sábado, 22 de maio de 2010

A bola (e os colhões) pra fora do campo!


Na maioria das vezes, o fogo das revoltas se apaga sozinho porque lhe falta o combustível apropriado. E este só é de propriedade daqueles que pensam sentindo a bomba funcionando. Desta vez não é apenas uma descontrolada revolta, senão uma justificada defesa às regras do jogo. Garanto que o grito ante futebol-moderno que trago hoje tem base na lógica, além da boa e velha indignação, e não haverá argumento contrário que será capaz de abafá-lo. A tradução vem a seguir.Um dos pilares mais importantes no qual se sustenta a nova ordem do futebol mundial é transformar o jogo em um palco asseado, padronizando as ações dos atores envolvidos e eliminando qualquer manifestação que vai de encontro aos interesses dos investidores. Esta banalização envolve os jogadores, torcedores, árbitros, narradores e comentaristas de futebol. O improviso sempre guiou esta arte centenária, assim como a superação, a transformação dos limites extremos em meros obstáculos a serem ultrapassados. Assim foram feitos os verdadeiros jogadores de futebol: sem medo, sem dor e com fome de glória. Desde criança, a alma do jogador era regada com sangue e suor, através de muita coragem. Os gritos que vinham das arquibancadas, assim como dos técnicos e que eram corroborados pelos homens do microfone, eram carregados pelo dever de defender suas cores, custe o que custar. Afinal de contas, nunca é demais lembrar que futebol é uma guerra. É um contra o outro, e não há prazer no empate. Nesta batalha, um vai perder e o outro vai ganhar. Por isso tenho que concordar com o mestre Carlos Bilardo: não há batalha limpa e vale tudo pela vitória, e isso querem enterrar os homens que só vivem pelo dinheiro. Hoje em dia, tudo isso vêm sendo substituído por uma atitude totalmente polarizada com este legado. Hoje, como antes, desde criança o jogador é bombardeado por emoções que vão sempre compor seu caráter em campo. Só que hoje, diferente de antes, os gritos denotam a vontade de ficar rico, ganhar dinheiro na Europa, ajudar a família, ser famoso, bonito e se admirar entre uma jogada e outra pela imagem do telão ultramoderno dos estádios teatrais da nova geração. Tudo isso pode fazer parte dos sonhos que todo homem tem o direito em alimentar, mas nunca pode fazer parte da essência de um jogo historicamente violento. Mas a FIFA, juntamente com todo o esquema de mídia/marketing/consumismo, insiste em promover o tal do fair-play como se fosse algo salubre para o jogo, um sinal de respeito pelo colega de profissão e pelo próximo. Joga-se a bola pra fora a todo instante, basta o jogador cair, e pra maioria dos jogadores de hoje irem ao chão, basta o marcador chegar a dois metros de distância. No último Mundial isso chegou ao ponto do insuportável. Tudo, claro, com o consentimento dos narradores, patrocinadores e, consequentemente, da opinião pública. Assim se faz o senso comum, formando o gosto como se fora um deus. No Brasil, muitas vezes aclamado como o ‘país do futebol’, um comercial instituía: “O jogador tem que transpirar. A torcida não!”. E um programa lançava a campanha “diga não ao carrinho!”. Claro, porque a violência é atraente somente nos telejornais. Quando se trata de vender seu produto com a imagem de Gattuso gritando enlouquecido, ou a de Robinho, com seu polegar e seu mindinho esticados, harmoniosamente completando seu sorriso maroto e inocente, fica fácil entender o porquê das escolhas. Porém, não devemos nunca nos esquecer da expressão ‘seu direito termina quando o meu começa’. Não quero aqui discutir se interromper uma jogada porque um jogador está com uma unha quebrada, ou porque outro perdeu sua lente de contato após uma dividida, torna um jogador menos honrado ou não. Como eu disse, a luta pela bola, a luta pela sua própria dignidade está sempre em jogo dentro daquelas quatro linhas. E esperar este compromisso em um jogador que recebe um salário que faz o patrimônio de um rei parecer esmola, é quase impossível. Realmente não adianta chorar pela demolição de Wembley, ou pela camisa amarela do Palmeiras, nem mesmo se remoer de ódio ao ver um jogador que não sabe cabecear ser eleito por três vezes o melhor do mundo; estes são os sinais definitivos do fim do verdadeiro futebol – que ainda não chegou, mas está cada vez mais próximo. Mas o que torna este grito justificado tem base na regra oficial do jogo, que dá ao arbitro o dever de apenas paralisar o jogo para atendimento médico quando a contusão for grave. Isto é literal, está cravado no livro das regras. E não precisa ter olhos de lince para enxergar que a ordem de hoje vai de encontro a ela. Não sou advogado, e nem quero ser. Mas apoiada na Lei máxima do futebol, fica límpida uma brecha que o futebol moderno não foi capaz ainda de tapar.Banalizar a arte, porque ela rende oceanos de dinheiro é uma coisa. Desrespeitar a própria regra do jogo é outra. Fair-play nada mais é do que jogar respeitando as regras, e não criar outras paralelas para ditar o esporte como se fosse um negócio. Eu, que levanto até o fim a bandeira contra o futebol moderno, devo admitir que tudo que surgiu nos últimos anos da história do esporte mais apaixonante do mundo têm um forte apelo atrativo e é difícil resistir a eles. É tudo uma questão de emoção material contra emoção espiritual. Na verdade, precisamos do equilíbrio entre ambos. Há trinta anos, já havia televisão, propagandas, uniformes bem desenhados de acordo com as tendências da época. Mas havia o amor as cores que se vestiam. Hoje, a parte material é abundante, na verdade sufocante. Em campo, o jogo não é mais o importante. O que importa é vender. E pra isso não é preciso ser craque, basta ser ator.

Nenhum comentário:

Postar um comentário