sexta-feira, 19 de março de 2010

Cospe pra cima, e uma hora cai na cara

Até certo ponto, não podemos culpar as novas gerações pela desgraça atual do futebol sem vida. Afinal, as referências que elas encontram hoje em dia são essas que estão aí; se elas passam a gostar fanaticamente do esporte, é porque admiram craques feitos em laboratório mas pertencentes a seu tempo, como Lampard, Cristiano Ronaldo e Adriano. Isso é absolutamente natural, ter como ponto de partida os atuais para criar curiosidade por aqueles que ajudaram a fazer a história. Lembro que, quando fui infectado pela doença futebolística, admirava jogadores como Viola e Edmundo, e me pergunto o que pessoas das antigas, mas com uma mesma visão decadentista que possuo agora, achavam à época de tais nomes em comparação com os antigos, mesmo sendo ambos inquestionavelmente ótimos atletas. As gerações mudam, as concepções e as exigências dos que as acompanham, também.

Pois então: se, para a criançada, esses são os maiores de todos os tempos, é porque são onipresentes na mídia, possuem toda a sua carreira devassada por programas de televisão e seus gols e "grandes jogadas" estão em qualquer site que comporte vídeos por aí. O imediatismo estupidificante assim o quer, e faz uso do aparato tecnológico/midiático para atingir seu objetivo meramente mercantilista. Jogador antigo não vende camisa ou chuteira colorida. Serve somente como "folclore", como uma peça surgida em tempos pré-históricos e pouco "profissionais" para que se pavimentasse o caminho desses inatingíveis (e únicos) deuses do telão contemporâneos. Portanto, esse é um processo delicado feito de cima para baixo, que encontra no torcedor o fim que justifica os meios, e que incita no próprio apenas a sede pelo agora, como se vivesse em uma eterna propaganda de cerveja, para poder dele sugar tudo o que for possível. Qualquer coisa torna-se descartável no jogo dos graúdos - até mesmo os que defendem tal estado de coisas.

Digo isso porque a grande tristeza que sinto nessa história é justamente a de observar os que deveriam lutar contra a imbecilização do fã transfomarem-se em nocivos agentes da Nova Ordem, regidos por sua própria passividade. Pessoas que acompanharam um(ns) outro(s) momento(s) do futebol terem rendido-se tão docilmente, e ainda permanecerem de joelhos, é algo duro de engolir. Não tenho mais o menor interesse em ouvir gente como Juca Kfouri, Alberto Helena Jr. e José Trajano; pessoas que, com um perfil dito "combativo", tornaram-se ovelhinhas de presépio das grandes corporações das quais são empregados, e só dignam-se a abrir a boca para pilhérias se o alvo de suas reclamações for alguém que lhe pisou nos calos e/ou de seu contratante. Tornaram-se anacrônicos porque enterraram suas personas, contruídas em anos e anos de exposição pública, em prol daquilo que já criticaram tão veementemente. Estão perdidos em suas próprias convicções. Não são mais capazes de questionar, e sim de mastigar e regurgitar aquilo que o senso comum serve em suas bandejas. Nivelaram-se aos medíocres - não sem merecimento, obviamente.

Veja a situação de Ronaldo, por exemplo: algum desses caras, que tanto prezam o profissionalismo, dizem um "A" a respeito da sua obesidade e falta de fôlego? Algum deles comentou com maior veemência as presepadas de Adriano (se esquivam dizendo que não têm nada a ver com a "vida pessoal" do jogador, mas ela, como se vê nas últimas semanas, influi decisivamente no desempenho do centroavante)? Eles, por acaso, tentaram desmacarar essa fraudulenta "corrente pra frente" por Ronaldinho Gaúcho, que nos importuna com uma saraivada de mentiras a cada rodada do Italiano? Disseram que Robinho continua sem jogar NADA compatível com sua fama desde que retornou ao Brasil? Falam que a esse time do Santos não interessa a formação de um time vencedor para dignificar o escudo desse histórico clube, e sim para valorizar perante o mercado externo os "Meninos da Vila", que logo começarão a mendigar por oportunidades fora daqui, nem que seja em mercados falidos como Turquia e Arábia Saudita? Claro que não. Mesas-redondas hoje servem para o merchandising de produtos escrotos, para a exibição de loiras-objeto mais versadas em moda do que em futebol (pensando bem, estão no lugar certo) e para nos evidenciar a decrepitude dessa gente que perdeu (ou escondeu) a capacidade de se indignar e pensar criticamente.

O último que sair, apague a luz.

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