mentalidade ainda está engatinhando por aqui. Mesmo assim, é fato que a “mera” luta pelo clube e por si próprio já sufoca qualquer um. Aqui, igual lá, não são poucos os demônios que se enfrenta a partir dela: jogadores milionários que não conseguem mais ficar de pé em campo; preços astronômicos de ingressos para vê-los assim, enquanto o salário do torcedor comum não paga nem sua condução pública; abuso constante das autoridades; falta e distorção de informações por parte da mídia, que se limita a promover o “show do esporte” enquanto o que vemos é um festival de erros premeditados e decisões parciais, etc. São reivindicações justas e urgentes, sim, mas que representam “apenas” a ponta do iceberg chamado de futebol modernista. O exemplo inglês da “limpeza” nos estádios, os contratos “sujos” que se proliferam e ganham, através de sua banalização, a cara de “única saída possível”..., tudo isso, e muito mais, depende de uma resposta adequada dentro das quatro linhas. E a Gênesis da negação às ilegalidades cabe àqueles que, hoje, parecem muito bem domados pela fera moderna. Os primeiros guerreiros a dar a resposta correta contra o errado deveriam ser os jogadores – e sabemos que, com a classe moldada pelo individualismo como tem se mostrado a atual, dificilmente deles sairá uma solução a favor do coletivismo, imprescindível ao futebol. A fonte e garantia de sucesso de todas estas mudanças catalisadas a partir de 1996, é a morte do jogo em si. O que houve não foi um processo evolutivo e natural, como em diversas ocasiões viveu o futebol - e, vale lembrar, em nenhuma delas a paixão fora vendida, mesmo quando os envolvidos já ganhavam milhões por ano. A mais célebre mudança, talvez, tenha ocorrido entre o fim da década de 1960 e inicio da seguinte, simbolizada pela seleção holandesa, pelos laterais que avançavam, os ponteiros que marcavam e o desprendimento (quase que) definitivo ao espírito amador. Mudanças radicais para Zizinho, Di Stéfano ou Kopa, mas que não isolaram a arte do jogo: ainda viriam muitos Zicos, Kempes e Platinis para honrá-los e nos fazer delirar. O que estamos vendo nestes últimos anos é uma regressão, a substituição da técnica pela força estabanada, a regra da mediocridade servir de parâmetro e, claro, o silencio ditatorial imposto à massa. O clubismo pode cegá-la de tudo isso, ainda mais quando ela continua a carregar troféus de campeões, é bombardeada constantemente por contratações pirotécnicas – quem vai reclamar da única alegria que uma vida miserável lhes dá? Falar desta falência é seguir uma trilha solitária, tortuosa, porém necessária e gratificante. Para complexidade e polêmica, o melhor remédio é começar pelas bases.
Na verdade, seria preciso escrever um livro a respeito deste complexo tema, para expor todos os argumentos e explicitar os fatos. Mas alguns exemplos estão aí, bem visíveis a todos, e podem servir de pavio, explodindo o ódio necessário para engrossar o caldo anti mercantilista no futebol. Refiro-me à patética Copa SP para aspirantes, que outrora servia como um perfeito prato de entrada para as temporadas do futebol tupiniquim. Hoje retiro a expressão “aspirante”, visto que a boleiradinha, farejando dinheiro como rato fareja queijo, já se apresenta pronta, embalada e ensinada a se encaixar no protótipo do jogador moderno. Comprometimento com os clubes se vê raramente, nem mesmo quando exibem as novas comemorações da moda, enjoativas e plastificadas. Do coraçãozinho do Pato, ou a batida de homem-macaco no peito, como se dissessem “eu sou foda!” para as torcidas, mas que parecem muito mais direcionar a mensagem para eles mesmos. Logo vemos um sinal de quão desfigurado está o espírito do jogador, pois o futebol sempre abriu suas portas para todos: os vaidosos (Heleno de Freitas), os maloqueiros (Serginho Chulapa), os elegantes (P.R.Falcão), os malucos (César), os fanfarrões (Dadá), os religiosos (Muller), os