sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A mistura de dois que não dá um

Abro espaço para tecer um elogio ao putardo do Bury. Os textos do cara são cirúrgicos, com instinto de “V de Vingança” – acredito que tinham de ser lidos em pleno “horário nobre” da televisão. E
como ele contou essa linda historia de seu tragicômico domingo, vou dar continuidade a ela, voltando um pouco no tempo e a alguns domingos passados. Também será sobre o gordo Neto, mas, principalmente, sobre o nosso bom e velho “sangue, suor e lágrimas”, que tanto rivaliza com o “planejamento, execução e merchandising”.
Estava relembrando com um colega de trabalho as primeiras lágrimas que derramamos no futebol. Ele é bem mais novo do que eu, outra geração ate – embora sua mentalidade e atitude não demonstrem isso. Rompeu aos prantos pelo seu Palmeiras-Parmalat derrotado em 1995. Ali, a
sombra do antifutebol já rondava minha alma. Eu debutei pouco antes, em 1985. Desde esse ano, disputei torneios de futebol de salão e, ainda um garotinho de cinco anos no banco de reservas, não resisti aos gols que levamos numa prorrogação que valia titulo. Demorei a parar, ate que minha mãe ofereceu o lanchinho pós jogo e a coisa fluiu rumo a mais uma segunda-feira. Eu aprendia a nascer no futebol. Nos anos subseqüentes, derramei outras tantas lágrimas ao
jogar, mas nunca pela emoção da vitoria; sempre decepção da derrota. O futebol sempre ensinou os jovens a lidar com as adversidades da vida de maneira adulta, enquanto ele foi futebol de verdade. Ao vivê-lo intensamente, as derrotas explodiam na sua cara, assim como o cronômetro, impiedoso, não podia parar – e realmente não há como se esconder num campo de jogo desses. Mas é no futebol profissional que o caldo engrossa – incluso o das lágrimas. Meus olhinhos fitavam a TV, enquanto Zico, Sócrates, Platini e Julio Cesar perdiam seus penais, na épica
partida entre Brasil e França, na Copa de 1986. Não chorei; talvez muito novo, me senti “apenas” assustado e preocupado com o desespero e lágrimas de meus pais e tios, pós desclassificação dos canários. Parecia o anúncio de uma nova guerra mundial, de tão fúnebre que ficou minha casa. A vida seguiu. Vi meu pai, tomado pela raiva, espatifar no chão seus óculos quando D.W. Boschilla apitou o fim do jogo decisivo do Paulista de 1987. A luz havia acabado no bairro bem na
hora do sagrado jogo, e ele acompanhou o prélio num daqueles aparelhos de imagem em preto e branco, que pareciam cinemas para formigas. Enputecido, ele se trancou no quarto e minha mãe, imediatamente, veio correndo, querendo saber o que tinha acontecido. Eu sabia muito bem o que era – e era muito mais do que uma derrota em um jogo. Era o poder do futebol que me encantava cada vez mais; já estava cooptado por ele, e por esse comprometimento que te fazia destruir um objeto que seria útil no dia seguinte de trabalho sem pestanejar – o futebol realmente desintegrava os homens. Mas também não chorei. O velho havia me levado, junto
ao meu irmão e um primo, na primeira partida daquelas finais. Eu estava louco, não podia crer que existia tal universo nesse inferno de vida. Mas, em 1988, eu amadureci. Foi o primeiro ano que acompanhei, de fato (como “gente grande”), rodada a rodada, o Campeonato Paulista e não agüentava mais desconhecer o sabor de um titulo. Quando a ultima rodada chegou, e o Corinthians tinha de vencer o Santos e ainda torcer pela vitória dos rivais verdes (já desclassificados) contra a máquina do São Paulo, fiquei doido. E, do nada, anunciei ao velho: sou
tricolor. Honestamente, episódios como esse me fazem crer que desde tenro garoto já tinha uma intuição de buscar, por conta própria, meu verdadeiro amor no futebol – ate que me encontrei com meu querido Juventus. Em 1995, por exemplo, tinha o pôster de Giovanni com a camisa do Santos no meu quarto – não acho que essa seja uma atitude muito normal de um “corintiano”. Mas voltando a historia, eu tinha de ser campeão, de qualquer jeito. Ate que Gerson Caçapa matou os tricolores e me salvou de ser um Bâmbi. O convite, irrecusável, do velho para
irmos a primeira partida das finais contra o fortíssimo Guarani, me trouxe uma real possibilidade de ser o primeiro. ‘É agora ou nunca! Quem é esse Guarani ai?’. Envolto nessa insuportável expectativa, rumamos ao Morumbi inflado de bandeiras e rojões. Eis que surgiu, então, a famosa bicicleta de Neto – que, por sinal, aconteceu bem na nossa frente. E ali, como acontece com todo choro verdadeiro, eu explodi. Era muito humilhante levar um gol daqueles (ainda mais numa final) e o time adversário era visivelmente superior em campo. Eu não queria acreditar no meu azar. Somado a minha inexperiência de vida (e de jogo, também), o gol me fez visualizar duas goleadas bugrinas nas finais. Me fechei no meu assento e chorei feito um bebê, ate que o primeiro tempo acabara e eu, por fim, me acalmara - sem aquela tinhosa presença da pelota que parecia correr contra meu destino. Acredito piamente que as primeiras lágrimas no futebol têm de ser de tristeza, ou raiva. Como a raiz que vem da terra e troca com o ar seus
