segunda-feira, 21 de junho de 2010

Hay que poner más huevos!

Devemos mudar a expressão “futebol moderno” para “futebol covarde”. Vejo, neste ano, um certame mundial onde a educação tática parece mais importante do que aquele tesão ardente de vencer, que deixava a competição alucinante e justificava sua grandeza. As esquadras correspondem com perfeição à escola de Parreira-94, com (pelo menos) seis jogadores defensivos – não importa o placar do jogo - e os (supostamente) ofensivos não sabem mais driblar ou criar alguma jogada objetiva – e, assim, sobram os gols através dos infindáveis chutões para a área, ou após falhas grotescas dos contrários. Essa é a Copa do Mundo sem craques, sem arte, onde as (muito bem cotadas financeiramente) placas publicitárias ao redor do campo recebem mais passes do que os players: parece um pé-bolim virtual, um vídeo-game em 3D, uma conferência profissional apenas com estagiários. Como se não bastassem os jogos medonhos, há uma doença perambulando no continente negro este mês: o insuportável cai-cai, filho de criação da dona FIFA e de adulação das mídias. A geração de Cris Ronaldo deita (muito!) e rola, e usa com maestria a nova faceta do jogo: se o “bicho pegar”, se joga e ganha uma faltinha de prêmio.

Houve uma época – e eu me alimentei dela quando criança – em que se jogar no gramado (ou na quadra, no terrão, no asfalto das ruas, na areia da praia, tanto faz), implorar por uma ajudinha do árbitro ou simplesmente fazer cara de choro era motivo de vergonha! E antes que me rotulem de saudosista (um dos preferidos dos críticos às nossas críticas) é bom lembrar que esta era durou uns 150 anos na história deste jogo e acabou há dez. E estas ações só ocorriam quando não havia alternativa nas jogadas, e representam a boa e velha malandragem (a ‘milonga’, para os argentinos) para ludibriar o senhor do apito e ganhar um pênalti, um cartão para o adversário ou, meramente, irritar os nervos dele. Não era uma ação mimada e plastificada, e sim uma exceção durante os jogos, quando você fugia da regra que era lutar o tempo inteiro, o último grito de desespero ante uma derrota, a última munição de sua arma na guerra psicológica do futebol. Os jogos da Copa da África são recheados, minuto após minuto, com o inverso do legado bretão. Na Copa da Alemanha, em 2006, vimos um festival de infrações anotadas a cada corpo que caía, e o tal do “fair-play” as acompanhando de mãos dadas, na grande investida ideológica da “pureza cristã” em campo, promovida pela FIFA. Nos primeiros dias da competição de 2010, ela pareceu estabelecer um padrão para coibir o corpo-mole dos atletas, mas que, neste momento, já perdeu força para a tendência mercantil: cessar impiedosamente aquele descontrole emocional nos lances, que tanto nos emocionava por refletir nossa torcida, e que os árbitros controlavam simplesmente honrando as 17 regras oficiais do jogo. Hoje, parece haver apenas uma importante: “obedeça, se adapte ou está fora!”. Para sobreviver, o futebol é um esporte que depende da violência, do contato pesado e intenso entre os praticantes - em menor proporção do que o pugilismo, por exemplo, mas tirar esta marca do jogo é destruí-lo aos poucos, como um furo no tanque de gasolina que, cedo ou tarde, fará o automóvel parar de rodar. Igualmente a um técnico retrógado e cabeça-dura, que troca um avante por um defensor quando faz um gol, a FIFA substituiu aquele “chegar junto”, ou “chegar firme”, por uma educação asseada, que caberia aos atletas do golfe e concebeu àqueles que ainda jogam com os colhões (tais como Lugano ou Gattuso) uma paranóia de não mais fazê-lo pela certeza de que o preço a pagar pela resistência será sua exclusão de campo. Não adianta mais ganhar uma dividida com os ombros: se o rival for ao solo, é falta! Se reclamar disso leva cartão, e os “especialistas” da televisão vão qualificá-lo de indisciplinado, transgressor, desestabilizado emocional e afins. Quando há uma disputa de cabeça pela pelota, pode apostar: vai soar o apito, independente do que realmente acontecer no lance, pois o mero contato entre os “guerreiros” é polarizado a nova ordem, que deixa marcas proporcionais a sua ambição de comprar tudo. E assim o jogo é paralisado uma vez mais, dando espaço para mais um “super replay”, das câmeras cinematográficas que mostram tudo, menos futebol. É a autoridade que dita o ritmo do jogo, de maneira condicionada, robotizada. Nem parece que cada árbitro ainda tem sua própria personalidade, e sim uma única, com a alma de Havelanges e Blatters da vida encobrindo qualquer imprevisto. E todos atuam como intocáveis senhores da razão, transformando o jogo na ciência exata, do qual sua essência sempre o isolou. Não se pode mais contestá-los: já houve jogador, neste mundial, que recebeu um cartão amarelo por se dirigir ao assistente para discutir respeitosamente sobre determinada decisão, que para ele era equivocada. Funciona como os muros invisíveis, porém excludentes, na relação patrão-peão numa fábrica. Vejam no que estão transformando aquele jogo de bola que amávamos! Em todos os prélios até aqui disputados, a primeira bola jogada na área (dentre as centenas que, certamente, ainda virão até o último minuto) é precedida por uma bronca do árbitro, como se fora aquela do servente da escola nos recreios das crianças. E todos o fazem de maneira idêntica, abrindo os braços naquele sinal de “stop!”, proibindo o agarra-agarra que, na verdade, nunca prejudicou Pelés ou Van Bastens de anotarem seus maravilhosos tentos. Os cartões estão sendo distribuídos não mais pela violência intencional, o desrespeito explícito às regras ou pessoal ao árbitro, e sim por situações específicas, moldadas pela FIFA, para redesenhar o match e torná-lo controlável e previsível. No futebol, não é sempre que um carrinho por trás, um segurar a camiseta do adversário ou colocar a mão na bola justificam a punição com cartão. A arte do futebol também está presente neste julgamento arbitral, que varia muito de acordo com a situação do jogo, a atmosfera da partida, o lance em si que muitas vezes é mais estabanado do que maldoso, e não merece punição por tanto. Imaginemos uma escala de 1 a 5, onde “1” representa uma infração que nem a rainha da Inglaterra ficaria ofendida de sofrer, e “5” uma agressão proposital, com requintes de “Vale-Tudo”. Se um jogador desfere dois carrinhos por trás de nível 1, já está sendo retirado do espetáculo, para o qual se preparou durante muito tempo, como foi com Klose, da Alemanha. A FIFA está sacrificando o espírito de luta, em nome da massificação da obediência. Esquecem que a falta anotada já é uma punição para o time e, também, pessoal para o infrator. Os cartões são apenas elementos de garantia para a manutenção da ordem no jogo. Isso, claro, na regra, porque hoje eles são como seguranças particulares das finanças dos investidores da bola. Aos jogadores, lhes cabe o papel de meros escravos desse joguinho sujo, afinal de contas são eles que estão ali, suando e sangrando (quer dizer, o sangrar ficou num passado recente). Não reclamam dos erros grosseiros dos árbitros porque da próxima vez será sua equipe a previlegiada desta "regra". Já ouvi gente defendendo Ronaldos e Robinhos no episódio de “oba-oba” que tanto manchou a seleção brasileira em 2006, porque teriam sido vítimas de uma situação criada de fora para dentro no elenco. Faz-me-rir! Mesmo que o espírito tivesse sido “inventado” por alguém de fora, se ele foi muito bem recebido pelos de dentro, e carregado para o campo de jogo, como aconteceu, Ronaldos e Robinhos são tão responsáveis quanto qualquer outro. A classe boleira hoje, milionária e individualista, calada e contente com tudo, é tão culpada quanto esses senhores engravatados e protegidos, nesta questão do futebol se tornar quadrado, fraco e medroso. É o círculo vicioso que impera no novo milênio, onde os jogadores são feitos de vidro, os árbitros atuam como macaquinhos amestrados e a mídia aplaude de pé este freakshow dos “craques” de bundas no chão. Ver isso numa Copa do Mundo é muito triste.