politizados (Afonsinho), os favelados (Viola), os diplomados (Marcelo Djian), os doutorados (Sócrates), etc. Hoje, vemos um desfile dos vaidosos, escondidos atrás de seus carros luxuosos, seus celulares congestionados, seus cortes de cabelos iguais e suas máscaras de celebridades. Não importa se sua origem for pobre ou rica, se for preto ou branco; com o sucesso, todos vestem a mesma carapaça moderna e consumista. Não é só o torcedor que se depara com regras e limitações de suas atuações nos estádios; o jogador que não entra nesse perfil já sai, de cara, em desvantagem aos que o fazem - muitos por uma osmose, cuidadosamente elaborada, pelo meio de vida que absorve tudo, inclusive o futebol. E apesar de suas similaridades por fora, o senso coletivo parece totalmente cooptado pelo amor próprio, realçado pelas mil cores diferentes de chuteiras entre os 22 jogadores em campo. E quando a bola rola, o buraco parece sumir nas profundezas mundanas, porque com vaidade ou sem, não se vê nem sombra do futebol de um Heleno. Do ar puro à masmorra. O jogador de futebol é o que goza de maior liberdade, dentre todos os desportistas, de todas as modalidades já inventadas pelo homem e, também por isso, este esporte se tornou tão irresistível e acessível - qualquer um em campo podia correr em todas as direções, ficar o tempo que pudesse com a posse de bola e desfrutar de suas infinitas possibilidades. Hoje, o desenho do jogo está ficando quadrado, as movimentações e dribles repetitivos, pouco espontâneos e a liberdade parece ter sido enxugada à força. A autoridade exercida pelos árbitros tem um papel cada vez mais fundamental no decorrer das partidas, contrariando a qualidade mais bela que esta classe sempre teve: a da neutralidade e da “invisibilidade”. O melhor árbitro é aquele que não se vê em campo, nem se nota sua presença, e mesmo assim o jogo (conturbado ou tranqüilo) transcorre normalmente. Hoje, vemos um círculo vicioso, onde o jogador já sabe que basta se atirar, deliberadamente, ao solo para que a falta seja marcada e o jogo uma vez mais paralisado, tornando-se chato, medroso e lento; a arbitragem não se faz respeitar mais, é facilmente ludibriada pela intocável razão das opiniões dos investidores e não mexe um só dedo pra fazer cumprir a regra deste jogo viril por natureza - não por coincidência vivemos a era dos erros grosseiros inundando as jornadas semanalmente. Abdicados da paixão e obedientes as mudanças, eles marcam um pênalti atrás do outro em lances que não configurariam falta no golfe ou no críquete. As transmissões destas vagarosas partidas parecem aquelas da NBA, onde mais se via comerciais do que bola rolando, ou quicando, no caso. Vemos claramente, que nesta nova ordem reside um dos truques da mudança do jogo: é a autoridade ditando seu ritmo, apoiada nas milionárias jogadas de marketing, devidamente divulgadas pela mídia - como afirmou a Nike, “temos que dizer não ao carrinho”. Os cartões são distribuídos a qualquer um que desfira um deles, na bola ou não, e se o jogador “atingido” cair, gritar e olhar pro árbitro com cara de choro, pedindo sua resposta, a autoridade se faz presente, em lances constrangedores de se assistir. Não se pode mais questionar o árbitro em campo, não se vê mais jogador discutindo com eles – a nova geração sabe muito bem acatar suas estúpidas decisões de bico calado, porque senão, leva cartão também, como aquele golpe com a régua na palma da mão dos professores de outrora. Não se trata de combater jogo violento, coisa de que o futebol não precisa (pelo contrário, se alimenta dele). O negócio é padronizar o jogo, porque no descontrole emocional quem sabe vender são os ambulantes dos calçadões, não estas empresas polidas e educadas que mandam no futebol. Publicidade, planejamento e investimento se tornaram vitais para o futebol, assim como uma leva de homens engravatados especializados nestas questões.