fluidos vitais – de baixo pra cima, de dentro pra fora, como toda revolução. Todavia, não chorei de alegria com o titulo de Viola, uma semana mais tarde – talvez ainda novo, um pouco tímido para derramar lágrimas triunfantes. Faltava algo, mas ali eu aprendi a bater punheta no futebol. Por mim, eu podia passar o resto da vida sem outra conquista, outra taça – já tinha passado pelo mais difícil, a perda da virgindade e da falta de gozo. E como ele é bom! Dois anos se passaram. Quem conviveu com o Corinthians nesses tempos, lembra que pós torneio estadual, não havia muito mais esperança pro restante do ano. Assim, quando Silvio e o Bragantino massacraram o time de Marcio e Ronaldo, fui as lagrimas de desespero – bradei pela casa que não iria a escola na manhã seguinte. Fui, mas colei num camarada corintiano e lancei: ‘pois é, agora só no ano que vem’. Como eu morro pela minha boca! O Campeonato Brasileiro chegou e com ele havia
Neto jogando como um Maradona (quase, ok). Seu futebol e liderança (muito mais do que “apenas” suas cobranças de faltas) levaram o Corinthians a um mata-mata decisivo. A expectativa era muito grande, e o velho levou seus pupilos a partida contra o Galo Mineiro, pelas quartas-de-finais. A necessidade de um bom resultado em casa, misturado a falta de cancha daquele plantel, fez o jogo transcorrer de maneira absolutamente dramática, digna de um teatro grego da
antiguidade. O jogo era elétrico e o Pacaembu tinha uma atmosfera de guerra literalmente, com bombas e gritos enfurecidos. Faltando quinze minutos pro fim de jogo, o placar apontava a vantagem mínima pros visitantes. Eis que o camisa dez, em dez minutos de jogo, virava o escore e sacramentava a vitória. No primeiro tento me emocionei muito, mas todos ali sentiam, juntos, que o empate ainda não era o orgasmo. Mas no segundo, explodi como nunca. Não havia como
resistir, segurar – como uma avalanche nas montanhas de neve. O aspecto heróico presente, o fraco batendo o forte, os abraços com meu irmão e com outros desconhecidos, os gritos ensurdecedores da massa, a expressão de delírio de meu pai... gozei, digo chorei – e muito, aos berros! Ali eu aprendi a foder no futebol. Fui empurrado para dentro do trem da alegria, como fazem com você no metro de SP as 18 horas (na verdade, em quase todos os horários hoje em dia). E adorei, claro.
Voltei a molhar o rosto e ruborizar os olhos em outras oportunidades: em 93 e 95, nas duas maiores roubalheiras que já vi – e nas duas eu torcia pelo afanado – e ate mesmo com o Brasil de Romário, em Los Angeles (minha grande despedida da seleção). Logo viriam a Nike, a Globo e as Ronaldos-Manias e todos os meus prantos a seguir (e já foram muitos, garanto) viriam acompanhados de um ódio mortal e não mais de decepção ou êxtase esportivo. Desses não quero falar agora. Ate que chegou a Mooca, nossa querida torcida e o titulo de 2007, o “Javarinazzo”
seguido de um milagre no ultimo segundo de uma temporada inesquecível pra mim e pro Juventus - detalhe, hoje faz exatos quatro anos desse dia inesquecível. Como Roberto Gomez Bolaños, fiz Pi-pi-pi-pi-pi-pi... Ali eu renasci no futebol e chorei com tal – e senti, uma vez mais, que nenhum dos choros antes dos grenás tinha esse sabor. Essas minhas memórias clubísticas antes de minha epopéia com os Travessos foram apagadas, sobrepostas pela paixão que descobri no time da Javari. Mas as lembranças permanecem ativas como coisas que vivi, aprendi, sofri e gozei. Hoje, nem ligo mais pra lagrimas de vitorias e
derrotas. Numa guerra, como a que estamos metidos contra o dinheiro, elas são apenas um combustível natural pra suportar a pressão. O mundo globalizado, misturado, onde a Coca-Cola Company promove shows para Chitãozinho e Chororó compartilharem o palco com a “roqueira” Pitty (de acordo, afinal eles representam o mesmo estilo, ou seja, o comercial) e a torcida favelada do Rock Gol da MTV veste camisetas do Mc’Donalds e Banco do Brasil não me agrada nem um pouco. Outro dia liguei nesse programa pra ver se ao menos um futebol que já nasceu
pra ser idiota me agradava. Mas não consegui fitar a imagem por muito tempo. O gramado
sintético e (muitas) outras coisas me fazem enxergar o futebol business em todo lugar. Lá estava, como sempre, o ex-árbitro Edmundo Lima Filho, que foi bandeirinha na final de Viola, em 88, e arbitro principal na final carniceira de 90. E como disse o Bury, o Netão, hoje “comentarista”, realmente comparou a virada de Adriano com essa que acabo de relatar, apesar da gritante distância entre elas. Simples, porque quando se custa caro e se sai de Porsche do Pacaembu, o
negocio tem de ser grandioso, a qualquer custo. Chorei, largado!

Um comentário:

  1. Chico Lang sacramenta até hoje: "Neto melhor que Maradona, insisto nisso!"

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