segunda-feira, 24 de maio de 2010
A COPA É DO BRASIL! OU É DO BRAZIL?
Sim, o certame Mundial de futebol será realizado em território brasileiro, no ano de 2014. Não restam mais dúvidas a este respeito. O país que mais venceu esta competição em toda sua história vai ver de perto o que há de melhor no esporte das massas – embora isto não signifique muito hoje em dia. Em uma disputa acirrada com nenhuma outra nação, o Brasil apresentou o projeto e as condições logísticas que convenceram os delegados da FIFA, e esta concedeu-lhe o tão sonhado direito.Estupefato com tamanha aberração, perguntas pipocam na cabecinha doente do Toro, e não consigo me animar com esta notícia. Na verdade, não consigo me sentir próximo da Copa, sentir seu perfume, mesmo sendo um residente de uma das cidades-sede da mesma. Será que realmente esta poderá ser chamada de a Copa dos brasileiros? O que o povo brasileiro vai ganhar com isso, e como suas vidas miseráveis (estou, claro, me referindo à esmagadora maioria) poderão melhorar graças ao Mundial? Como o governo poderá transformar este evento em algo rentável pros cofres públicos, e daí avançar rumo à justiça social? Será que o governo realmente terá esta preocupação? Até porque me parece, de imediato, que cabe à FIFA e alguns investidores arcarem – pelo menos em parte - com despesas relacionadas diretamente com o futebol, e ao país suprir necessidades relacionadas à infra-estrutura – e estas não serão poucas. De qualquer modo, imagino que o governo brasileiro terá que despejar rios de dinheiro (que qualquer cidadão meramente informado e interessado sabe qual será a fonte dos mesmos), e toda aplicação irá desembocar exatamente nos locais menos carentes da sociedade, todavia de vital importância para o recebimento dos torcedores. Por exemplo, minha cidade natal: será que com a renda que uma Copa do Mundo gera com o turismo, comunidades como Heliópolis, ou Paraisópolis, ou a Favela do Pantanal, próxima de São Miguel Paulista – lugares recheados de amantes e praticantes da bola – irão receber algum investimento em saneamento básico, educação, saúde e transporte? Quero dizer, destes lugares é que sai considerável parte das torcidas nos grandes clássicos paulistanos, que lotam Morumbis, Pacaembús, pagando preços absurdos pelos ingressos e que retornam para suas casas, tarde da noite, para no dia seguinte levantar antes do sol nascer para mais um dia de trabalho semi-escravo. Será que algum morador destes lugares poderá – sem sacrifícios, como deveria ser – assistir algum jogo neste Mundial? Desde as construções e reformas dos carcomidos estádios tupiniquins, até como o próprio cidadão será usado como fantoche para promover a competição, tudo será maquiado na fachada, para encobrir o retrato cruel, por detrás das irregularidades nas obras e das empresas com “responsabilidade social”, e seus projetos filantrópicos para com as periferias durante aquele fatídico mês (e, talvez, nas primeiras semanas subseqüentes - apenas para não ficar muito "na cara", certo?). Fica claro que somente com um esquema muito grande de acordos, jantares elegantes e troca de favores este país pode ter sido considerado apto para receber a Copa. Aos brazucas de plantão e de coração, nem sequer o orgulho de ter derrotado algum país pela disputa da sede lhe foi concedido. É o retrato fiel do país que não sabe ganhar, como descreveu Nirlando Beirão. Isso sem mencionar outro aspecto que distancia o Brasil dos brasileiros, do Brazil dos estrangeiros: a educação. E não me refiro à educação acadêmica – esta que muitos daqui nascem e morrem sem conhecer – e sim a educação moral, o fogo da decência que deve arder eternamente dentro dos homens. Esta que tanto fez falta durante os infames jogos Pan-Americanos, realizados na cidade que um dia foi genuinamente maravilhosa. Os jogos das competições que não terminaram, dos caixas-dois, das promessas não cumpridas, dos maus