E toda esta covarde passividade não vai, nunca, ser criticada pelos hilariantes homens dos microfones, porque suas emissoras fazem parte destas mesmas empresas – outro círculo vicioso e autoritário, pois não há mais um canal televisivo gozando de plena liberdade de expressão neste meio; ou você faz parte da turma, ou está fora de jogo! Não é coincidência que na última década, uma porção de “pára-quedistas” caiu no meio jornalístico esportivo. Entendedores natos de locução, humor, drama, culinária, estatísticas, qualquer coisa menos futebol. Porque é difícil convencer um Sílvio Luiz a se adaptar a estas mudanças, embora muitos, da mesma época e espírito, não suportam a pressão e embarcam na nova tendência, engordando suas contas bancárias. Indubitavelmente, eles concordam com todas as decisões dos árbitros e com todas as tentativas dos jogadores de parecerem espertos e bonitinhos na tela, mesmo quando discordam! Num jogo entre Vasco da Gama e um time de Sorocaba, pela Copa SP, assim que (azarado) coloquei no canal e o replay mostrava que o time do interior ganhara de presente um penal absolutamente inexistente, um dos “especialistas” afirmava: “não foi nada, mas foi mais do que o anotado para o Vasco da Gama, minutos atrás”. Faz-me-rir! Isto é como dizer que um político é menos corrupto por roubar menos do que outro, e ainda aplaudi-lo por isso. Imaginei o que poderia ter sido o outro lance então, talvez um sopro do marcador! E um segundo antes da cobrança, o “narrador” ainda gritava o nome da mãe do garoto, que seria homenageada no gol. O time dele ainda precisa de mais um tento para sobreviver na competição, mas o mancebo-propaganda de si mesmo correu até o lado de trás do arco para desferir seu merchandising na tela da câmera. Inaceitável chamar isso de amor, menos ainda concordar com tal “homenagem”, quando seu time depende do tempo que você gastou posando para o seu ego, enquanto seus torcedores e seu dever ficam em segundo lugar. Duvido que alguém, em sã consciência, queira um player com essa mentalidade no seu time. Isso acontece graças à nova ordem do futebol: quando alguém que trabalha no futebol (jogador, dirigente, cronista, árbitro, torcedor, etc) coloca um centímetro à frente de importância qualquer outra coisa, senão a paixão. Exatamente por ser uma atividade passional ao extremo, o futebol obriga seus atores a um comprometimento igual ao sexo. Se você estiver fazendo sexo, e pensar mais em outra coisa do que naquilo, dificilmente vai dar certo. A mídia sempre faz questão de incluir o sentimento apaixonado e emotivo nos comerciais, imprimindo na tela cenas que nem são possíveis de acontecer na vida real dos torcedores, como bandeiras e fogos (no caso aqui da terra de Capez, São Paulo, há mais de 14 anos). Mas na hora da verdade, de fazer acontecer, defendem o lado oposto, da razão monetária e “profissional”. A profissão do futebol tem em seus pilares a paixão incondicional, e qualquer um que não estiver assim envolvido, certamente está no lugar errado. Maior do que o respeito pela individualidade de cada homem que trabalha com a pelota tem de ser deles pela paixão e tradição dos clubes e torcidas. Há décadas que os jogadores sonham com a estabilidade financeira, mas foi a partir de meados de 1996 que esta máxima assumiu papel primordial (mesmo que por uma margem de “apenas” um centímetro) nos sonhos e decisões dos futebolistas. Por isso, a garotada voa para as câmeras, vendendo seus sorrisos, mesmo com seu time derrotado no placar. Que época doentia estão construindo!
