terça-feira, 30 de junho de 2009

Faces de uma morte

É engraçado. Mas o futebol modernista arrancou muita coisa que antes fazia sentido nas nossas vidas. Ao mesmo tempo em que, graças a sua face perversa e irresistível, magistralmente criada para derrubar mitos e lendas, nos ajudou a perceber muitas coisas. Muitas das coisas que antes não existiam, que nós crescemos sem sequer conhecer, e que hoje permeiam a alma do tal esporte do povo. Não se enganem, ainda estamos na Idade Média. E essa vai ser conhecida como a era em que derrubaram nosso Coliseu.
Uma dessas coisas é o falso no futebol. Na verdade, não havia falsidade em 1988, pelo que me lembro muito bem. O futebol se tornou o esporte do povo por isso. Da mesma maneira com que sangue e semên dão mais audiencia na televisão, porque são coisas reais. Não havia essa pegajosa certeza de que o futebol sempre vai ficar em segundo plano. Não estou dizendo que o esporte era puro e imaculado. Era podre que nem hoje. Só que lá dentro, tinha jogo. E só havia uma maneira de derrubar algo tão grandioso. Hoje, o falso é o melhor. Ele joga mais feliz do que todos, dribla mais, defende mais, cabeceia mais, toca mais, bate menos, cospe menos, dá menos carrinho, chora menos. E, de repente, o nível do jogo chegou ao patamar em que a própria disputa não fazia mais sentido, porque os interesses ficaram maiores do que o próprio futebol, afetando suas veias e nervos. Então, no campo, são raros os momentos de desfrute, porque não há mais risco. Ninguém se arrisca. Os poucos que fazem um pequeno esforço se destacam. E por este pouco esforço, são vendidos como craques e gênios. Não à toa vivemos a era em que mais veteranos atuam em seus clubes ao redor do mundo, e muitos em destaque. O nível do jogo despencou, e mesmo assim a boleiradinha enxerga no tal futebol europeu modernista o que o cristão enxerga em deus. E já não dá mais aceitar somente o desejo, nem sempre justificável, de garantir estabilidade econômica. Com o que ganham aqui poderiam morrer assuando nariz em notas de cem. O negócio pós Nostradamus é status, é fama, é hollywood, é beleza, é juventude, é ser redondo, é ganhar sempre mais do que já ontém. mas dedicar os gols às criancinhas pobres que os políticos egoístas abandonam. Este é o falso Jesus Cristo. E fodam-se os clubes. E seus torcedores junto, claro - porque somos nossos clubes. Então, os jogadores estão nos dizendo, ‘vão se foder!”. Quando eu percebi isso, perdi o interesse. E mesmo com essa mentalidade, e uma bolinha ridícula se comparada com o nível de 20 anos atrás, os clubes europeus os contratam aos montes. E, lógico, eles se dão bem por lá. Porque se você olhar ao redor, até parece com o Brasil. E o jogo virou a mesma aldeia tediosa e previsível, como o resto do mundo. Essa dicotomia o futebol modernista concebeu aos nossos olhos. Os jogadores excelentes do passado não atuaram na Europa, e o campeonato daqui e de lá eram bons. Os jogadores medíocres de hoje ficam milionários por lá, e o campeonato daqui e de lá estão igualmente mortos.
E o problema no futebol não são as mudanças em si. A maioria delas são sinais verdadeiros do fim. As que afetam os torcedores, em geral, são desprezíveis. Algumas são aceitáveis, porque são naturais. Veja a linha de impedimento, por exemplo. Ninguém reclamou, porque fazia mais sentido do que estava, e pronto. Não causou incômodo. Mas aquela que realmente não fez nenhum sentido foi a morte do jogo. Mudanças no estilo e ritmo de jogo, o futebol já havia sofrido várias. Todas elas necessárias, porque tiveram sentido evolutivo. Essa foi a primeira que conseguiu regredir numa linha do tempo. Funciona como se estivéssemos vendo um bando de retardados aprendendo a jogar, vestindo a camisa de nossos times. Enquanto alguns bobos da corte alegram o jantar no reino dos falsos. Pro futebol, o ano de 1996 vai ficar marcado como o ano de 1492 ficou para o destino de toda a era moderna. Foi a partir dele que os jogadores viraram mercadoria. Como os escravos que deixaram terras tristes pra trás, pra construir outras igualmente doentias no futuro.

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