quinta-feira, 23 de julho de 2009

O Fenômeno de um eclipse forjado

A partida entre Corinthians e Cruzeiro, neste último domingo, deixou clara uma característica que marcou toda a carreira de Ronaldo, mesmo no “auge” de seu desempenho esportivo: a capacidade de alternar jogadas excelentes e outras medíocres – inadmissíveis para quem carrega a alcunha de “gênio/ícone/referência do futebol”, proferida à exaustão pelos homens do microfone. E límpido também ficou, uma vez mais, o tratamento da grande mídia, mais do que parcial, ao tal Fenômeno: masturbação de seus momentos bons, e diminuição da importância das suas deficiências – quando não ignoradas, como o fez o SPTV que anunciava, “só deu ele!”, mas, claro, ignorava o pênalti desperdiçado e o lance que o originou (quando o atacante perdeu um gol sem goleiro - o que antigamente seria motivo, mais do que justo, para piadas). É como o eclipse, onde o lado "bom" já basta para vendê-lo como se fora um deus intocável, enquanto que o lado "ruim" a televisão sempre dá um jeito de mascarar, esconder. Ultimamente as desculpas estacionam no peso do atleta (que não parece ter mudado muito, contrariando as “competentes” previsões do início do ano, lembram?), a falta de ritmo (sempre essa!), a readaptação, aos “companheiros que não entendem” um passe errado dele, ao seu passado glorioso, etc, etc, etc. Há treze anos, as desculpas encontravam perfeita explicação na inexperiência, uma ocasional falta de sorte, no seu futuro que, certamente, seria glorioso (e dá-lhe Mãe Dinah!), etc, etc, etc. Deus não falha, não erra, não peca.

O problema não é o futebol do jogador em si, repito. Para mim, trata-se de um atacante competente - o que não é pouco. Discutível são o exagero explícito da mídia e a alienação conseqüente. Nas semifinais do estadual desse ano, ficou evidenciado o quão irregular Ronaldo pode ser: no Pacaembu, teve duas atuações fracas, participando, com muito esforço, de poucas jogadas e perdendo gols; enquanto que na outra metade dos jogos ele foi essencial. Na partida da Vila Belmiro, seus gols foram vendidos como obras de alguém do calibre do próprio Rei do Futebol, que presenciava a partida. O “mundo inteiro” se rendia novamente! Uns dos poucos equilibrados foi Fernando Calazans: "cresci vendo gols assim aos montes. Pra garotada que hoje não vê isso com tanta facilidade, foi legal". Mais do que correto, foi gentil. Para citar exemplos atuais, foi um gol a lá Palermo contra o Atlas pela Libertadores de 2008, ou tão cirúrgico quanto outro gol de cobertura marcado naquele mesmo domingo por um brasileiro de nome Maxwell (?), na final da Copa da França, disputada no estádio de Saint Dennis – que, aliás, Ronaldo conhece muito bem (ou não tão bem, quer dizer). É a escolha pela parcialidade escancarada, porém necessariamente disfarçada. E com títulos conquistados, a coisa flui de maneira muito mais segura.

Ronaldo disputou, efetivamente, três Copas do Mundo – em 1994, ele foi tão campeão quanto Zetti, Gilmar ou Ronaldão. Sua trajetória nos mundiais serve, também, para analisar sua inconstância: na França, em 1998, ele chegava condecorado pela FIFA com dois títulos de melhor jogador do mundo; todos se curvavam ao talento inigualável daquele menino. Mesmo assim não trouxe o título, nem foi o artilheiro – decepção igual a que viveu semanas antes, na liga italiana (a, então, mais difícil da Europa), onde o atacante alemão Bierhoff se consagrava anotador máximo, atuando pela Udinese. Surgiram, então, os primeiros sinais de que seu corpo não agüentaria a carga que impuseram àquele que servira de molde ao “jogador do futuro”, segundo uma declaração (Placar, 1995) do preparador físico J.L. Runco - que ajudou a transformar o franzino menino dos tempos de Bento Ribeiro, numa descontrolada locomotiva. A recuperação se daria no mundial mais fraco da história, onde Ronaldo foi artilheiro e campeão – embora seu desempenho não fugisse da normalidade de um goleador nato. Passou em branco justamente na partida mais dura da campanha (Inglaterra), e ainda ganhou um gol de presente (onde sequer tocara na bola, contra a Costa Rica), novamente, da dona FIFA. Para a mídia, Ronaldo era “Pelé”, e Rivaldo era “Jairzinho”. A opinião pública, como sempre, engolia o que era forjado. Ali o processo do eclipse se acelerou novamente, embora seu desempenho continuasse o mesmo nos anos seguintes: ganhou taças e prêmios, mas nunca conseguiu, por exemplo, sucesso na maior competição do continente – mesmo atuando em clubes como Real Madri e Milan. Na Copa de 2006, Ronaldo era anunciado como o “rei dos reis” daquela “imbatível” seleção. No final, o fracasso de um time descompromissado e passivo não atingiu o Fenômeno, que se tornara o maior anotador de pontos da história das Copas – que, por sinal, parecia o único objetivo do jogador nos gramados germânicos. Sua atuação inexpressiva contra a França (novamente na partida mais importante da competição) se tornaria aceitável, pelo tratamento da mídia. Resumindo: ele foi mediano na primeira, eficiente na segunda e decepcionante na terceira. As coisas definitivamente mudaram. Na Copa de 1986, Zico perdeu o pênalti mais importante de sua carreira, contra os mesmos franceses. Mesmo consagrado e vitorioso, não ficou isento de duras críticas: "será que ele deveria ter disputado mais essa Copa?", "deveria ter batido o pênalti?", etc, etc, etc. As críticas ao Galinho nunca iriam manchar seu legado. A falta delas em relação a Ronaldo garante a continuidade de uma lenda mais do que duvidosa. Quando se enterra algo tão essencial assim, é porque algo está errado.

O futebol sempre exigiu essa veia implacável do julgamento público. Você cobrava um ídolo quando ele errava, principalmente quando ele era bom. Por isso, também, o futebol sempre evoluiu na linha do tempo de uma maneira natural. Até que, covardemente, inventaram o futebol mercantilizado, onde se pode errar e falhar à vontade. A imagem dos atletas gera oceanos de dinheiro, e não é mais o nível do futebol apresentado por eles que determina os aplausos e apupos. Sem questionamentos, o futebol “sobrevive” como um grande e bestial açougue: amacia e depois perfura. Hoje à noite, veremos mais um capítulo desta saga fenomenal, que não tem prazo para acabar. Pode ser um dia dos “bons”, dos “ruins”, ou de uma simples urinada às pressas no meio do gramado, tanto faz. Essa é a beleza de um eclipse: nas sombras ou na luz, seu efeito emociona e substitui a falta de razão, de questões. Fiquemos atentos, pois.

Um comentário:

  1. Toro,

    PORQUE CARALHOS você escreve bem aqui e parece um semi-analfabeto cheirado de cocaína quando manda email?

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