A mídia, o “monstro que engoliu o futebol”, é o pior mal que há nesse processo, é a seringa que segue injetando toda essa droga na veia do esporte. E não importa quem segue a produzir este vício. Sem ela, nada disso teria sido colocado em prática. A ela deveria estar depositada a função de fiscalizar o que está errado, com imparcialidade, neutralidade e responsabilidade. Não é questão de idealizar um mundo perfeito, mas nós temos que fazê-los cumprir com seu juramento, ou então obrigá-los a reformular este julgamento com o vômito de suas ações passivas, covardes e injustas. Como a revista “Veja!”, de extrema-direita, mas que assume um papel na sociedade de neutra e, assim, segue influenciando como quer seus leitores alienados. Coincide até com aquela história da serpente que se disfarça de uma coisa, mas age de outra totalmente oposta, infligindo um mal que custa a reparar. Já que vivemos num mundo em que, cada vez mais, a mídia via satélites se torna a base para o pensamento de uma sociedade obtusa e sem base educacional e cultural, não há outra saída do que levantar nossas cravas de chuteiras na cara deles. E quando este castelo de cartas cair, todo o resto virá abaixo. Deixem o futebol ser o futebol! Hasta!

3 comentários:

  1. Depois fiquei pensando: não teria o jogador chileno hoje, o que ficou cinco minutos rolando no gramado depois de ser "atingido" pela suposta "cotovelada" que ocasionou a expulsão do suíço, jogado mais sujo do que o próprio "agressor"? Não seria aquele teatro patético mais baixo e covarde do que o ato punido?

    E segue a putaria!

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  2. Toro e Bury, excelentes textos, estão contaminando(mais ainda)a mim e meus amigos essa aversão ao futebol pragmático e desprovido de "coração" dos dias atuais. Acabo de ler a entrevista do Dr. Sócrates na Caros Amigos e, atento para a seguinte afirmação do ícone da democracia corinthiana: perguntado se, porque quando um time perde, os simpatizantes do clube chegam as raias de assassinar o outro, ele respondeu que, o futebol é arte, é espetáculo, se tem arte, se tem espetáculo, tranfere-se este sentimento ao torcedor, se tem violência, "se você se agride lá embaixo, você estimula a agressão lá fora", e ainda questionou: "Me diga um jogo do Santos neste ano que teve briga?"
    O que vocês acham dessa afirmação ? E onde fica a raça nesse espetáculo ? como lido em "Hay que poner más huevos!", jogadores como Diego Lugano, Chicão (ê saudades), perdem espaço no futebol ? Ou a raça, o sangue na camisa, a faca nos dentes que estes jogadores encaram nas partidas, são deturpadas e vendidas como violentas ?

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  3. Olá! Vamos trocar links?

    Se aceitar comenta lá no meu blog!

    http://torcidafazdiferenca.blogspot.com/

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