quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Incap(e)azes


Convido-os a uma viagem no tempo, afim de entender um pouco mais sobre como o homem se deixa levar pela mediocridade. A década de 1990 transcorreu como um grande laboratório para as mudanças no futebol mundial. No Brasil, vimos como uma empresa multinacional poderia interferir no jogo, quando a Parmalat encerrou o jejum de títulos palmeirense e nos apresentou – lamentavelmente – o “efeito suspensivo”, o desrespeito ao uniforme e levantou a (tão indesejada) sensação da “teoria da conspiração”. Na Europa, os estádios ingleses se transformaram em centros comerciais, servindo de exemplo para o que hoje é aclamado mídia afora como modelo (?). A justificativa para tanto, claro, era a “limpeza” dos mesmos em relação aos violentos torcedores envolvidos em episódios marcantes – ainda que nos dois mais importantes naquele processo, Heysel e Hillsborough, os responsáveis por tais eventos tivessem gigantesca parcela de culpa em seus tristes desfechos. Eram lançadas, então, duas pedras de sustentação para o que hoje chamamos de futebol moderno: a autoridade e a previsibilidade.

E, por um momento, estaciono a viagem no fatídico ano de 1995. Em agosto, após a “Batalha do Pacaembu” (o Heysel tupiniquim), inaugurava-se na terra tetracampeã mundial a era-Fernando Capez – o promotor público que, ao fechar as torcidas organizadas e instalar o medo que gera consumo, prometia cessar a violência que permeava o cenário do futebol. A mídia logo embarcou na idéia de que esta violência era ligada apenas aos vândalos das torcidas, e em nada tinha relação com os problemas sociais de um país corrupto e injusto por excelência – até mesmo misturar as torcidas foi usado como tentativa de emplacar o novo pensamento. No final daquele ano, a “sensação” voltava com toda a força, atingindo seu ápice na tenebrosa decisão do Mentirão de Giovanni e Túlio. As coisas começavam a parecer totalmente pré-elaboradas, exatamente o oposto do que o inesperado milagre do futebol nos fazia amá-lo incondicionalmente e apaixonadamente. Jornalistas paulistas passaram aquela temporada toda, em meio a histería do projeto denominado de “Ame-Rio”(a apelativa e inútil tentativa de mascarar a violência urbana que dominava a capital carioca), avisando que o campeão seria um time fluminense. E assim foi, naquela insuportável tarde do senhor Rezende. Pessoalmente, minha catarse veio apenas dois dias depois, quando, na final da Copa Conmebol, recebi uma irreversível descarga elétrica celeste e blanca, que me motivaria a seguir lutando por aquilo que se perdia. Ao viajar quatroze anos adiante na linha do tempo, a do futebol parece demasiadamente longe de chegar.

Foi neste também fatídico ano de 2009 que o Brasil conquistou mais um título futebolístico, e que, obrigatoriamente, nos faz refletir sobre muitas coisas: o país onde mais morrem torcedores nos estádios, com a média subindo, ano a ano. Pois bem, Capez foi incapaz de honrar sua palavra; e os torcedores estão (cada vez mais) incapazes de manisfestarem sua paixão como sempre o fizeram, desde Charles Miller. O caso da agressão ao atacante Vagner "Love" deixou explícito tudo isso de uma vez só. No seu stan-up horror show particular, José Luis Datena urrava coisas do tipo: “Tem que mandar prender estes vândalos, porque o futebol é alegria! A violência que antes existia, e que o senhor Fernando Capez brilhantemente eliminou, não pode voltar!”. Faz-me-rir! Estes senhores jornalistas desconhecem o que é ser um torcedor de futebol. Para eles, existem neste meio (e, provavelmente, na sociedade) apenas assassinos ou consumidores obssessivos; quando, na verdade, nenhum desses grupos personificam o sentimento de amar um clube de futebol. E, ainda que o mesmo divulgue seu programa como um “reflexo das ruas”, ele se mostrou ignorante do título obscuro que a nação que ele diz amar e defender “conquistou”, impossibilitando, assim, uma real análise da violência – nos estádios e fora dele, por consequência. A tal agressão ao avante alviverde (ou alviazul, nem sei mais) também despertou aquela velha “sensação”. Novamente um fato, antes da decisão de mais um Mentirão, mesmo que indiratamente, ajuda ao Flamengo – incontestavelmente um time que teve forcas “ocultas” impulsionando sua campanha. Só que hoje, diferente da década de 90, as coisas não parecem como um roubo num jogo de baralho entre amigos e familiares – igualmente repudiável do ponto de vista esportivo e moral. Porque aquela “sensação” surge a cada nova rodada; pior, a cada novo dia, nova hora, através das mídias incapazes de criticar com a devida indignacão, entupindo o cenário do bussiness da bola com manchas que me fazem, envergonhadamente, sentir certa saudades dos tempos do “efeito suspensivo”, ou do senhor Rezende. E todos os times, no fim das contas, são beneficiados e prejudicados pela nova ordem do futebol caótico e milionário, como se estivessemos num video-game de aberrações desalmadas e sem propósito humano.