Outro exemplo cristalino: a quantidade de defensores que, solenemente, isolam a bola pela linha de lado, sem ao menos tentar devolvê-la ao ataque, mesmo quando não estão pressionados pela marcação e outras opções estão disponíveis. Os estádios vinham à baixo quando isso acontecia – o que era raro – e o cidadão que demonstrassem tamanha falta de categoria, vestindo sua camiseta, virava alvo de pura fúria dos torcedores (na verdade, até mesmo os contrários eram achincalhados por isso, mesmo que seu time tivesse o direito à reposição lateral). O que se vê hoje, além do ridículo de comemorarem estes lances como se fossem gols, é a banalização desse declínio; alguns até o fazem com “elegância”, posando de um Miranda da vida, implorando aplausos do público e a atenção de algum “atento” olheiro do Milan, do Real Madrid ou do Chelsea. Portanto, a questão mais complexa (além de demonstrar o lado real dos fatos distorcidos através da televisão) é reagir ante esta atitude fracassada e consertar o defeito. O que mais vão esperar acontecer? Porque só está faltando que a bola fique quadrada e que o contato entre jogadores seja (definitiva e oficialmente) banido do futebol. A proporção e contingência têm vital importância em qualquer luta a ser travada, e são duros os caminhos pela frente. Para que o povo, unido, não seja vencido pelo veneno do futebol mercantilista é necessário que as massas acordem, e não aceitem pagar ingressos a ¼ do salário mínimo para ver seu time; ou que o façam, mas lá dentro do estádio reajam, protestem, demonstrem sua indignação. De qualquer jeito, há um sacrifício a ser cumprido, como se abríssemos mão da paixão para poder salvá-la. O futebol sempre foi (e assim o será) muito mais sobre ganhar ou perder um jogo, e sim como vivenciar os dois com dignidade, honra e mérito. Por isso os jogadores corriam desesperados, atrás da bola no fundo do arco, quando seus times estavam perdendo – porque se importavam, de verdade, com a torcida, com o clube ou (que fosse) com seu próprio orgulho, e não imagem. Um exemplo do outro lado da moeda se viu no início deste ano, no Uruguai, onde se realizou um torneio entre seleções juvenis. Brasil e México chegaram à decisão e árbitros locais, não credenciados pela FIFA, foram as autoridades em campo. Viu-se, ali, um sopro do que fazia a velha e boa escola, respeitando as regras, cobrando e fazendo pouco caso do afrescalhado melindre dos garotos. Não sei se a recente seqüência de derrotas dos amarelos para os mexicanos (na categoria profissional, incluso) adicionou mais tempero caliente. O fato é que, logo, os brazucas, mal acostumados com a "velha ordem", pareciam perdidos no gramado e os verdes saíram campeões. Os microfonados também pareciam incomodados com o que se passava, qualificando de “péssima arbitragem” aquela que, por hora e meia, me fez lembrar as que eu via por aqui nos estaduais de 1988, 1991 ou 1993 e que, ironicamente, não parece ter parado no tempo do futebol. Me senti profundamente incomodado quando, nos minutos finais, a transmissão fechou um (venenoso e nada subliminar) close no escudo da federação uruguaia, no peito do bandeirinha: “não se preocupem, consumidores da bola que estão a ver este estranho jogo. Isto não é futebol. É apenas futebol uruguaio!”, era a mensagem que jorrava. A ficção parecia realidade, com uma justificativa para aquilo que saiu de um lugar comum (podre, porém, muito lucrativo). Só que o futebol sempre foi o lugar para o incomum, o diferente, o inesperado; não há a necessidade de moldá-lo para vendê-lo, ele se vende por si só para aqueles que o colocam um centímetro à frente de qualquer outra coisa. E aí reside outro problema: como vender milhões num jogo, sem antes padronizá-lo, amansá-lo e torná-lo um jogo previsível e controlável? Bem amigos, estamos falando é de capitalismo, mercado, business! Como não suporto tal tema, volto correndo para nosso querido soccer.