tratos aos trabalhadores voluntários, das vaias e, citando Galvão Bueno, de “como foi bom ter mais medalhas do que os argentinos” – mesmo após o Brasil, jogando em casa e muito mais populoso do que o vizinho, ter sido derrotado pela chamada “ilha da fantasia”, com seus atletas que fugiam do totalitarismo de Fidel Castro para serem presos como traficantes dias depois de suas naturalizações verde-amarelas. A julgar pelo comportamento dos cariocas em relação aos atletas e profissionais estrangeiros e, principalmente, pela maneira ufanista da Rede Globo cobrir “jornalisticamente” o evento, veremos daqui a sete anos outro espetáculo vil, sujo, baixo e que somente justificará a imagem selvagem que tem, lá fora, o povo brasileiro. Como sempre, não haverá um meio termo no julgamento empregado pela emissora que, na prática, representa o primeiro poder nacional: se a seleção brasileira vencer a Copa, serão todos heróis, exemplos de que a vida miserável pode dar certo com algum esforço pessoal – como foram Joaquim Cruz, Aurélio Miguel e Daiane dos Santos; se perder, todos os jogadores (a menos que seja um garoto-propaganda do porte de um Ronaldo por aí) serão ingratos à nação, indignos de vestir a sagrada camisa amarela, que só passou a ser dessa cor por "culpa" de Barbosa, Ademir e Bigode. Êxtase ou desgraça. Extremos polarizados que não justificam o prazer da luta no jogo, e que impelem a crítica imparcial dos fatos. É a cultura da competição, do capital e do mercado sendo vomitada guela a baixo. E a cultura local, terá espaço neste Mundial? Em 1958, Julinho Botelho se recusou a jogar a Copa porque jogava no futebol italiano, e não considerava justo ocupar uma vaga na delegação. E em 2014, algum dos convocados jogará no campeonato brasileiro? Em 1978, o futebol ainda era prioridade e os fãs argentinos cobriram os gramados de papel picado, conforme sua tradição. E aqui, poderá um torcedor ficar de pé na arquibancada, por exemplo? Várias interrogações, e milhões de exclamações, viajam na minha mente inconformada com a Copa 2014, este pão e circo de fazer inveja a qualquer imperador da Roma antiga. Para finalizar, quero deixar claro que, dentro da minha lógica e visão do que é futebol, considero o Brasil preparado para receber um Mundial, sim. Desde que o mesmo ainda fosse simples e puro, do povo e para o povo. Lembro do Mundial de 86, disputado no também paupérrimo México, e de seus estádios simples, porém calorosos. Não havia teto solar, gramado artificial, bolas coloridas, telões ou briga de cães pela exclusividade nas transmissões televisivas. Havia apenas Maradona, Laudrup, Platini, Zico, Francescoli, Mathaus, Butragueño, Sanchez...enfim, havia arte. A vida dos mexicanos pobres não mudou nada naquele ano, mas eles puderam se deleitar com estes craques. E isso sempre vai ser o mais importante no futebol, o prazer. Para uma Copa daqueles tempos, até um estádio do interior paranaense poderia receber uma partida, por exemplo. Mas este tempo acabou para o futebol. Desta feita, a tragédia certamente será mais aguda do que o Maracanazzo de 1950: o Brasil vai apenas ceder seu espaço físico e sua imagem de “país do futebol, cerveja, mulatas, carnaval, bananas e bundas”. E na vida real, a pobreza vai continuar sendo pobreza: dentro e fora dos gramados; espiritual e economicamente; esportiva e jornalisticamente... Enfim, a miséria moral que o futebol mercantilizado (assim como o mundo globalizado) carrega, por osmose, em sua essência tão sedutora, quanto autoritária; tão anestésica, quanto injusta. A nova ordem exige luxos e etiquetas que não combinam com a realidade deste país (na verdade, de poquíssimos), e a Copa de 2014 vai ser o espetáculo das migalhas, a triste prostituição da alegria de um povo que vive, no futebol, uma eterna paixão platônica - devidamente reabastecida a cada quatro anos. Boa diversão à todos!
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