Embora o tom do senhor Datena possa parecer apenas pessoal, ele é o reflexo da linha de pensamento comunhada por praticamente todos os seus colegas de profissão. Uns falam como Gil Gomes, outros tentam honrar o estilo de um Orlando Duarte, enquanto que a maioria veste a ridícula fantasia da babaquice circense, que virou moda. E assim foi porque a mídia se tornou proprietária do jogo, e, com a marca da covardia que os impussiona, não há mais espaço para questinonar a qualidade do que é seu – e ainda defendem a “liberdade” individual do capitalismo! Os programas policiais e esportivos, sem conteúdo e coragem, se misturam num perigoso merchandising, antecipando o evento: hoje é comum ouvirmos a chamada “Não perca! Vai ser um jogão!” - o homem brinca de Deus, de Mãe Dinah, e vende tudo o que pode. E aqueles que se opõem publicamente à esta ordem – seja um jogador (STJD), um jornalista (onde estaria Gérson?), um dirigente (taí o caso Belluzo, que anda falando muitas verdades) e, principalmente, um torcedor – encaram a punicão que aparenta calar e derrubar resistências: autoridade e previsibilidade, cuspidas e escarradas. O torcedor de verdade não quer matar, mas não necessita de consumo para celebrar o prazer. O entusiasmo que vomitam os microfonados sobre o atual certame nacional seria muito bem aceito por mim, sim, caso repouzasse apenas sobre a tabela de classificacão, as possiblidades de alteracão nas posicões, na loucura da “imprevisilbilidade” – porque isso, sem dúvida alguma, traz emocão. Mas esta emocão seria a mesma que sentiríamos ao acompanhar uma liga disputada entre os vinte piores times do mundo, imaginemos pois. Carregar esta emocão pra campo, hoje, é assumir uma posicão de cego ou de prostituído – e o futebol, como qualquer outro esporte, sempre ajudou o homem a ver, pensar e viver melhor. Agora, não mais. Nos tornamos viciados na ordem européia - que já nem é mais aquela que servia, então, de exemplo -, de chata mesmice que acelera o giro monetário e que destrói a simplicidade de um jogo que tem na tosquice sua essência tesuda.
Neste circo de Globos da Morte, continuamos a pisar em cadáveres (a caminho dos jogos e do trabalho, nos calçadões do centro) e carregagamos o fardo odioso de Capez: um estádio sem faixas e bandeiras é como um prato vazio, ou um céu sem estrelas. Em campo, vejo um festival de “estrelas” (que brilham retardamente) e de bolhas (no sentido figurado e, também, literal) decepcionantes para quem viu Raí (e não pode aceitar a “lideranca”de Hernanes), Evair (e tem vontade de rir com Keirrison) e Viola (este, sim, fenomenal com a nove corintiana). A massa rubronegra tem mais é que vibrar, sem pudor e medo, pois este foi, sim, o ano do capeta – com “crises econômicas”, “gripes incuráveis”, igrejas vindo abaixo para serem salvas pelo time de Di Stefano e a consolidação da Ronaldo-Mania, parte 3 (de longe, a mais infâme de todas). No fim desta jornada, a descarga elétrica celeste e blanca me empurra sempre a crer que ainda podemos sonhar, ainda que vivamos este cruel pesadelo.

Nota: em nome do Setor 2 e de todos os juventinos, agradeço à FPF pela ridícula tabela do Campeonato Paulista da série A-3, de 2010. Nossa energia vem da dor, e funcionamos melhor assim. Forza Juve!

2 comentários:

  1. Boa lembrança desse tal de Keirrison - ele, que é a 5a. opção do ataque do Benfica (liderado pelo graaaaaaaaande Nuno Gomes) logo será rebaixado, do Lusitanão para algum outro campeonato pior! Mas será que existe coisa pior que o Portugão?

    OLHA O ZÉ ROBERTO CAMPEÃO BRASILEIRO AÍ, GENTE!!!

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  2. velho josé roberto, parceiro de banco do mestre Edvaldo, Juventus, Ju-Metal, 2001!

    o mundo é uma boleta memo!

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