Em janeiro de 1996 – meses antes do início do fim – o cineasta Walter Salles lançava o seu documentário “Todos os Corações do Mundo”, sobre a Copa dos Estados Unidos. Não sei se o diretor tem algum parentesco com Rubens Salles (histórico player do extinto Paulistano e autor do primeiro gol oficial da Seleção Brasileira, em 1914), mas a peça é tão genial que fez com que meu amigo Bury e eu – cheios de espinhas na cara – repetíssemos a jornada ao cinema para absorver a emoção daquela estória que (apenas) parecia ficção – com a arrepiante cena de Roberto Baggio encarando Romário no túnel dos vestiários, antes da decisão em L.A. A apaixonante obra serviu de inspiração para meu velho, que resolveu gravar todos os prélios do Mundial seguinte, para depois editá-los – como se fora uma versão caseira de “Todos os Corações...”. Não conseguiu lograr êxito nesta tarefa, mas, no fim das contas, seu ato não se mostrou inútil. Há anos que rever alguns matches dessa coleção serve como analgésico para minha dependência química ao futebol. Não que eu a abandonasse caso o futebol ainda me alegrasse, até porque em idos de 1992, por exemplo, eu passava horas revendo tapes antigos e curtia em igual o que se passava ao vivo. Nunca vou me cansar da genialidade de Brian Laudrup, Dennis Bergkamp, Lothar Matthaus ou Dragan Stojkovic. As diferenças técnicas entre o que mostram estes VT’s e os embates de hoje chegam a ser assustadoras – mesmo para quem acompanhou todo o processo degradatório (da arte pelo dinheiro). Aquela foi a derradeira geração que não colocava um centímetro à frente da bola e, por isso, eu os saúdo! Ali estavam jogadores que disputaram copas na década de 1980, assim como a fantástica geração da ex-Iugoslávia, a Argentina de “huevos e locura”, a Alemanha que dava medo (menos para os croatas, na ocasião, claro), enfim, ali estão aqueles que honraram Zicos, Kempes e Platinis e que podiam fazer você sonhar. Ainda que, pessoalmente, já estivesse há dois anos sentindo o veneno da nova ordem, ela ainda rastejava pelos becos e não tinha força suficiente para derrubar a magia de um Mundial – até que o tempo, a sedução das propagandas e a manutenção da alienação das massas nos empurrasse até o (mais do que) esquecível mundial seguinte. Claro que para quem tinha acompanhado a Copa do México (1986), o nível ali já não era o mesmo, muito menos para aqueles de mais experiência, de tempos mais longínquos ainda: “a FIFA deveria rever a decisão de aumentar para 32 times na Copa do Mundo, porque o nível de alguns jogos está muito baixo”, assim falou Casagrande no início do match entre Dinamarca e África do Sul. Ele estava mais do que certo, os sinais estavam piscando um vermelho satânico e parece que pouca gente deu ouvido ao velho Casão. Num casual encontro em Congonhas, em 2004, o avante da democracia corintiana demonstrou toda sua inquietação em relação ao uniforme todo branco de seu ex-time (“aquilo é o Santos, não o Corinthians!”) – imagino a opinião dele aos fardamentos que estão usando hoje! Eu sabia que questões contratuais impediam o jornalista Casagrande de dizer para o público o que o cidadão (em carne, osso e alma) havia me confidenciado. Esta censura às opiniões no futebol é fruto da nova ordem, e aos que são calados à força (como o Casão e os verdadeiros aficionados sabem) resta seguir a trilha angustiante, onde somos nós contra o mundo, realmente. E não é mais apenas sobre futebol esta luta. O futebol segue as tendências da vida, certo? Pode ser, mas ele se manteve intacto em sua essência, mesmo ao atravessar Guerras Mundiais, Frias e as da fome: ser "do povo e para o povo", teoria cada vez mais distante da prática, nos campos dos cinco continentes. A chata e enfadonha “tendência” do mundo pós Nostradamus é vender a arte (além dos produtos primários, secundários e terciários) pelas ondas cibernéticas, viver numa única aldeia que prefere varrer seus problemas para debaixo do tapete a isolar o que fere a moral dos homens, que anseia os mesmos gostos, desejos, sons, programas televisivos, sonhos, medos, grifes, o desejo de se tornar (a qualquer custo) uma celebridade e produzir uma imagem que tenha valor através destas ondas e não da realidade – tudo com a marca do “sonho americano”, que venceu seu maior rival há vinte anos e reina sozinho a raça que não pára de se destruir. Para isso, o futebol ainda não encontrou antídoto que garanta sua sobrevivência e se encontra carente de resistência patológica, fazendo sangrar os pobres torcedores que, estúpidos, ainda se apaixonam pelo seu vício. E não serão os novos Dátolos, Robinhos e Cristianos Ronaldos que carregarão os espíritos gloriosos de Riquelmes, Rivaldos e Hagis. No fim, o que eles carregam é muito mais sobre qualquer coisa, menos futebol. Aguanten!