domingo, 20 de novembro de 2011

¡Canchatumadre!



Depois de minha trilogia da amargura, volto a girar minha metralhadora. Há um “detalhe” (curioso e perturbador) à respeito dos estádios de futebol nestes idos correntes: os espaços para os “ricos” e para os “pobres” foram completamente invertidos de papéis. O que se vê hoje é o futebol elitista, sonho de tolos do início da história do jogo, que queriam aquele jogo
“só pra eles”. Desde que o futebol saiu das galerias das escolas britânicas e das pompas da “alta sociedade”, que promovera em primeira mão aquele espetáculo, os estádios tomaram aquela mágica forma de, aproximadamente, 75% para o povão (setores populares, no cimento) e o restante para os mais abastados, que podiam comprar uma entrada mais cara do que os demais e
desfrutar do jogo todos sentados e com cobertura contra possíveis intempéries do tempo. Foi tudo natural; a demanda exigiu esse desenho e assim nasciam os campos mundo afora. Devido à volúpia da massa, que começou a viver a paixão desse jogo inigualável, as festas não tinham precedentes na história do esporte, o grito de gol tornou-se o orgasmo fora do sexo – embora tão
descontrolado quanto. Assim explodiu na cara do planeta o filho retardado do rugby. O tempo passou, chegou o maldito futebol modernista e a coisa, em torno dos dez anos, se inverteu por completo – e ainda continua a piorar. Se pararmos para analisar os campos de futebol de hoje,
vamos conferir que quase todo o ambiente está recheado com as classes A e B (atenção os da B; já tem hora marcada pro fim de seu deleite também), enquanto o povo vem sendo (literalmente) chutado para fora dos mesmos. O espaço onde se identificam os verdadeiros torcedores está cada vez mais diminuto – parece, as vezes, até uma jaula de zoológico (a Arena de Amsterdã tinha um setor desses já no seu projeto inicial, em 1996), onde ficaria o exótico, o diferente. Pois o
comum, o padrão, agora é aquele torcedor que só vive pela vitória (não sabe lidar com os outros dois resultados possíveis no escore –bem típico de um consumidor que exige “sucesso” a qualquer custo), compra todos os produtos idiotas do seu clube, não canta absolutamente nada (vale lembrar que o canto é a arma de um torcedor) e segue, de olhos fechados e coração aberto (eita combinação perigosa!) tudo o que o molde da mídia manda (e desmanda, também). A
atitude cada vez menos da vazão pela tradição de seu clube e cada vez mais de sua autopromoção
e presença (quase que somente) física nas bancadas – todos loucos pelas câmeras de TV (ou de celulares, idem)para forçarem uma lágrima ou expressão de delírio, susto ou qualquer rostinho deformado que imprima pro outro lado das telinhas algo que deve ser real, mas que nem sempre surge efeito ali mesmo, in loco, nas canchas, onde estão seus players e sua camiseta. Alias, fica aqui um aviso para esses momentos, onde os escolhidos pelas câmeras beijam seus escudos: fiquem atentos
se seus lábios não estão tocando também um dos diversos anúncios, que hoje inundam sua malha. E, realmente, nada está tão ruim que não possa piorar um pouquinho. Em 1995, mister Fernando (In) Capez determinava o fim das festas nos estádios. De lá pra cá, essa “tendência” está acelerando, deixando para trás a alegria e impondo o controle. Assim se constrói uma nova Broadway. Lavagem cerebral bem feita vem carregada de muita diversão e é feita vagarosamente,
para abafar qualquer percepção de manipulação, que agride quem não está alienado a ela. E a sociedade aceita passivamente e segue sua vida mundana, material. Sobre os estádios europeus (a musa do restante) nem sobram muitas palavras. Nem a privada da Rainha da Inglaterra deve ser tão asséptica quanto o campo do Manchester United, por exemplo, - ironicamente chamado de Teatro dos Sonhos (pesadelo ficaria bem melhor, agora). O Santiago Bernabeu, campo dos
merengues de Madrid, deve ter algum mecanismo para repelir qualquer manifestação
que não seja digna de reis – por que não lhes calam? E isso piora a cada corajosa bisbilhotada que dou, provavelmente a cada seis meses, pela ritmo que está minha vontade de ver o novo futebol. Vejam: nada contra o limpo e o burguês no futebol (afinal, ele é pra todos). Mas necessitamos de nosso cimento, nosso alambrado, nossos urros e gozos. Não me sinto um “animal” por estar atrás de uma grade – senão me sentiria assim num parque de diversões, por
exemplo. Nós, torcedores, nos tornamos animais quando somos tratados como tais pelas autoridades que organizam o jogo: com ingressos caríssimos, abuso de poder, com controle do que podemos e não podemos cantar, falar e – tudo isso – assistindo espetáculos cada vez mais fraquinhos e previsíveis pintados de épicos. E essa luta de classes no futebol não significa que somente das mais baixas na escala podem sair os verdadeiros torcedores a que me refiro sempre. Quem já viu Roberto Justus hinchando sabe do que estou falando. Mas a minha metralhadora de
hoje reflete o fuzilamento poético da maioria da população e o corte na raiz da atitude natural de ser num campo de futebol – dispensada sem honra, nem mérito. A atitude tem de vir sempre acompanhanda da mentalidade, como o yin e o yang. E este quadro pode, sempre, piorar, pelas mãos e mentes dos chefões da pelota. Mesmo que um torcedor venha das classes mais baixas, sua mentalidade e atitude já podem estar muito bem corrompidas pela nova ordem, que reflete a vida das “altas”: vide os celulares ligados e apontados sei lá pra onde, no exato momento em que seu time está fazendo um gol - sinceramente, isso pra nós do Antimídia é algo inadmissível. Ou então, novamente citando, essa exigência imediatista de vencer, como está acontecendo com o Palmeiras – que pra mim não está sofrendo nada mais, nada menos do que os efeitos do câncer do novo futebol, como todos os outros clubes estão ou vão sofrer, cedo ou tarde. Coisas assim não podem mais perpetuar. Bom domingo à todos – sem futebol “profissional”, por favor!

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