segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cools AFC x CA Locos

Extremos ajudam meu raciocínio lógico. Um sociopata ao praticar futebol pode demonstrar um temperamento frio, leal e sóbrio. Um homem educado com toda polpa das altas sociedades, pai de família (verdadeiramente) exemplar, com a pelota nos pés pode ser um verdadeiro carniceiro, viril, que não deixa passar a bola ou, no mínimo, o adversário. E entre esses extremos, toda e qualquer variação emocional que se pode conceber é possível no futebol. Ele realmente desintegra os seres humanos. É uma besta gigantesca, indomável. E agora me deparo com a “polêmica” sobre o palavrão desferido por Rooney às câmeras de TV na celebração de um tento seu. A Rede Globo ostentou, orgulhosa, a manchete de um diário inglês que estampava o “desejo da FA de que Rooney tem de ser um exemplo”. FREE Wayne! A face dele, como se supõe, era de êxtase. Num dicionário lê-se: “e.mo.ção sf Perturbação súbita ou agitação passageira causadas pela surpresa, medo, alegria, etc.”. Salvo casos de comportamentos extremos, não se deve cobrar moral de alguém nesses momentos. Engraçado como a justiça esportiva (e a do futebol é um belo exemplo) funciona “às mil maravilhas” se comparada com a mundana – sob os aspectos morais, legais, temporais e por aí vai. Não se vê a Globo cobrando políticos e a sociedade como um todo, com esse afinco e com essa segurança de sucesso como fazem no futebol. E o que se passa na Globo é o reflexo da ordem lá de fora – e vice-versa. Sufocar é preciso. Transformar um “craque” em estrela das mídias requer moldá-lo como um “exemplo”. Assim pagam contas. Mas as contradições/hipocrisias estão sempre escancaradas aos nossos olhos. Por que não cobraram a mesma moral de Oscar, quando se desfez em palavrões (mais do que merecidos) na vitória do basquete brasileiro sobre os anfitriões norte-americanos (quase um derby Norte X Sul), nos Jogos Pan-americanos, em 1987? Oscar foi político do Maluf, e até dirigente de clube de futebol. Mas e daí? Como segurar um palavrão no orgasmo? A Inquisição não morreu! As meninas do basquete, da geração de Hortência e Cia., também se esbaldavam no desabafo de baixo calão e se banhavam nos prantos da celebração. Quero mais é comer de boca aberta no futebol! Os casos relacionados ao esporte bretão são tantos que nem se precisa comentar. Todo ser vivo deve ter, no mínimo, uma cena gravada na memória de alguma briga entre jogadores de futebol. Ser um homem educado não significa ser um jogador educado. Ali dentro, nada é mais igual do que era lá fora. Um grito de “porra!” pro árbitro não é igual a outro semelhante pro cobrador do ônibus. Clebér Machado como jogador de futebol atesta isso – procurem no youtube. Alguns, como ele, viram demônio; minutos depois do fim do jogo estão todos tomando cerveja juntos – exceto, claro, os extremos entre os extremos. E na verdade, tentar analisar o espírito do futebol e (muito mais) do homem é complicado pra se resolver num texto. O fato é que este controle sobre o mesmo em nome dessa ordem mercantil está em toda parte, mas poucos parecem de dar conta de sua existência. Gosto de assistir ao “Show-Bol” pelos mesmos motivos da Libertadores: há pouca frescura e há muita loucura. Além de poder rever caras que realmente jogaram futebol. Alguns não são mais os mesmos, mas de qualquer modo é uma água escassa que tanto faz falta. Mas como nada é perfeito, ela nos chega pelos encanamentos imundos da Rede Globo. No final do match entre São Paulo e Santos, absolutamente do nada, Válber parte pra cima de Preto Casagrande, com socos furiosos que não obtiveram defesa. Em poucos segundos, a turma do “deixa-disso” acalmou os ânimos de todos. Mas aqueles primeiros segundos foram diretos pro telespectador. Assim que pode mexer seus dedos bem educados, o diretor da transmissão tirou do ar a “luta”, e o narrador, pra completar, pediu desculpas ao telespectador pelas cenas – as que eles quiseram mostrar. Eu quis que ele se desculpasse pelas desculpas. Não recrimino o ato do interlocutor em si. O caso de Válber – ao contrário de Rooney – merecia punição caso esse torneio tivesse tal intenção. Mas o pano de fundo é muito sombrio. Não eram homens se esbofeteando no meio da Avenida Paulista; eram jogadores no auge de um tenso e disputado prélio. Apesar deste específico caso apresentar apenas um envolvido que, claramente, queria brigar, não sabemos o que aconteceu lá dentro, o que fora dito entre ambos durante o jogo – alguém lembra de Zidane? E acima disso tudo, está o tal de dever de reportar tudo, com imparcialidade. Me parece que o melhor trabalho é aquele que reporta o máximo possível – inclusive numa briga esportiva. Limpar a imagem, carimbar um pedido de desculpas polido e automático não me parecem tarefas de alguém comprometido com a reza moral que seu diploma carrega. Um contraponto disso seria repetir inúmeras vezes os tapas pra conseguir audiência – que muitos chamam de sensacionalismo jornalístico. Mas, novamente, ver isso acontecer dentro do universo do futebol é doentio. Selecionam, embalam e vendem – e há muitos que compram. O que vale não é mais reportar, e sim vender. Pra isso, a verdade tem de se transformar em “show”. E eu que achava que o futebol estava perto da Broadway quando Stoichkov fez aquele gol de falta contra a Alemanha, no NY Yankees Stadium, em 1994. E agora pedem desculpas por uns tapas, como se estivéssemos assistindo ao concurso de Miss Universo na casa da Dona Florinda. Esquecem que o futebol é outra coisa, é o outro lado, onde se deve desintegrar-se para alcançar um deleite que a vida segue negando. Porque a liberdade é arquiinimiga dos meios termos – principalmente os intencionais, bem elaborados e executados. Nosso inimigo é a Globo. E tudo isso que ela representa. Sinto muito depender tanto do futebol, ao mesmo tempo em que sei que nunca viverei sem ele. Nesses extremos, nos vemos por aqui nos próximos capítulos.

Um comentário:

  1. Outro dia um cabacinho desses da nova geração comentava Atlético de Madrid e Real Madrid pela ESPN, e ficou horrorizado com o grito de "MORRE CRISTIANO", gritado para o Cris Ronaldim pela torcida do Atlético. "Lamentável", disse ele. Tá com cara de que esse nunca foi ao estádio na vida - e, se foi, não entendeu porra nenhuma, deve ter ficado até com nojo. Esse é o legado que a "geração Capez" do fair play forçado, e dos comentaristas engomadinhos que aprendem a ver tudo na Internet, deixa para o mundo do futebol.

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